“Cuidemos
de tornar esta vida tolerável; ou, se for demais, que pelo menos
sonhemos que assim é” ―
sentenciou
Louis-Sébastien
Mercier, tomado pelo espírito
utópico. Disse isso,
em seu livro,
“Memórias do ano 2440”, publicado
no longínquo 1771.
Longe
ainda de 2440 e, em pleno 2015, o que vemos e sentimos, na realidade,
é o declínio acentuado dos impulsos utopistas do Homo Sapiens
brasileiro, por um mundo mais digno e justo.
Aqui,
nas terras de Dom João VI, navegamos
em um mar de escândalos nunca vistos ou imaginados. Ninguém mais
acredita num futuro promissor.
E como se poderia acreditar, quando
o que mais se pensa é na
maneira mais esperta de manipular a barca do estado que se encontra à
deriva?
A
situação vexaminosa que estamos enfrentando nos últimos anos,
trouxe-me à mente a peça “Ascensão
e Queda de Mahagonny”,
do famoso dramaturgo alemão, Bertolt Brecht (1898 ― 1956):
No
primeiro ato da peça, o procurador Willy e seu subordinado
encontram-se perdidos no meio de um vasto deserto. O caminhão em que
viajavam à procura de ouro pifou ou emperrou, e não tinha como ir
nem para frente, nem para trás. O procurador, então, é tomado por
uma ideal, em tudo parecido com o que comumente se ver no submundo de
nossa republiqueta. De uma forma muito usual entre nós, o
personagem principal do enredo de Bertolt Brecht, dispara:
“Bem,
tive uma ideia: já que não podemos tocar para frente, vamos fundar
uma cidade, e lhe dar o nome de Mahagony, que quer dizer ― cidade
arapuca. Ela vai ser como a arapuca que se arma para os passarinhos.
Em toda parte se dá duro e se trabalha, mas aqui se goza”.
Enquanto
Mahagonny está a espera de um tufão, os grandes e inteligentes
homens chegam a uma “sábia” decisão:
“Nós
não precisamos de furacão nem precisamos de tufão, porque todo o
horror de seu poder, nós mesmos podemos fazer.
Não
tenham vã esperança/Não há retorno mais/O dia traz bonança/ E
logo a noite avança,/mas a manhã jamais.
Quando
há algo que podes comprar com grana/ Pega então a grana/ Quando
alguém passar com grana,/Dá-lhe uma paulada e toma a grana/ Isto é
permitido.
No
interesse da ordem/Em benefício do Estado,/Para o futuro da
humanidade,/Pelo teu próprio
conforto/ Tudo é permitido”.
Com
o fim da guerra fria, na década de 1980, a utopia de um mundo melhor
e justo, ainda dava ar de sua graça entre os de minha geração.
Pensávamos que a gastança de bilhões em armas e bombas, se
transportaria para a saúde, educação e para as necessidades
comunitárias, como num passe de mágica.
Em
nossa tenra e inocente imaginação pululavam heróis, messias e
salvadores da pátria mãe gentil. Tempo em que não tínhamos
ciência ou noção de que o herói e o vilão ― paradoxais e
indissociáveis habitantes da alma humana ―, compunham o enredo
fantasioso dos autores de livros de História, com suas máximas por
nós consideradas sagradas. Não sabíamos que esses dois personagens
internos, no decorrer do tempo, constantemente trocavam de papéis,
sempre de acordo com suas temporais conveniências.
Foi-se
o tempo da utopia edênica do homem monolítico, que expulsa de si
toda a maldade para ser ilusoriamente, só bom. A inteligência
manipulativa do Homo Sapiens da atualidade trabalha, incessantemente,
para que seu lado vilão não apareça aos olhos dos outros. Uma vez
no poder, modificam-se até as leis para que resplandeça perante a
sociedade apenas a sua face de herói.
Na Mahagonny de Bertolt Brecht, assim como nas altas esferas de Brasília (Centro dos três poderes republicanos), tudo é permitido no interesse da ordem e em benefício do Estado, desde que os anseios da plebe não entrem em rota de colisão com o próprio conforto dos legisladores e guardiões das leis. O “tudo é permitido” em nome da governabilidade, lá atrás, no começo da comédia republicana, tinha um outro nome ― “Encilhamento”. Esse termo usado no alvorecer de nossa fantasiosa república (por volta de 1890)correspondia a um desastroso programa econômico de endividamento que transformou o dinheiro da Fazenda em papel. No teatro republicano de hoje, esse nome quer dizer o mesmo que: “Pela governabilidade, tudo é permitido.”
