A História conta que no papiro de
Leiden (século III) foi encontrada a inscrição: “O
Universo nasceu de uma enorme gargalhada”. Mas, quatro séculos
antes de Cristo, os sábios gregos já tinham o riso como
centro de suas atenções. “Aqueles que não fazem
brincadeiras e não suportam os que as fazem são, tudo indica,
rústicos e rabugentos” ─
diziam eles. É do filósofo Aristóteles (322 a.C) a célebre
frase,“O Homem é o único animal que ri” [História
do Riso e do Escárnio ─
de Georges Minois]
O certo é que foram os gregos (e
não podia ser outro povo) que acabaram por transferir seus
sentimentos e afetos para o âmbito do sagrado. O brincar com
as palavras adquiriu uma aura divina, e pôs Deus como o autor do
primeiro riso. Daí então ele se tornou inextinguível.
Existe até um prólogo helenizado do Gêneses bíblico:
“Tendo
Deus rido, nasceram os sete deuses que governam o mundo… Quando Ele
gargalhou fez-se a luz… Ele gargalhou pela segunda vez: tudo era
água. Na terceira gargalhada, apareceu Hermes; na quarta, a geração;
na quinta, o destino; na sexta, o tempo. Depois, pouco antes do
sétimo riso, Deus inspira profundamente, mas Ele ri tanto que
chora, e de suas lágrima nascem a alma”. [
História
do Riso e do Escárnio ‒
Georges Minois ]
Mas deixando de lado o campo
mitológico-poético, afinal, de que rimos nas piadas?
Freud, que se debruçou
intensamente sobre esse tema, no seu livro “Os
Chistes
e sua Relação com o Inconsciente”, definiu os humoristas
como “aqueles que captam a fragilidade do homem, seus conflitos,
sua finitude, sua dor e seu sofrimento, cravam as unhas no mal-estar,
desviam do interdito e dali saem com um dito espirituoso que os faz
rir de si mesmos, ou do outro e faz o outro rir. São eles que
revelam nossas contradições, nossas falhas, nossas imperfeições.
Através do humor, todo poder constituído é gozado, as teorias
perdem sua pomposidade, as religiões, as ideologias mostram sua face
frágil e nua”.
O velho e mundialmente conhecido
ditado, “Rir é o melhor remédio”, por si só, já resume
bem o efeito terapêutico proporcionado pelo riso. Quando o sujeito
rir realiza uma catarse. Na piada, o álibi carrega uma verdade do
sujeito que, de outra forma, não viria à tona. Fica aí claro que,
quem conta a piada pesca no ouvinte algo já existente em seu próprio
subconsciente.
Por ofender nossos valores morais,
políticos e religiosos ‒ a
anedota ‒, é considerada
politicamente incorreta. O psicanalista Renato Mezan, em seu
livro, “Estudos
de História da Psicanálise”, diz que rimos até de nossa
própria mãe. Para evidenciar esse fato, o autor supra-citado narra
a seguinte piada:
O
vovô propõe que, antes de comer, todos façam uma oração. “Eu
não vou fazer oração nenhuma”, diz o Jacozinho. A mãe
o repreende: “Mas como? Na nossa casa, sempre rezamos antes das
refeições. Por que não na casa da vovó?”. E o menino: “Por
que ela sabe cozinhar!”.
Rimos ao nos identificar com o
Jacozinho, sinal de que, lá no fundo, alguma queixa ou
reclamação temos contra a nossa mãe. “Na identificação
acolhemos um pensamento que, sem o admitir, já abrigávamos em nossa
mente ‒ e
o riso manifesta o alívio por poder fazer isso sem culpa”.
Da grande coleção de anedotas
judaicas tiradas da história da psicanálise, Renato Mezan
nos brinda ainda com uma primorosa, onde o um dos dogmas centrais do
cristianismo é posto em cheque de modo engenhosamente provocante.
