“Se
quiseram matar a jararaca, não acertaram na cabeça, acertaram no
rabo e a jararaca está viva”. Esta foi a frase “sapecada”
por Lula, em sua recente via crucis política, após ser
levado coercitivamente para depor na Polícia Federal.
Antes
de tudo, é preciso reconhecer que o ex-presidente é um exímio
elaborador de frases de efeito, quase sempre revestidas de
significações altamente reveladoras dos afetos mais profundos que
engendram a alma humana.
Acho
que está bem fresquinha na mente dos que apreciam a literatura
brasileira, o personagem Macunaíma, 'herói às
avessas' criado por Mário de Andrade. No
romance, quando Piaimã ─ o
gigante comedor de gente ─
, ameaçou trazer a jararaca Elite para o agarrar, Macunaíma,
gelado de medo gritou: “Com a jararaca ninguém não pode
não!”
Para
sabermos mais sobre a metáfora “jararaca”, primeiramente vamos
ver o que diz o site Infoescola
sobre esse repulsivo réptil:
“O
habitat natural da jararaca é o Brasil, podendo (olhem aí!) ser
encontrada na Venezuela. Alimenta-se especialmente de roedores
(ratos). A cor dessa cobra proporciona a ela uma excelente
camuflagem. É proveniente de zona agrícola, mas pode ser encontrada
em zonas urbanas”.
Bom
mesmo é divagar sobre a serpente no campo das metáforas,
pois só assim é que podemos apreender muita coisa sobre a natureza
humana e suas idiossincrasias. Senão vejamos:
A
serpente no livro bíblico do Gêneses tem uma conotação má: Javé,
o Deus judaico-cristão amaldiçoou-a a perder as pernas e andar se
rastejando como castigo por ter seduzido Eva (mulher de Adão).
John
Milton, em “Paraíso
Perdido” (considerado por muitos, o segundo maior clássico
da literatura mundial) narra, de forma poética, a queda do antigo
“Anjo de Luz” que, revoltado por ter sido expulso dos céus,
propôs em seu coração corromper a criação humana, pondo em xeque
os propósitos da autoridade divina que estava acima de toda criação.
Entretanto, pela psicologia junguiana, a serpente simboliza um
interessante arquétipo estruturante de nossa psique, apesar de no
imaginário popular sonhar com serpente ser prenúncio de confusão e
hecatombe.
Ma
mitologia do antigo Egito, a gigante cobra “Apófis” na escuridão
da noite emergia das águas profundas do Nilo para atacar o “Deus
Sol”, ameaçando o equilíbrio do cosmos. Com certeza, foi com a
prévia autorização do faraó Seti I (1300 a C), que cunharam a
imagem dessa poderosa serpente em relevo na tampa do seu próprio
mausoléu.
Por
falar em faraó, não poderíamos deixar de fora a história de
“cobra engolindo cobra” narrada no livro bíblico de
Êxodo: “A vara de Moisés e Arão jogada diante dos faraós e seus
conselheiros transformou-se em serpente. O faraó, querendo demostrar
que tinha maior poder, mandou chamar seus sábios, feiticeiros e
magos do Egito e, por meio de sua ciência oculta, fez um milagre
mais espetaculoso: cada um deles jogou ao chão sua vara, e estas se
transformaram em serpentes. Mas no final foi a vara de Arão que
prevaleceu ao engolir as varas da equipe do faraó”. (Vide
Link). É bom lembrar aqui, que para se compreender a crise que o
Brasil mítico e político ora atravessa, é necessário traduzir os
elementos representativos cobra, vara, faraó, e os
personagens Moisés e Arão como metáforas. Para que se
obtenha um novo campo de significações, temos que ir além do
contexto convencional dos termos em negrito.
E
não é que na simbologia de Jung, a serpente
do mito da Criação
(Gêneses) pode ter uma conotação positiva: a de representar a
criatividade psíquica profunda, tanto é que foi descrita como o
mais sagaz de todos os animais. No entanto, o renomado analista autor
de “Saudades
do Paraíso”, Mario
Jacoby, discorrendo sobre a criatividade simbolizada pelo
réptil, diz algo que, por ora, tem muito a ver com o que tanto nos
aflige ou atormenta: “A função estruturante da vergonha, tão
criativa para construir a separação do público e o privado foi
também contaminada defensivamente junto com a
criatividade.”