Na Mahagonny de Bertolt Brecht, assim como nas altas esferas de Brasília (Centro dos três poderes republicanos), tudo é permitido no interesse da ordem e em benefício do Estado, desde que os anseios da plebe não entrem em rota de colisão com o próprio conforto dos legisladores e guardiões das leis. O “tudo é permitido” em nome da governabilidade, lá atrás, no começo da comédia republicana, tinha um outro nome ― “Encilhamento”. Esse termo usado no alvorecer de nossa fantasiosa república (por volta de 1890)correspondia a um desastroso programa econômico de endividamento que transformou o dinheiro da Fazenda em papel. No teatro republicano de hoje, esse nome quer dizer o mesmo que: “Pela governabilidade, tudo é permitido.”
Pouco
antes das chamas tomarem conta de Mahagonny, um cortejo de
manifestantes andando sem ordem, uns contra outros, portam cartazes
com os seguintes dizeres:
“Esta
bela Mahagonny tem de tudo,/Enquanto vocês tiverem dinheiro./Tem o
que se pretenda,/Pois tudo está à venda,/ E não há nada que não
se possa comprar.”
P.S.:
Na
ausência de princípios morais, o que aparece em seu lugar é o
oportunismo dissimulado travestido de “boas ações”. Uma vez no
poder, os indivíduos são tendenciosos a promover a autofagia,
fragmentando-se em grupos rivais a serviço da própria agressividade
adormecida.
Ao
apagar a luz da Utopia, o Homem Sapiens da pós-modernidade mergulhou
na escuridão de uma vida sem expectativa. Dessa forma, além de
sombrio, frio e cruel, converteu-se definitivamente em um predador de
si mesmo e dos outros. O seu “modus vivendi” está, agora,
intimamente ligado ao uso e abuso do instinto humano mais primitivo e perverso ― o instinto de
destruição.
Por
Levi B. Santos
4 comentários:
O Brasil carece de admoestadores e motivadores que, à semelhança dos profetas bíblicos, encorajem o povo a reconstruir o país conforme princípios éticos. Se Moisés fez de uma nação de escravos um povo que hoje colhe frutas num árido deserto, podemos também seguir os mesmos passos nos libertando da mentalidade corrupta que tanto atinge aos governantes quanto ao próprio povo. E em oposição ao arquétipo de D. João VI, tivemos aí o nosso Tiradentes que, ao seu modo, amava esta terra de maneira que o seu sacrifício não pode ter sido em vão.
Há que se reconstruir e atualizar essa utopia. As vozes do bem precisam clamar e preparar o caminho da reconstrução nacional!
A humanidade é uma grande esperança perdida (Tennessee Williams – em “Um Bonde Chamado Desejo”)
O Homo sapiens brasileiro vem aceitando de bom grado, desde a farsa da proclamação da nossa república, o software do fisiologismo, Rodrigo.
O “modus vivendi” é o mesmo de trezentos anos atrás. Quando o rei e seus parceiros estão em vias de naufragar sob denúncias escabrosas, o remédio é fragilizar e desmoralizar as instituições que os investigam, como aconteceu no passado, vem se repetindo no presente, e se repetirá no futuro.
Mudam-se os personagens, mas o ENREDO é e será sempre o mesmo, até o final dos séculos. A história de nossa republiqueta tem sido e será sempre pródiga em paradoxos. Paradoxo como o de atacar as Instituições que os sustentam, quando se sentem ameaçados.
Parafraseando a letra eternizada do Samba “VAI PASSAR”, de Chico Buarque: “A nossa pátria mãe tão distraída nem percebe que está sendo subtraída em tenebrosas transações”
Não há como não gemer lendo seu ensaio.
Mas a minha esperança é que ainda existem aqueles que não se contaminaram com o manjar do rei. Enquanto eles existirem haverá forças para os que estão sucumbindo.
O Messias voltará! Desta vez para estabelecer o seu Reino de justiça.
Parabéns Levi, você é humano, sensível.
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