“O
Narcisismo das Pequenas Diferenças” foi um conceito formulado
por Freud, para ressaltar o sentimento angustiante que
toma o ser humano quando se relaciona com um ser que lhe é
completamente diferente. Narciso, personagem mítico da
Grécia antiga, encantado com sua imagem refletida em um lago,
afoga-se ao tentar abraçá-la e beijá-la. A história de Narciso,
como metáfora, nos revela, acima de tudo, “o quanto os homens são,
por natureza, incapazes de amar aquilo que não reflete sua própria
imagem”. Tudo que de nós difere é percebido como uma ameaça.
Parece mais um instinto de defesa sermos avassalados pelo desejo de
uniformização. O heterogêneo ameaça a homogeneidade de nossa
família, de nosso grupo, de nossa cultura. Na nossa formação
psíquica, desde a mais tenra idade, o que mais aprendemos foi
recalcar aquilo que, na concepção dos nossos pais, pastores e
mestres, não nos dizia respeito.
O
cantor e compositor da MPB, Caetano Veloso, em sua
antológica canção SAMPA, descreve de forma poética o seu
narcisismo. A música, retrata a sua estranheza com a megametrópole
Paulista que, a primeira vista, não espelhava a sua velha São
Salvador na Bahia. O choque que sentiu ao entrar em contato com a
desconhecida e ameaçadora, São Paulo, o fez exprimir-se dessa
forma:
É
que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi/ Da dura
poesia concreta de tuas esquinas/ Da deselegância de
tuas meninas/ Quando eu encarei frente a frente não viu o me rosto/
Chamei de mau gosto o que vi/ De mau gosto mau gosto/ É
que Narciso acha feio o que não é
espelho.”
Reza
a mitologia grega que, Liríope, mãe de Narciso,
nutria por ele uma grandiosa expectativa. O filho idealizado,
belo e perfeito enchia de prazer o os olhos de Liríope
que, por se desconhecer interiormente não podia reconhecer a
realidade interna de Narciso. Em menor grau ou maior
grau, temos todos um Narciso que, de forma
inconsciente, nos foi legado por nossos ancestrais.
Lembro
que ainda bem pequeno quando saía de casa para brincar com os outros
coleguinhas de rua, minha mãe falava enfaticamente: “Não se
junte com os moleques de rua!”. O que verdadeiramente, lá no
seu íntimo, sentia ao dar-me esse conselho? No seu dizer, que também
era o de outras mães do mundo religioso de então, queria
resguardar-me do mundo. Numa análise mais profunda, o desejo
ancestral que lhe consumia, era o de não perder a imagem que no
filho construíra para si. A imagem que tinha dos mirins
marginalizados funcionava como uma espécie de ameaça a sua
identidade e, por tabela, a do filho. Os outros, os deserdados dos
caminhos do Senhor (os popularmente cognominados “camumbembes”),
ameaçavam o filho criado e educado na igreja, a imagem e semelhança
dos pais. Que se entenda: naquele tempo havia um rígido muro
subjetivo que separava os “convertidos” dos “incrédulos”,
cujos pais, rebeldes não comungavam da mesma fé —, tempo em que o
narcisismo religioso corria mais solto.
Pena
que naquela época ainda não sabíamos traduzir a metáfora bíblica
do livro de Gênesis: “Não farás imagens
para ti”. Como disse certa vez, o psicanalista de alma
judaica, Jacques Lacan, sobre a proibição bíblica de
se forjar o Deus das imagens: “Se esta proibição tem
um sentido, é o de que as imagens são enganadoras”.
No
imaginário céu das ideias e
dos
contos d'além em que flutuamos há
muito o que se decifrar pelo avesso daquilo que se tem como
real.
É preciso refletir sobre o que há de latente nas entrelinhas dos
nossos “ditos”, para entender por que muito dos nossos recalques
são projetados naquele que difere de nós. Parafraseando Caetano
Veloso:
achamos feio aquilo que não é nosso espelho. Não é à toa que se
diz: “ele
é o bode expiatório da família!” ―,
esse
OUTRO ameaçador
tão
bem simbolizado na personagem “Geni”
da
cantada e decantada música ―
“Geni
e o Zepelim”
―,
do grande expoente da MPB, Chico
Buarque de
Hollanda.
Por
Levi B. Santos
Guarabira,
28 de janeiro de 2016
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da Imagem: partes.com.br/narciso-atualizado