Por
que, mesmo em plena Era da Pós Modernidade, o Fundamentalismo
Religioso não para de crescer?
Sob
o lema de converter o mundo do mal caminho, os grupos religiosos
avançam, como nunca, suas garras sobre uma humanidade em crise. Nas
Américas, no mundo muçulmano, o fundamentalismo vem crescendo de
forma vertiginosa. É bom, ressaltar aqui, que o fundamentalismo
também cresce nas hostes judaicas, hindús e budistas.
De
nada vai adiantar tentar alguma espécie de diálogo com os
fundamentalistas. Como diz o ditado popular: é o mesmo que “chover
no molhado”. Eles vão sempre ver nesse recurso interativo uma
ameaça às suas inamovíveis certezas.
Como
se sabe, é em época de crise e de mal estar globalizado como a que
o mundo experimenta por ora, que o fundamentalismo toma as rédeas
para se disseminar em progressão geométrica. Já que estamos como
que vivendo o “Retorno do Patriarca à Moda Antiga”, seria bom
que nos debruçássemos sobre o capítulo “De Volta para o
Futuro”, do livro, “O
Mal
Estar da
Pos-Modernidade”
de Zygmunt Bauman. Esse
sociólogo polonês, cujas obras estão em evidência no mundo
inteiro, brilhantemente, e de modo lúcido, explica as causas mais
profundas desse fenômeno tão presente nos dias atuais. Indo mais
além da onda de misticismo, diz ele:
Sugiro
que a ascensão de uma forma religiosamente vestida de
fundamentalismo não é um soluço de anseios místicos há muito
ostensivamente afugentados mas não plenamente reprimidos, nem uma
manifestação da eterna irracionalidade humana imune a todos os
esforços de cura e domesticação, nem uma forma de fuga de volta ao
passado pré-moderno. O Fundamentalismo é um fenômeno inteiramente
contemporâneo e pós-moderno, que adota totalmente as “reformas
racionalizadoras” e os desenvolvimentos tecnológicos da
modernidade, tentando não tanto “fazer recuar” os desvios
modernos quanto “os ter e devorar ao mesmo tempo” ―
tornar possível um pleno aproveitamento das atrações modernas,
sem pagar o preço que elas exigem. O preço em questão é a agonia
do indivíduo condenado à auto-suficiência, à autoconfiança e à
vida de uma escolha nunca plenamente fidedigna e satisfatória.
Em
“Vida
para Consumo”,
Bauman mostra como a sociedade pós moderna atingiu os
píncaros do consumismo, “com os indivíduos se tornando, ao mesmo
tempo, promotores de mercadorias e também as próprias mercadorias.”
O
fundamental da religião pós-moderna passa pela transmutação de
Deus em “coisa divina”(ou "produto divino"): aquilo que satisfaz a necessidade imperiosa e momentânea do
indivíduo. Tal qual um
fast food, depois de ingerido e saciado o estômago, é rapidamente esquecido. Lá dentro das vísceras o
alimento supostamente divino, depois de ser digerido e posto para
fora sob a forma de dejetos, irá dar lugar a uma nova sensação de “vazio”. Para diminuir a ansiedade que esse vazio provoca, novos e coloridos pratos de conteúdos duvidosos estimularão a gula dos olhos, num círculo vicioso
sem fim. A “vida metafísica” nunca imitou tanto os modos alimentares que regem a vida física
ou biológica da pós-modernidade.
Ao
fundamentalismo religioso se juntam outros tipos de fundamentalismos.
Por exemplo: Nos EUA, há inteligentes e astuciosas alianças dentro
do partido republicano que, a primeira vista, parecem absurdas, mas
olhando bem, do ponto de vista econômico e político, não são: O
fundamentalismo religioso cresce como nunca, na esteira de
interesseiras, duradouras, e poderosas alianças engendradas com os
fundamentalistas do mercado. Quem não se lembra da Guerra do Bem
contra o Mal (que movimentou sobremodo a indústria bélica)
difundida pelo fundamentalista George W. Bush, que deu
início a caçada de Saddan Hussein
(“Satã”) no Iraque?
Não
é à toa que pesquisas recentes dão o pré-candidato a presidente
dos EUA pelo partido republicano, o bilionário Donald Trump,
como o preferido dos evangélicos(Vide
Link). O moinho do deus dos exércitos do partido republicano
não aceita mistura, nem tolera inimigos em seu bojo. Trump,
o profeta fanfarrão, já encetou a bandeira da “grande cruzada
contra o mal”: disse, em um discurso, que todos os muçulmanos
devem ser imediatamente impedidos de entrar nos EUA (Vide
Link).
