07 março 2016

E Por Falar em Jararaca...




Se quiseram matar a jararaca, não acertaram na cabeça, acertaram no rabo e a jararaca está viva”. Esta foi a frase “sapecada” por Lula, em sua recente via crucis política, após ser levado coercitivamente para depor na Polícia Federal.
Antes de tudo, é preciso reconhecer que o ex-presidente é um exímio elaborador de frases de efeito, quase sempre revestidas de significações altamente reveladoras dos afetos mais profundos que engendram a alma humana.

Acho que está bem fresquinha na mente dos que apreciam a literatura brasileira, o personagem Macunaíma, 'herói às avessas' criado por Mário de Andrade. No romance, quando Piaimã o gigante comedor de gente , ameaçou trazer a jararaca Elite para o agarrar, Macunaíma, gelado de medo gritou: “Com a jararaca ninguém não pode não!”

Para sabermos mais sobre a metáfora “jararaca”, primeiramente vamos ver o que diz o site Infoescola sobre esse repulsivo réptil:

O habitat natural da jararaca é o Brasil, podendo (olhem aí!) ser encontrada na Venezuela. Alimenta-se especialmente de roedores (ratos). A cor dessa cobra proporciona a ela uma excelente camuflagem. É proveniente de zona agrícola, mas pode ser encontrada em zonas urbanas”.

Bom mesmo é divagar sobre a serpente no campo das metáforas, pois só assim é que podemos apreender muita coisa sobre a natureza humana e suas idiossincrasias. Senão vejamos:

A serpente no livro bíblico do Gêneses tem uma conotação má: Javé, o Deus judaico-cristão amaldiçoou-a a perder as pernas e andar se rastejando como castigo por ter seduzido Eva (mulher de Adão).

John Milton, em Paraíso Perdido (considerado por muitos, o segundo maior clássico da literatura mundial) narra, de forma poética, a queda do antigo “Anjo de Luz” que, revoltado por ter sido expulso dos céus, propôs em seu coração corromper a criação humana, pondo em xeque os propósitos da autoridade divina que estava acima de toda criação. Entretanto, pela psicologia junguiana, a serpente simboliza um interessante arquétipo estruturante de nossa psique, apesar de no imaginário popular sonhar com serpente ser prenúncio de confusão e hecatombe.

Ma mitologia do antigo Egito, a gigante cobra “Apófis” na escuridão da noite emergia das águas profundas do Nilo para atacar o “Deus Sol”, ameaçando o equilíbrio do cosmos. Com certeza, foi com a prévia autorização do faraó Seti I (1300 a C), que cunharam a imagem dessa poderosa serpente em relevo na tampa do seu próprio mausoléu.

Por falar em faraó, não poderíamos deixar de fora a história de “cobra engolindo cobra” narrada no livro bíblico de Êxodo: “A vara de Moisés e Arão jogada diante dos faraós e seus conselheiros transformou-se em serpente. O faraó, querendo demostrar que tinha maior poder, mandou chamar seus sábios, feiticeiros e magos do Egito e, por meio de sua ciência oculta, fez um milagre mais espetaculoso: cada um deles jogou ao chão sua vara, e estas se transformaram em serpentes. Mas no final foi a vara de Arão que prevaleceu ao engolir as varas da equipe do faraó”. (Vide Link). É bom lembrar aqui, que para se compreender a crise que o Brasil mítico e político ora atravessa, é necessário traduzir os elementos representativos cobra, vara, faraó, e os personagens Moisés e Arão como metáforas. Para que se obtenha um novo campo de significações, temos que ir além do contexto convencional dos termos em negrito.

E não é que na simbologia de Jung, a serpente do mito da Criação (Gêneses) pode ter uma conotação positiva: a de representar a criatividade psíquica profunda, tanto é que foi descrita como o mais sagaz de todos os animais. No entanto, o renomado analista autor de “Saudades do Paraíso”, Mario Jacoby, discorrendo sobre a criatividade simbolizada pelo réptil, diz algo que, por ora, tem muito a ver com o que tanto nos aflige ou atormenta: “A função estruturante da vergonha, tão criativa para construir a separação do público e o privado foi também contaminada defensivamente junto com a criatividade.”

Carlos Amadeus Botelho Byington, em “Inveja Criativa” faz uma defesa da serpente. Diz ele: “a inveja, como principal afeto arquetípico da serpente, não é primordialmente ruim. […] a serpente é a culpada, a inveja é destrutiva, e o castigo justo e merecido, se considerado pela forma literal da lei de Javé, típica legislação em causa própria para manter o poder. Dentro da perspectiva patriarcal a coerência é aparentemente perfeita mas, dentro da perspectiva da alteridade, que julga baseada no contraditório, o apego patriarcal defensivo é desmascarado com o juiz e a sentença”.(“Inveja Criativa” página 112)

O livro bíblico do apocalipse, segundo os fundamentalistas cristãos, fala do destino atroz da serpente (ou do lado obscuro do arquétipo ofídio) no final dos tempos:

E foi precipitado o dragão, a antiga serpente que engana todo o mundo...” (Apoc. 12, 9)

Exilado em uma ilha deserta, João, o esperançoso apóstolo do apocalipse, almejava ainda em vida alcançar uma nova terra onde não haveria nem enganador nem enganado. Esse reino fazia parte da utopia por ele mesmo denominada, “milênio de paz”. O apóstolo Paulo também deixou patente em suas cartas que foi invadido por desejos semelhantes quando, em pensamentos arrebatadores, via corpos corruptíveis transformando-se em corpos incorruptíveis.

