Um
verso que postei aqui no “Ensaios&Prosas” em novembro
de 2010, sob o título “Negar Para Não Sofrer”(Vide
Link), revela o quanto é doloroso expor o nosso malfeito
diante de uma autoridade. Lembro de que no meu tempo de menino, para
não sofrer o castigo merecido, faltei com a verdade a quem
principalmente, nos meus primeiros passos, tinha me dado lição de
ética: o não mentir estava acima de tudo. Fui vítima de um
auto-engano, ao pensar que escondendo o malfeito, estaria livre do
castigo paterno. Dizem que a mentira tem pernas curtas. Isto
significa que mais cedo ou mais tarde a correnteza do translúcido
rio da vida (que é mais célere), a alcança e a desnuda.
“Venha
cá seu cabra, por que mentiu para mim? Sei todo o porquê da sua
nota baixa em comportamento, do mês passado!”
― exclamou meu pai, tomado
de raiva. Após a surra, passei a carregar outro fardo, talvez mais
pesado que o castigo físico: o sentimento de angústia por
tê-lo enganado. Eu pensava que ele
jamais iría saber dos meus escapismos ―,
pois era minha mãe quem olhava minhas notas e, de certa forma, me
protegia dos severos olhos paternos. Como um rei que acabara de ser
expulso do trono, imaginava que dali para frente meu pai ficaria de
orelha em pé quanto a tudo que viesse um dia lhe responder.
É
sobre a desculpa tão corrente nos dias atuais do “Eu Não
Sabia”, que o psicanalista Jacques Lacan, em seu
longo seminário sobre “Angústia”, deixa algo emblemático
para o nosso tempo, tempo de corrupção endêmica, onde rastros do
malfeito estão por toda parte, sem que se enxergue neles o sujeito
principal da ação.
Eis
a lógica lacaniana sobre a desculpa esfarrapada do defensivo e
repulsivo “Eu não sabia”: “Não é propriedade
unicamente do homem apagar vestígios, operar com vestígios. Vemos
animais apagarem seus rastros. Vemos até comportamentos complexos,
que consistem em enterrar um certo número de vestígios, de dejetos,
por exemplo ―
o que é muito conhecido entre os gatos[…]. O 'Ele
Não Sabia' enraíza-se num elo: 'Ele Não Deve
saber'. O Significante, decerto, revela o sujeito, mas
apagando seu traço”.[..] Quando o traço é feito para ser
tomado por um falso traço, sabemos que há um sujeito falante,
sabemos que há aí um sujeito como causa”. Em
outras palavras, aquele
que se desculpa com um
“Eu não sabia”,
em sua essência,
está simplesmente exercendo
um mecanismo de defesa psíquico. O avesso ou sentido latente(“ele não deve saber”),
representa a real intenção, que é a de esconder do outro
a história de sua farsa.
Mas
os antropólogos dizem que o ser humano é por natureza, escapista. O
historiador Theodore Zeldin, sobre “a arte de
fugir dos problemas, mas não a arte de saber para onde fugir”,
em sua antológica obra, “Uma História Íntima da Humanidade”,
disse: “Os melhores escapistas são os artistas, que se abstraem
da realidade da vida diária e dos constrangimentos da hierarquia”.
Mas aqui, Theodore,
faz um contraponto maravilhoso:
“Ser artista significa estar empenhado em descobrir maneira de
tornar essa ansiedade frutífera e bela”.
Voltemos
então a Lacan, quando no seminário de número 10,
frente a seus discípulos, tratava daquilo que não engana na
angústia:
“O
que esperamos, afinal de contas, e que é a verdadeira substância da
angústia, é 'o aquilo que não engana' ―,
o que está fora da dúvida”.
Por
Levi B. Santos
Guarabira,
05 de fevereiro de 2016
4 comentários:
Boa noite, Levi
Não discordo desa tendência "escapista" do ser humano e que muitas vezes é doloroso dizer a verdade ou assumirmos diante de todos os nossos erros, desejos, intenções, pensamentos, sentimentos, etc...
Mas, pensando nos males causados pela angústia cada vez mais crescente em se manter uma mentira, considero mais proveitoso alguém tentar viver conforme a verdade. Mesmo sofrendo a violência imediata do que se auto-violentando.
Contar a verdade alivia, ajuda a estabelecer relações transparentes e agrada às pessoas. Eu mesmo, por exemplo, prefiro que minha esposa Núbia conte-me sempre a verdade do que mentir ou esconder um erro.
Acredito que, se conseguirmos formar um ambiente social de tolerância e de compreensão, menores serão as necessidades de alguém mentir, não concorda?
Abraços e bom feriado!
É Rodrigo, a mentira tem as pernas curtas. Às vezes, uma coisa mal engendrada que se fez lá atrás, e aquele que cometeu o mal feito pensa não ter deixado rastros, quando menos se espera a coisa escondida, vem à tona. Aí o mecanismo de negar para não sofrer, diante de uma autoridade e perante o público, já não tem mais serventia. Quando o juiz ou investigador encontra as pegadas caraterísticas do sujeito autor do malfeito, quanto mais se nega ou se inventa arrodeios mais intensa será a angústia.
Como diz Lacan, no final do texto postado:
“a verdadeira substância da angústia, é o aquilo que não engana, o que está fora da dúvida”, - representada pelos rastros ou vestígios mal apagados que se deixou, imaginando que o tempo inutilizaria por completo.
Já que você falou no nosso ambiente social. Vejo mostras de que certas formas de “escapismos” parecem estar com seus dias contados. (rsrs)
Boa tarde, Levi.
Acho que, em seu último parágrafo, referiu-se aos desdobramentos da operação Lava Jato (rsrsrs)
E não demora muito, o Lula pode acabar sendo pego!
Mas será que esse escapismo dos nossos representantes terminará algum dia com a classe política tomando jeito, tendo em vista tanta vigilância da sociedade ultimamente?!
Ou Rodrigão:
E se através de um profunda relflexão chegássemos a constatação de que toda a classe política, de certa forma, reflete o nosso sutil micromundo (individual e familiar) onde em toda a teia de relacionamntos interpessoais se encontra o egoísmo como centro?
Um psicólogo, que agora não me vem seu nome na memória, disse: "Estamos no mundo não como passivos rreceptores de dados, mas como ávidos criadores" (rsrs)
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