“Se sinto as raízes
indago: por que não as vejo?/Esse legado de herança que invade os meus sonhos/São
sonhos que se nutrem do meu passado opaco”. [Levi B. Santos]
Diz-se
que a Psicanálise é irmã gêmea da Arqueologia. Essas duas instâncias
realmente têm muito em comum: elas se ocupam em investigar o que se encontra
escondido nas profundezas, não se interessando tanto pelo que existe na
superfície. Para esses arqueólogos, como acontece com o iceberg, a superfície
deixa à mostra apenas a ponta de algo extremamente maior que se encontra
submerso.
Na
verdade, o trabalho do arqueólogo, de forma metafórica, se compara muito ao
trabalho do psicanalista. Tanto o arqueólogo quanto o analista são escavadores que,
incessantemente, anseiam descobrir um rico tesouro enterrado no subsolo. Seus
objetivos são idênticos: trazer à luz do dia àquilo, o desconhecido, que reside
nas profundezas das trevas geológicas e psíquicas.
Para
Freud,
os alicerces falhos e incompletos da infância do indivíduo devem ser resgatados
de sua latência. Muitas marcas do irracional que hoje influenciam o agir e o
pensar do homem moderno têm no subsolo da psique a sua origem. O pensamento de Freud
abalou a certeza cartesiana, ao fazer ver que nada evolui da superfície
do solo, senão daquilo que está nele enterrado.
É
do lugar mais profundo de nossa estrutura psíquica que surgem
as pulsões ou desejos inconscientes de retorno a um estado primitivo. De certa
forma temos todos um certo grau de compulsão ou uma tendência a repetir as
primeiras experiências, sem saber que na miragem de nosso ideal estão
encarnados os desejos fantasiosos da criança que se foi — um baú de histórias
vivenciadas de amor e ódio.
O
velho ditado muito conhecido que diz — “De médico e louco todos nós temos um pouco” —,
pode perfeitamente ser aplicado ao nosso âmbito psicológico. Parafraseando esse
significativo adágio, poderíamos dizer: “De compulsivo e obsessivo, todos nós temos
um pouco”. O que varia nesse caso é a graduação desses sintomas: o
excesso deles é que provocaria o quadro patológico denominado T.O.C.
(Transtorno obsessivo-compulsivo)
No
nosso dia a dia quem nunca experimentou as chamadas pequenas obsessões, sob a
forma de pensamentos repetitivos, dúvidas persistentes, uma música que se
cantarola quase involuntariamente por alguns dias, uma viagem que sempre
pensamos em fazer e nunca a efetuamos?
Quer queiramos ou não, somos colecionadores de lembranças e recalques. Impulsionados
por um discreto grau de obsessão classificamos, separamos, etiquetamos e
guardamos reminiscências ou coisas sem notar que por trás desse trabalho todo,
em sua mediação, se insere algo parecido com um ritual compulsivo.
A
confirmação da ocorrência de desejos obsessivos e compulsivos em nosso recinto
psíquico está implícita na afirmação corriqueira que sai da boca de nossos
ancestrais: “Ele foi sempre assim, desde criancinha!”.
Esse
homem de chumbo, frio e já desvanecido fisicamente, nunca vai deixar de ser
reflexo do menino que um dia foi. Quando ele rir triunfante, ou quando fica
triste e melancólico o que se vê é a criança de tempos atrás. A sua sentença é
viver entre espasmos de retração e abertura. Tal qual um molusco ele,
involuntariamente, deixa aparecer e desaparecer a sua parte frágil sepultada
sob a carapaça endurecida e esmaecida pelo tempo.
Abram-se
os arquivos arqueológicos presentes em nosso ego primitivo e lá encontrarão, com
certeza, doses de desejos obsessivos e ritos compulsivos.
Sobre esses arquivos subterrâneos produtores
de diversos sentimentos recorrentes, entre eles o nostálgico, o escritor e psicanalista
Rubem
Alves, em seu livro — “Retorno e
Terno”— assim, se expressou:
“Enquanto
depender de mim, os campos ficarão lá. Enquanto depender de mim os cerrados
ficarão lá. Porque tenho medo de que, se eles forem destruídos, a minha alma
também o será”.
Por Levi B. Santos
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