Mais voltemos ao tema central do presente ensaio, ou seja, a figura da jararaca ―, serpente sobejamente conhecida no nordeste brasileiro , inclusive muito cantada e decantada em versos e prosas. Do livro Cantadores de Leonardo Motta, que trata de duelos entre cantadores de violas, replico abaixo um verso de cordel que narra a peleja do cego cearense de Mecejana, Symphrônio, com seu competidor, Serrador, pernambucano residente no sítio Taboca do major Ignácio Caetano, situado ao pé da serra do Araripe [Fonte: Memórias Ancoradas em Corpos Negros – de Maria Antonieta Antonacci ]:


Canguçu é meu cavalo
Corre-campo é meu facão
JARARACA é meu chicote
Cascavel meu cinturão
Caranguejo é minha espora.
                               Imbuá ― meus anelão.   [Motta,1921, p. 151]
 



Por Levi B. Santos
Guarabira, 07 de março de 2016

Site da Imagem: arquimoc.com/home/

4 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Boas reflexões, Levi.

Lembrei que, na cidade fluminense de Cachoeiras de Macacu, situada no pé da serra de Nova Friburgo, existe uma cachaça local com o nome de "jararaca". O motivo é que a pinga vai entorpecendo aos poucos o beberrão que, quando se dá conta, já se encontra chapadão.

Assim também foi o veneno do PT! Pois, durante um tempo, todos achar que o país estivesse em franco desenvolvimento e imune à crise internacional. Neste contexto, Lula elegeu a sua sucessora e muitos a admiravam até que, de uns três anos pra cá a máscara começou a cair. Foi aí que nos demos conta do tamanho do rombo nas contas públicas, do desvio de dinheiro da Petrobras que afundou a empresa e do número de gente envolvida nos escândalos de corrupção.

Enfim, a nação foi mordida pela jararaca e ainda vai levar um tempo para se curar de seu veneno mortal.

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Coincidência ou não, o Lula gosta de cachaça. E, numa época, chegava a ficar ébrio em importantes eventos.

Levi B. Santos disse...

Caro Rodrigo

Avançando mais nesse pequeno tratado sobre “serpente” que a fala de Lula comparando-se a jararaca me inspirou: O que você tem a me dizer sobre o conselho “Sede, pois, prudentes como as serpentes!” que o Messias dos evangelhos canônicos deu aos seus 12 discípulos a caminho de uma missão estratégica? (rsrs)

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Boa tarde, Levi.

Ótima lembrança deste ensino do Mestre!

Mas foi como respondi ao Sr. Altamirando Macedo lá no Faceboo, para nunca subestimarmos um adversário.

De fato, Lula é um cobra criada que, mesmo estando sob a mira da Justiça e da mídia, sabe como tirar proveito de cada situação. Aliás, um blogueiro petista (ou simpatizante do PT) que vez ou outra participa dos debates na nossa C.P.F.G escreveu o seguinte na parte final de seu artigo DE SÉRGIO PORTO A SÉRGIO MORO:

"(...) o Lula morto é um mito, preso vira herói, livre se elege presidente (...) tornem o Lula inelegível e ele elegerá quem quiser em 2018" - Extraído de http://muriqui-lacerda.blogspot.com.br/2016/03/de-sergio-porto-sergio-moro.html

Não podemos nos esquecer de que Lula é o mais experiente em matéria de política entre todos os presidenciáveis do momento: Ciro Gomes, sua ex-discípula Marina Silva, Aécio Neves, Temer e Bolsonaro. Além do mais, o seu governo experimentou bons momentos quanto à economia que para muita gente só teria entrado em crise "por incompetência da Dilma".

A questão, meu amigo, é como iremos abordar essa cobra. E, no texto que postei ontem lá na C.P.F.G., no artigo E se o LULA for preso?, concluí que é melhor ser julgada procedente a ação do PSDB no TSE, termos novas eleições e o ex-"sapo barbudo", agora "jararaca", entraria na disputa. Vai ser melhor para a nossa democracia deixar que o povo decida. Pois, se o PT for rejeitado nas urnas, aí sim estaremos temporariamente livres do veneno dessa cobra. Pelo menos por uns dois anos até 2018 chegar.

Depois, se puder, lê o que escrevi na C.P.F.G. (no blogue).