Por ser uma piada globalizante, talvez, quem sabe, dela rirá tanto o
ateu, quanto o judeu, o cristão e o pagão:
Dizem
que um cidadão levou toda a família para conhecer Jerusalém:
Esposa, filhos, a babá – e
a sogra. No segundo dia da visita, a senhora tem um mal súbito, e
parte desta para melhor. Muito embaraçado, o homem vai até uma
agência funerária, onde o encarregado lhe diz que tem duas opções:
enterrar a falecida lá mesmo, o que custaria 5 mil dólares, ou
repatriar o corpo, o que sairia por 25 mil dólares. Depois de pensar
um pouco, ele escolhe a segunda opção. Um tanto espantado o
funcionário pergunta por que o cliente prefere gastar cinco vezes
mais para resolver o seu problema. Resposta: “porque aqui já
houve um caso de ressurreição”.
A piada é transgressora na
medida que toca o pólo “negativo” de nossa ambivalência que
normalmente relutamos para que não apareça perante os outros. Ela
evidencia, acima de tudo, o nosso lado “anti”. Damos
gargalhadas de nós mesmos, ou seja, rimos do nosso lado
anti-católico, antipuritano, anti-nobre, antissocial, anti-deísta,
antidemocrático, etc, exposto de forma desconcertante pelo humorista
em seus “fictícios” personagens. Poderíamos até dizer que a
piada expõe o nosso próprio pré-conceito inconscientemente
internalizado. Rimos até do ridículo humano, tão humanamente
exposto em situações constrangedoras. O gracejo tem o poder de
suspender a nossa inibição sobre determinados aspectos ocultos em
nossa personalidade, deixando-nos livres para rir do ridículo que há
em nós. Quando o hilário, que socialmente nos é negado, aparece no
outro (personagem central do gracejo), somos levados à irresistíveis
risadas. Em suma, rimos de uma piada porque ela viola o que
culturalmente foi instituído como um “bem moral”. “Quando
a piada é entendida a inibição que pesa sobre determinadas ideias
passa a ser supérflua ‒
o inconsciente se torna consciente” (Renato
Mezan)
Piadas ofensivas e ditos jocosos
envolvendo autoridades políticas que perderam sua credibilidade são
compartilhadas entre amigos nas redes sociais com o intuito de
provocar riso. É no mundo virtual que a união das gargalhadas de
muitos dos internautas se tornam uma demonstração de força. O meio
cibernético favorece a disseminação de todo tipo de piada. Sem o
temor de ser retaliado, o indivíduo nesse ambiente, experimenta e
até abusa do prazer de trucidar o adversário através do riso.
O riso também tem seus insondáveis
mistérios. Conta-se que certo pregador, após cumprir o dever
religioso, notou que a plateia permanecia silenciosa e triste. Como
era um dia de domingo, onde cairiam bem a folga e o riso, dirigiu-se
aos fiéis de forma espirituosa:
“Desperte o dom de fazer rir
que há em você. Olhe para seu irmão aí do seu lado e conte-lhe
uma piada bem engraçada!”
Não demorou muito para o poder
do riso tomar a todos. E riram-se deles mesmos, como nunca antes
haviam rido.
Por
Levi B. Santos
4 comentários:
Muito bom, Levi.
"Poderíamos até dizer que a piada expõe o nosso próprio pré-conceito inconscientemente internalizado."
Sem dúvida, nas piadas contra gordo, magros, petistas, tucanos, negros, judeus, evangélicos, demonstramos de forma mais "lúdica" (??) os nossos preconceitos. Dá pra ser de outro jeito? A onda politicamente correta quer abolir toda a forma de humor contra "minorias". Mas então a piada contra a "maioria dominante" deve continuar valendo? Há diferenças do ponto de vista psicológico?
