16 fevereiro 2016

Zygmunt Bauman e o Crescimento Vertiginoso do Fundamentalismo





Por que, mesmo em plena Era da Pós Modernidade, o Fundamentalismo Religioso não para de crescer?
Sob o lema de converter o mundo do mal caminho, os grupos religiosos avançam, como nunca, suas garras sobre uma humanidade em crise. Nas Américas, no mundo muçulmano, o fundamentalismo vem crescendo de forma vertiginosa. É bom, ressaltar aqui, que o fundamentalismo também cresce nas hostes judaicas, hindús e budistas.

De nada vai adiantar tentar alguma espécie de diálogo com os fundamentalistas. Como diz o ditado popular: é o mesmo que “chover no molhado”. Eles vão sempre ver nesse recurso interativo uma ameaça às suas inamovíveis certezas.

Como se sabe, é em época de crise e de mal estar globalizado como a que o mundo experimenta por ora, que o fundamentalismo toma as rédeas para se disseminar em progressão geométrica. Já que estamos como que vivendo o “Retorno do Patriarca à Moda Antiga”, seria bom que nos debruçássemos sobre o capítulo “De Volta para o Futuro”, do livro, O Mal Estar da Pos-Modernidade de Zygmunt Bauman. Esse sociólogo polonês, cujas obras estão em evidência no mundo inteiro, brilhantemente, e de modo lúcido, explica as causas mais profundas desse fenômeno tão presente nos dias atuais. Indo mais além da onda de misticismo, diz ele:

Sugiro que a ascensão de uma forma religiosamente vestida de fundamentalismo não é um soluço de anseios místicos há muito ostensivamente afugentados mas não plenamente reprimidos, nem uma manifestação da eterna irracionalidade humana imune a todos os esforços de cura e domesticação, nem uma forma de fuga de volta ao passado pré-moderno. O Fundamentalismo é um fenômeno inteiramente contemporâneo e pós-moderno, que adota totalmente as “reformas racionalizadoras” e os desenvolvimentos tecnológicos da modernidade, tentando não tanto “fazer recuar” os desvios modernos quanto “os ter e devorar ao mesmo tempo” tornar possível um pleno aproveitamento das atrações modernas, sem pagar o preço que elas exigem. O preço em questão é a agonia do indivíduo condenado à auto-suficiência, à autoconfiança e à vida de uma escolha nunca plenamente fidedigna e satisfatória.

Em Vida para Consumo, Bauman mostra como a sociedade pós moderna atingiu os píncaros do consumismo, “com os indivíduos se tornando, ao mesmo tempo, promotores de mercadorias e também as próprias mercadorias.”

O fundamental da religião pós-moderna passa pela transmutação de Deus em “coisa divina”(ou "produto divino"): aquilo que satisfaz a necessidade imperiosa e momentânea do indivíduo. Tal qual um fast food, depois de ingerido e saciado o estômago, é rapidamente esquecido. Lá dentro das vísceras o alimento supostamente divino, depois de ser digerido e posto para fora sob a forma de dejetos, irá dar lugar a uma nova sensação de “vazio”. Para diminuir a ansiedade que esse vazio provoca, novos e coloridos pratos de conteúdos duvidosos estimularão a gula dos olhos, num círculo vicioso sem fim. A “vida metafísica” nunca imitou tanto os modos alimentares que regem a vida física ou biológica da pós-modernidade.

Ao fundamentalismo religioso se juntam outros tipos de fundamentalismos. Por exemplo: Nos EUA, há inteligentes e astuciosas alianças dentro do partido republicano que, a primeira vista, parecem absurdas, mas olhando bem, do ponto de vista econômico e político, não são: O fundamentalismo religioso cresce como nunca, na esteira de interesseiras, duradouras, e poderosas alianças engendradas com os fundamentalistas do mercado. Quem não se lembra da Guerra do Bem contra o Mal (que movimentou sobremodo a indústria bélica) difundida pelo fundamentalista George W. Bush, que deu início a caçada de Saddan Hussein (“Satã”) no Iraque?
Não é à toa que pesquisas recentes dão o pré-candidato a presidente dos EUA pelo partido republicano, o bilionário Donald Trump, como o preferido dos evangélicos(Vide Link). O moinho do deus dos exércitos do partido republicano não aceita mistura, nem tolera inimigos em seu bojo. Trump, o profeta fanfarrão, já encetou a bandeira da “grande cruzada contra o mal”: disse, em um discurso, que todos os muçulmanos devem ser imediatamente impedidos de entrar nos EUA (Vide Link).

