Ao que parece, humor e religião são como a água e o óleo: não
se combinam por mais que se tente homogeneizá-los O humor, como se sabe, quase
sempre provoca riso. Se não desperta o riso é porque o expectador, nas
entrelinhas, não captou a essência da piada. O grande nó da questão, é que a igreja, em sua
história, sempre considerou o riso visceralmente mal porque exprime desprezo,
egoísmo e orgulho. Daí ter colocado o sarcasmo e a sátira, que provocam riso,
na conta das hostes diabólicas. Afinal, para a igreja, não existe na história
sagrada um Deus rindo à toa. Mas o herege Nietzsche de forma
humorada, já dizia que “só acreditaria em
um Deus que soubesse dançar”.
O atentado recente em que religiosos extremistas metralharam
quatro humoristas franceses em seu ambiente de trabalho, convidam-nos a uma reflexão
sobre o humor e sua contrapartida na esfera religiosa fundamentalista. “História
do Riso e do Escárnio” − do escritor francês Georges Minois −, livro editado no Brasil pela Unesp em 2003, é um
prato excelente para quem quer se debruçar desarmadamente e com profundidade sobre
esse melindroso tema.
No primeiro capítulo de sua bem explorada obra, o françês, George Minois, apresenta uma versão mítica da criação bem diferente
da comumente encontrada no livro bíblico de Gêneses, como se estivesse
desejando fazer as pazes entre o humor e a religião. O capítulo tem por título –
“O Riso Inextinguível dos Deuses” e apresenta não o Deus carrancudo ou sério da
Torah, mas um Deus mais próximo do riso e consequentemente do humor. Senão
vejamos:
“Segundo o papiro de um
autor anônimo encontrado no século III (o papiro de Leyde), o universo nasceu
de uma enorme gargalhada. Tendo Deus rido, nasceram os sete deuses que governam
o mundo... Quando ele gargalhou fez-se a luz... Ele gargalhou pela segunda vez:
tudo era água. Na terceira gargalhada, apareceu Hermes; na quarta gargalhada, a
geração; na quinta, o destino; na sexta, o tempo. Depois, pouco antes do sétimo
riso, Deus inspira profundamente, mas ele ri tanto que chora, e de suas
lágrimas nasce a alma”.
O tema aqui exposto, em que se mesclam risos e lágrimas, é
recorrente na mitologia do Oriente Médio. Na Babilônia e no Egito, cita o autor,
há um ritual onde os sacerdotes de Tebas saúdam as benesses do Nilo com uma
gargalhada.
Nessa versão dos sete
risos na criação do universo, diz o autor, “Deus
não cria pela palavra, que já é civilização, mas por esse espocar de vida selvagem,
e cada um de sete acessos faz surgir do Nada um novo absurdo, tão absurdo
quanto o próprio Deus: a luz, a água, a matéria, e espírito. E, no final desse big-bang
cômico e cósmico, Deus e o universo encontram-se em um face a face eterno,
perguntando-se um ao outro o que estão fazendo lá: aquele que rir e sua
gargalhada.”
Não poderia deixar de citar o filósofo francês, Voltaire(1726) que, por ser polêmico e usar de ironias em suas magníficas tiradas, chegou a levar estrondosas surras. Um bispo de sua época dizia que os poetas tinham o lombo duro. Foi Freud que anos depois da separação da igreja do estado, através de incessantes, duros e prolongados estudos psicanalíticos, deixou o mundo perplexo ao explicar a dinâmica dos processos mentais inconscientes.
“O humor é transgressor. São os humoristas que captam
a fragilidade do homem, seus conflitos, sua dor e sofrimento, cravam as unhas
do mal estar, desviam do interdito e dali saem com um dito espirituoso que os
faz rir de si mesmos ou do outro, e faz o outro rir. São eles que revelam
nossas contradições, nossas falhas, nossas imperfeições. Através do humor todo
o poder constituído é gozado, as teorias perdem a sua pomposidade, as religiões,
as ideologias mostram a sua face frágil e nua.”