Até
o Papa Francisco mexeu na velha ferida fundamentalista
americana, quando em um discurso recente (setembro de 2015) no
Parlamento dos EUA, pediu vigilância contra todos os tipos de
fundamentalismos (Vide
Link):
“Sabemos que nenhuma religião
está imune a formas de delírios individuais ou extremismo
ideológico. Isso significa que devemos ficar especialmente atentos a
qualquer tipo de fundamentalismo, seja religioso ou de qualquer outro
tipo” ― afirmou o
papa, não esquecendo, o passado extremamente fundamentalista dos
primórdios de sua igreja.
É sobre a “Religião
Pós-Moderna em
Zigmunt Baumann” que Marcelo do Nascimento Melchior,
filósofo, mestre em Comunicação pela UFG e mestre em Educação
pela Universidade Católica Dom Bosco, nos traz um perfeito retrato
do fenômeno religioso que vem atraindo cada vez mais adeptos,
através de programas apelativos reproduzidos incessantemente na
imprensa, televisão e internet:
Na verdade, o que existe é a
formação do “coquetel religioso”. O homem pós-moderno vive a
religião “à la carte”, de tipo “self-service”, numa mistura
de vários aspectos que mais interessam e satisfazem as exigências e
necessidades momentâneas. Na busca de sentido da vida, cria-se o
deus e a religião pessoal: “Jesus Cristo sim, igreja não”. O
“boom” religioso revela isto: seitas, cultos, esoterismos,
filosofias orientais, yoga, etc., num verdadeiro “misticismo difuso
e eclético”, onde se vive a preferência religiosa e o “suave
consumismo religioso”. A razão disso se encontra também no fato
de o sagrado ter se libertado do domínio da religião, isso é,
qualquer pessoa pode atribuir-se o título de “bispo”,
missionário, e oferecer serviço religioso como qualquer serviço de
tele-entrega rápida e soluções milagrosas.”
“Os seguidores desse
credo fundamentalista estão convencidos de que todos os caminhos da
redenção, da salvação, da graça divina e secular e da felicidade
(tanto imediata quanto a eterna) passam pelas lojas” ―
escreveu Zygmunt Bauman no
prefácio à edição de sua obra —
“Modernidade
Líquida”.
O certo é que as igrejas em
evidência na televisão, transformadas em grupos empresariais,
especializaram-se em tirar proveito do medo e da sensação de
insegurança da população frente a um mundo hostil, mecanizado e
imprevisível. Esses “mercados divinos” seguem a tônica da Mídia
Empresarial Religiosa, e são formados por profissionais gabaritados
em marketing, comunicação, contabilidade e propaganda. Segundo a
“Revista de Estudos da Religião”, essas empresas gospel
não se interessam tanto por proselitismo, visando mais a audiência
e venda de produtos, como camisetas, cds, dvds, livros, passagens
aéreas, cursos bíblicos on line, etc. Todas são burocratizadas de
acordo com a lei da oferta e da procura que rege o mercado,
procurando sempre minimizar os gastos e maximizar os resultados, para
poder crescer como qualquer empresa comercial pujante e bem
gerenciada.
Aqui entre nós, uma amostra do
poderoso marketing religioso da atualidade foi o lançamento do filme
“Os Dez Mandamentos” nas salas cinemas de todo o país,
produzido pelo Bispo da Universal do Reino de Deus. A majestosa e
intensamente propagandeada película, levou o filósofo e professor
de Ciências da Religião da PUC – SP, Luiz Felipe
Pondé, a escrever um genial ensaio em sua coluna na Folha
de São Paulo (04/02/2016), sob o título 'Os Dez Mandamentos' no Cinema Vale por 'Mil Missas',
do qual replico abaixo esse imperdível trecho:
“E num mundo gigantesco e
competitivo como o nosso, permeado por mídias sociais e
interatividade, com um mercado agressivo e em expansão de produtos
religiosos, o futuro da commodity Deus está na comunicação. O
mercado da mídia é o meio ambiente que definirá o futuro das
religiões e das espiritualidades no século XXI. Esse filme vale
mais que mil missas.”
Nunca na história da humanidade os
fundamentalistas de mercado e religioso expuseram, de forma tão
aberta e banal, suas infalíveis fórmulas. Sob o sedutor lema ―
“aqui você pode ser feliz e ter sucesso” ―,
não cessam de provocar e canalizar desejos humanos para sua
globalizante seara.
Por
Levi B. Santos
6 comentários:
Boa noite, Levi.
Se pensarmos conforme Marx, a "infraestrutura" do sistema é que influência a "superestrutura".