Até o Papa Francisco mexeu na velha ferida fundamentalista americana, quando em um discurso recente (setembro de 2015) no Parlamento dos EUA, pediu vigilância contra todos os tipos de fundamentalismos (Vide Link):

Sabemos que nenhuma religião está imune a formas de delírios individuais ou extremismo ideológico. Isso significa que devemos ficar especialmente atentos a qualquer tipo de fundamentalismo, seja religioso ou de qualquer outro tipo” afirmou o papa, não esquecendo, o passado extremamente fundamentalista dos primórdios de sua igreja.

É sobre a “Religião Pós-Moderna em Zigmunt Baumann” que Marcelo do Nascimento Melchior, filósofo, mestre em Comunicação pela UFG e mestre em Educação pela Universidade Católica Dom Bosco, nos traz um perfeito retrato do fenômeno religioso que vem atraindo cada vez mais adeptos, através de programas apelativos reproduzidos incessantemente na imprensa, televisão e internet:

Na verdade, o que existe é a formação do “coquetel religioso”. O homem pós-moderno vive a religião “à la carte”, de tipo “self-service”, numa mistura de vários aspectos que mais interessam e satisfazem as exigências e necessidades momentâneas. Na busca de sentido da vida, cria-se o deus e a religião pessoal: “Jesus Cristo sim, igreja não”. O “boom” religioso revela isto: seitas, cultos, esoterismos, filosofias orientais, yoga, etc., num verdadeiro “misticismo difuso e eclético”, onde se vive a preferência religiosa e o “suave consumismo religioso”. A razão disso se encontra também no fato de o sagrado ter se libertado do domínio da religião, isso é, qualquer pessoa pode atribuir-se o título de “bispo”, missionário, e oferecer serviço religioso como qualquer serviço de tele-entrega rápida e soluções milagrosas.”

Os seguidores desse credo fundamentalista estão convencidos de que todos os caminhos da redenção, da salvação, da graça divina e secular e da felicidade (tanto imediata quanto a eterna) passam pelas lojas” escreveu Zygmunt Bauman no prefácio à edição de sua obra Modernidade Líquida.

O certo é que as igrejas em evidência na televisão, transformadas em grupos empresariais, especializaram-se em tirar proveito do medo e da sensação de insegurança da população frente a um mundo hostil, mecanizado e imprevisível. Esses “mercados divinos” seguem a tônica da Mídia Empresarial Religiosa, e são formados por profissionais gabaritados em marketing, comunicação, contabilidade e propaganda. Segundo a “Revista de Estudos da Religião”, essas empresas gospel não se interessam tanto por proselitismo, visando mais a audiência e venda de produtos, como camisetas, cds, dvds, livros, passagens aéreas, cursos bíblicos on line, etc. Todas são burocratizadas de acordo com a lei da oferta e da procura que rege o mercado, procurando sempre minimizar os gastos e maximizar os resultados, para poder crescer como qualquer empresa comercial pujante e bem gerenciada.

Aqui entre nós, uma amostra do poderoso marketing religioso da atualidade foi o lançamento do filme “Os Dez Mandamentos” nas salas cinemas de todo o país, produzido pelo Bispo da Universal do Reino de Deus. A majestosa e intensamente propagandeada película, levou o filósofo e professor de Ciências da Religião da PUC – SP, Luiz Felipe Pondé, a escrever um genial ensaio em sua coluna na Folha de São Paulo (04/02/2016), sob o título 'Os Dez Mandamentos' no Cinema Vale por 'Mil Missas', do qual replico abaixo esse imperdível trecho:

E num mundo gigantesco e competitivo como o nosso, permeado por mídias sociais e interatividade, com um mercado agressivo e em expansão de produtos religiosos, o futuro da commodity Deus está na comunicação. O mercado da mídia é o meio ambiente que definirá o futuro das religiões e das espiritualidades no século XXI. Esse filme vale mais que mil missas.”

Nunca na história da humanidade os fundamentalistas de mercado e religioso expuseram, de forma tão aberta e banal, suas infalíveis fórmulas. Sob o sedutor lema aqui você pode ser feliz e ter sucesso” , não cessam de provocar e canalizar desejos humanos para sua globalizante seara.



Por Levi B. Santos
Guarabira, 16 de fevereiro de 2016



Site da Imagem: nosevangelizamos.blogspot.com

6 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Boa noite, Levi.

Se pensarmos conforme Marx, a "infraestrutura" do sistema é que influência a "superestrutura".

Embora não seja correta a absolutização dos conceitos marxistas, o que o velho filósofo alemão se aplica ao tema em estudo que brilhantemente abordou. Pois, vivendo nós numa sociedade de consumo, verifica-se uma projeção sobre a religião. Seria a economia influenciando a cultura, inclusive a religiosa.