Não poderia deixar de citar o filósofo francês, Voltaire(1726) que, por ser polêmico e usar de ironias em suas magníficas tiradas, chegou a levar estrondosas surras. Um bispo de sua época dizia que os poetas tinham o lombo duro. Foi Freud que anos depois da separação da igreja do estado, através de incessantes, duros e prolongados estudos psicanalíticos, deixou o mundo perplexo ao explicar a dinâmica dos processos mentais inconscientes.
A psicanalista, Marília Brandão, de formação freudiana, em seu livro “Psicanálise e Contemporaneidade”, diz algo emblemático sobre o humor e o humorista:
Os psicanalistas Abraão
Slavutzki e Daniel Kuperman, para
marcar o centenário de “Os
Chistes e Sua Relação com o Inconsciente” – obra magistral de Sigmund Freud
sobre o humor, escreveram — “Seria
Trágico se Não Fosse Cômico”. Em uma entrevista à revista Época, perguntaram a Kuperman se o humor era o reverso do medo.
Ele respondeu dessa forma:
“O humor não é o
reverso do medo no sentido de uma coragem heróica. O herói é aquele que se crê
indestrutível, é o que tem como lema ‘nada me pode acontecer’. É o Rambo. O
humor é uma sabedoria trágica acerca da própria finitude. Assim, por um lado,
sabemos que não podemos tudo, que somos precários e impotentes para muitas
coisas, mas por outro, não deixamos os medos, inclusive o da morte, nos
paralisar”.
Por Levi B. Santos
Guarabira, 12 de
janeiro de 2015
3 comentários:
Jesus foi ungido com o óleo da alegria.
"Alegrem-se sempre no Senhor. Novamente direi: alegrem-se!" Filipenses 4:4.
"A alegria do Senhor, é a nossa força."
Conheço um deus bem humorado e que constantemente nos fala sobre paz, alegria. Inclusive o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e 'alegria' no Espírito Santo; Romanos 14:17.
Pois o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo; Romanos 14:17.
Não vamos confundir este terrorismo com atos de consciência religiosa. Estes atos acontecem no futebol, na política e nos ringues da vida.
Vejamos a opinião do Boff
https://leonardoboff.wordpress.com/2015/01/10/eu-nao-sou-charlie-je-ne-suis-pas-charlie/
A reação que ouvi de alguns líderes eclesiásticos, Guiomar, foi de arrepiar: “Deus não se deixa escarnecer!” — concluíram, de olhos brilhantes e efusivamente vitoriosos.
Mas Boff deve estar bem lembrado das perseguições que sofreu movidas pelo stablishment religioso católico. As críticas duras, cortantes e ferrenhas que fez em defesa da “Teologia da Libertação” – levou-o à sentença máxima: a fogueira da inquisição.
A ex-comunhão, é importante frisar, não deixa de ser uma violência contra a liberdade de expressão que, não mata o corpo, mas dilacera a alma.
O colunista da Folha – Contardo Calligaris —, é também psicanalista de formação Lacaniana(especializou-se na França). Tenho dois livros dele ( Quinta Coluna e Terra de Ninguém) composto de crônicas que publicou na Folha de São Paulo. Ele se vale dos temas incisivos do nosso cotidiano, para extrair deles sutilezas de cunho psicanalítico — Uma análise tão crua e imparcial que às vezes nos choca, por exatamente nos tirar daquele lugar comum ou zona de conforto que escolhemos para não ser incomodado. Hoje, quinta-feira (dia 15), ele fez em forma de crônica, uma análise curta e profunda sobre o Humor em face do que é considerado sagrado.
Com o intuito de trazer mais subsídios para o nosso debate sobre o humor satírico versus o que se racionaliza como sagrado, exponho aqui o LINK do artigo que Contardo Calligaris publicou no caderno “Ilustrada” — de hoje — na Folha de São Paulo:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/203994-por-que-eu-sou-charlie.shtml
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