Embora não seja correta a absolutização dos conceitos marxistas, o que o velho filósofo alemão se aplica ao tema em estudo que brilhantemente abordou. Pois, vivendo nós numa sociedade de consumo, verifica-se uma projeção sobre a religião. Seria a economia influenciando a cultura, inclusive a religiosa.
O que acha?
Caro Rodrigão
Parafraseando o prólogo grego do evangelho atribuído a João, eu diria que “ o Deus-Mercado (super-estrutura arquetípica de nossa psique) se fez carne e veio habitar nesse mundão nosso”.
Somos peças da engrenagem dessa mega máquina pós-moderna. Aliás, a religião dita cristã, ofereceu os fundamentos para um incipiente “Deus-Mercado” quando, lá atrás com Constantino (para muitos, o real fundador do cristianismo de resultados), vendeu-se (como mercadoria) ao poder político e econômico da época.
A utopia marxista, por sinal muito bem elaborada, foi um sonho bem sonhado, mas impossível de ser praticado, principalmente agora, na “modernidade líquida atual”, de que trata Zygmunt Bauman. Aliás, esse admirável sociologista polaco, em uma entrevista recente, disse que seu flerte com Marx terminou muito cedo.(rsrs). Disse também que o mundo pós-moderno se constitui num imenso obstáculo para a recepção e manutenção da mensagem ética de Marx. Para ele, “o postulado de Marx permanece como uma dor aguda na consciência, por uma sociedade justa”.
A velocidade com que “coisas novas” estimuladoras de necessidades e desejos são lançadas no mercado, agora extremamente tecnológico onde tudo que é produzido é descartado com rapidez, nos impede de pensar e buscar outras alternativas.
O jeito é seguir o refrão do samba de Zeca Pagodinho “Deixa a Vida me Levar (Vida Leva Eu)” (rsrs)
Bom dia, Levi.
Enquanto minha esposa prepara o café, vou lhe respondendo. (rsrsrs)
Interessante essa ideia do "deus-mercado" pois, se pensarmos bem, a economia de mercado é uma realidade. Não que eu a defenda, mas é algo que ocorre e se desenvolve pelas necessidades humanas. Porém, toda essa euforia ou direcionamento das pessoas para o consumismo acaba se tornando mesmo uma extrapolação e que beira a artificialidade já que nem todos os desejos de aquisição refletem nossas verdadeiras necessidades.
Sobre a aplicação literal da utopia marxista, concordo quanto à sua inviabilidade. Marx hoje tem sido relido e reinterpretado. Deus ideais torna-se mais princípios inspiradores e motivadores pela luta por justiça social, o que o torna proveitoso. Seria a grosso modo fazer de textos sagrados uma motivação de atuação política a exemplo dos padres da Teologia da Libertação.
Levi, Rodrigo, toda essa questão me seria indiferente não fosse o fundamentalismo em ultima instancia um desejo de covardia.
Essa ascensão do fanatismo(ainda não tanto fundamentalismo) é declínio do Homem!
Tenho uma observação muito própria de que o homem vem ascendendo como tal desde as cavernas até o fim dos duelos acertados. Não por acaso a figura do homem e da mulher ocidentais dessa época pareciam um ápice de refinamento e coragem nos modos e ideais. A partir dai pode-se notar um relaxamento das atitudes, até se perceber um declínio destes modos. E já que tudo começou na brutalidade, é dela que estamos nos reaproximando, passando pelo fundamentalismo até o completo retorno a barbárie. Ilustrado nos apocalípticos Mad Max 1,2,3 e remake!
Já que você falou em “desejo de covardia”, Gabriel, eu diria que o homem da pós-modernidade, rendeu-se por completo à covardia do desejo compulsivo da “felicidade” instantânea oferecida pelo mercado.
Esse homem deslocado, dependente e desplumado, agora, considera um desvio pecaminoso e passível de punição a recusa em ficar a margem da sociedade de consumo, como bem fez ver Zygmunt Bauman em sua obra ― “Vida para Consumo”.
Faço minha a angustiante pergunta de Saulo de Tarso sobre um desejo que não lhe largava: “Quem me livrará do corpo dessa morte? (rsrs)
Olá, amigos.
Eu apostaria numa qualificação educacional para o homem poder retomar a sua evolução social e acompanhar o desenvolvimento tecnológico. Chegamos a uma crise ética e a sobrevivência da espécie depende do aprendizado da auto-conducao. Inclusive das emoções e quanto ao consumismo. Triste saber que em muitas seitas fundamentalistas, há uma deseducacao no controle das emoções e da vontade muitas vezes configurando uma assediosa violência capaz de engessar consciências ao invés de libertá-las.
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