O humor é um a arma poderosa, logo, quem faz uma piada está exercendo uma forma de PODER. O problema é que o “politicamente correto”, puxando brasas para sua sardinha, quer poque quer regular o humor em nome de uma suposta função social, seguindo a máxima de que se deve rir do opressor, mas nunca do oprimido. O “politicamente correto” quer o impossível – , quer no fundo estabelecer ditatorialmente o “rir da coisa certa”. Rir da coisa certa não tem graça alguma.
O que devemos entender é que no mais das vezes, o oprimido se confunde com o ressentido. O personagem ressentido, tem prazer em ficar no papel de vítima, até porque o público ama e se identifica com ele. O ressentido, normalmente é aquele que não vai à luta, e que adora a passividade, preferindo acusar o outro de ser culpado por suas próprias fraquezas e mazelas.
Interessante é que quando o oprimido/ressentido chega ao PODER, o seu lado opressor adormecido passa a atuar, e ele nem se percebe que passou de oprimido a opressor. (rsrs)
O que poderemos concluir, senão que todos nós somos portadores dessa ambivalência? Como dizia Gregório Duvivier: “Nem sempre o opressor é aquele que porta o fuzil”
Na verdade, opressor e o oprimido que habita em nós vive constantemente trocando de lado conforme as circunstâncias. (rsrs)
Bem, Eduardo, acho que divaguei muito e não sei se o que falei aqui tem alguma ligação com o que você exprimiu como “Maioria Dominante”. (rsrsrs)
Parabéns pelo excelente texto, Levi!
Às vezes chego a imaginar que, quando chegarmos no lado de lá da vida (lugar que a nossa tradição cristã chama de "céu"), daremos boas gargalhadas..
Entrando no debate, eu diria que zombar das minorias oprimidas não tem lugar. É algo que não cola. Muito mal consegue se enquadrar numa categoria mais "leve" de humor. E, neste caso, é preciso que o grupo ou pessoa alvo já tenha adquirido um mínimo de poder. Por exemplo, é aceitável alguém fazer piadas com os beneficiários do Bolsa Família, mas não cai nada bem em relação aos mortos numa tragédia. Neste caso, a reincidência vai ocorrer com muito menos frequência.
Mas já que falei do Bolsa Família, programa assistencial que admiro muito e defendo, não custa compartilhar uma piada a respeito. Afinal, sempre tem quem abuse do apoio do Estado, não é mesmo?
"EFEITOS COLATERAIS DO BOLSA FAMÍLIA"
Um homem tinha quatro filhos .
O Governo anunciou que as famílias que tivessem cinco filhos teriam mais R$1.500 por mês, de ajuda (Bolsa Família).
O homem disse à sua esposa imediatamente:
- Amor, eu devo admitir; eu tenho um filho com minha amante e eu vou trazê-lo para nós.
Ela olhou para ele, chocada, mas ele não podia esperar e saiu correndo para ir buscar o filho bastardo.
Quando voltou, ficou surpreso ao ver apenas dois de seus filhos e perguntou à sua esposa:
- Querida, onde estão nossos outros dois filhos? Ela respondeu:
- Você não foi a única pessoa que ouviu o anúncio...O pai deles veio buscá-los.
Piada muito engenhosa, Rodrigão.
Não há como fugir do óbvio: de que a piada, de um modo geral, é transgressora. Como seres transgressores, rimos de nós mesmos. O pólo “negativo”, transgressor, e aparentemente oculto de nossa ambivalência é o que nos induz ao riso.
Para adquirir um benefício ( pode ser o bolsa família ou qualquer outro) revela-se até segredos escondidos a sete chaves(rsrs). Na piada, as falas risíveis do pai e da mãe de família revelam, acima de tudo, o lado ridículo do humano.
E o gracejo, como muitos outros, também tem seu lado pedagógico ou moral que, neste caso, poderia assim ser expresso: “ Cuidado: a Infidelidade conjugal, pode atrapalhar seus planos de obter incentivos do Bolsa Família!” (rsrs)
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