O que acha?

Levi B. Santos disse...

Caro Rodrigão


Parafraseando o prólogo grego do evangelho atribuído a João, eu diria que “ o Deus-Mercado (super-estrutura arquetípica de nossa psique) se fez carne e veio habitar nesse mundão nosso”.

Somos peças da engrenagem dessa mega máquina pós-moderna. Aliás, a religião dita cristã, ofereceu os fundamentos para um incipiente “Deus-Mercado” quando, lá atrás com Constantino (para muitos, o real fundador do cristianismo de resultados), vendeu-se (como mercadoria) ao poder político e econômico da época.

A utopia marxista, por sinal muito bem elaborada, foi um sonho bem sonhado, mas impossível de ser praticado, principalmente agora, na “modernidade líquida atual”, de que trata Zygmunt Bauman. Aliás, esse admirável sociologista polaco, em uma entrevista recente, disse que seu flerte com Marx terminou muito cedo.(rsrs). Disse também que o mundo pós-moderno se constitui num imenso obstáculo para a recepção e manutenção da mensagem ética de Marx. Para ele, “o postulado de Marx permanece como uma dor aguda na consciência, por uma sociedade justa”.

A velocidade com que “coisas novas” estimuladoras de necessidades e desejos são lançadas no mercado, agora extremamente tecnológico onde tudo que é produzido é descartado com rapidez, nos impede de pensar e buscar outras alternativas.

O jeito é seguir o refrão do samba de Zeca Pagodinho “Deixa a Vida me Levar (Vida Leva Eu)” (rsrs)

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Bom dia, Levi.

Enquanto minha esposa prepara o café, vou lhe respondendo. (rsrsrs)

Interessante essa ideia do "deus-mercado" pois, se pensarmos bem, a economia de mercado é uma realidade. Não que eu a defenda, mas é algo que ocorre e se desenvolve pelas necessidades humanas. Porém, toda essa euforia ou direcionamento das pessoas para o consumismo acaba se tornando mesmo uma extrapolação e que beira a artificialidade já que nem todos os desejos de aquisição refletem nossas verdadeiras necessidades.

Sobre a aplicação literal da utopia marxista, concordo quanto à sua inviabilidade. Marx hoje tem sido relido e reinterpretado. Deus ideais torna-se mais princípios inspiradores e motivadores pela luta por justiça social, o que o torna proveitoso. Seria a grosso modo fazer de textos sagrados uma motivação de atuação política a exemplo dos padres da Teologia da Libertação.

Gabriel Correia disse...

Levi, Rodrigo, toda essa questão me seria indiferente não fosse o fundamentalismo em ultima instancia um desejo de covardia.
Essa ascensão do fanatismo(ainda não tanto fundamentalismo) é declínio do Homem!

Tenho uma observação muito própria de que o homem vem ascendendo como tal desde as cavernas até o fim dos duelos acertados. Não por acaso a figura do homem e da mulher ocidentais dessa época pareciam um ápice de refinamento e coragem nos modos e ideais. A partir dai pode-se notar um relaxamento das atitudes, até se perceber um declínio destes modos. E já que tudo começou na brutalidade, é dela que estamos nos reaproximando, passando pelo fundamentalismo até o completo retorno a barbárie. Ilustrado nos apocalípticos Mad Max 1,2,3 e remake!

Levi B. Santos disse...


Já que você falou em “desejo de covardia”, Gabriel, eu diria que o homem da pós-modernidade, rendeu-se por completo à covardia do desejo compulsivo da “felicidade” instantânea oferecida pelo mercado.

Esse homem deslocado, dependente e desplumado, agora, considera um desvio pecaminoso e passível de punição a recusa em ficar a margem da sociedade de consumo, como bem fez ver Zygmunt Bauman em sua obra ― “Vida para Consumo”.

Faço minha a angustiante pergunta de Saulo de Tarso sobre um desejo que não lhe largava: “Quem me livrará do corpo dessa morte? (rsrs)

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Olá, amigos.

Eu apostaria numa qualificação educacional para o homem poder retomar a sua evolução social e acompanhar o desenvolvimento tecnológico. Chegamos a uma crise ética e a sobrevivência da espécie depende do aprendizado da auto-conducao. Inclusive das emoções e quanto ao consumismo. Triste saber que em muitas seitas fundamentalistas, há uma deseducacao no controle das emoções e da vontade muitas vezes configurando uma assediosa violência capaz de engessar consciências ao invés de libertá-las.