Já
Carlos Amadeus Botelho Byington, em “Inveja Criativa” faz uma defesa da serpente. Diz ele: “a inveja,
como principal afeto arquetípico da serpente,
não é primordialmente ruim. […] a serpente é a culpada, a inveja
é destrutiva, e o castigo justo e merecido, se considerado pela
forma literal da lei de Javé, típica legislação em causa própria
para manter o poder. Dentro da perspectiva patriarcal a
coerência é aparentemente perfeita mas, dentro da perspectiva da
alteridade, que julga baseada no contraditório, o apego patriarcal
defensivo é desmascarado com o juiz e a sentença”.(“Inveja
Criativa” ―
página 112)
O
livro bíblico do apocalipse, segundo os fundamentalistas
cristãos, fala
do destino atroz da serpente (ou do lado obscuro do arquétipo
ofídio)
no final dos tempos:
“E
foi precipitado o dragão, a antiga serpente que engana todo o
mundo...” (Apoc. 12, 9)
Exilado
em uma ilha deserta, João, o
esperançoso apóstolo do
apocalipse, almejava ainda em
vida alcançar uma
nova terra
onde não haveria
nem enganador nem enganado. Esse
reino fazia
parte da utopia por ele
mesmo denominada,
“milênio de paz”. O
apóstolo Paulo também
deixou
patente em suas cartas que
foi invadido por desejos semelhantes quando, em pensamentos
arrebatadores, via corpos
corruptíveis transformando-se em corpos incorruptíveis.
Mais
voltemos
ao tema
central do presente ensaio, ou seja, a figura da jararaca
―,
serpente
sobejamente conhecida no
nordeste brasileiro ―,
inclusive muito
cantada e decantada em versos e prosas. Do livro “Cantadores”
de Leonardo
Motta, que trata de
duelos entre
cantadores de violas, replico abaixo um verso de
cordel que narra a peleja do cego cearense de
Mecejana, Symphrônio, com seu
competidor, Serrador, pernambucano residente no sítio Taboca do major
Ignácio Caetano,
situado ao
pé da serra do Araripe
[Fonte:
Memórias
Ancoradas em Corpos Negros –
de Maria
Antonieta Antonacci ]:
Canguçu
é meu cavalo
Corre-campo
é meu facão
JARARACA
é meu chicote
Cascavel
meu cinturão
Caranguejo
é minha espora.
Imbuá
― meus anelão. [Motta,1921,
p. 151]
Por
Levi B. Santos
Guarabira,
07 de março de 2016
Site
da Imagem:
arquimoc.com/home/
4 comentários:
Boas reflexões, Levi.
Lembrei que, na cidade fluminense de Cachoeiras de Macacu, situada no pé da serra de Nova Friburgo, existe uma cachaça local com o nome de "jararaca". O motivo é que a pinga vai entorpecendo aos poucos o beberrão que, quando se dá conta, já se encontra chapadão.
Assim também foi o veneno do PT! Pois, durante um tempo, todos achar que o país estivesse em franco desenvolvimento e imune à crise internacional. Neste contexto, Lula elegeu a sua sucessora e muitos a admiravam até que, de uns três anos pra cá a máscara começou a cair. Foi aí que nos demos conta do tamanho do rombo nas contas públicas, do desvio de dinheiro da Petrobras que afundou a empresa e do número de gente envolvida nos escândalos de corrupção.
Enfim, a nação foi mordida pela jararaca e ainda vai levar um tempo para se curar de seu veneno mortal.
Coincidência ou não, o Lula gosta de cachaça. E, numa época, chegava a ficar ébrio em importantes eventos.
Caro Rodrigo
Avançando mais nesse pequeno tratado sobre “serpente” que a fala de Lula comparando-se a jararaca me inspirou: O que você tem a me dizer sobre o conselho “Sede, pois, prudentes como as serpentes!” que o Messias dos evangelhos canônicos deu aos seus 12 discípulos a caminho de uma missão estratégica? (rsrs)
Boa tarde, Levi.
Ótima lembrança deste ensino do Mestre!
Mas foi como respondi ao Sr. Altamirando Macedo lá no Faceboo, para nunca subestimarmos um adversário.
De fato, Lula é um cobra criada que, mesmo estando sob a mira da Justiça e da mídia, sabe como tirar proveito de cada situação. Aliás, um blogueiro petista (ou simpatizante do PT) que vez ou outra participa dos debates na nossa C.P.F.G escreveu o seguinte na parte final de seu artigo DE SÉRGIO PORTO A SÉRGIO MORO:
"(...) o Lula morto é um mito, preso vira herói, livre se elege presidente (...) tornem o Lula inelegível e ele elegerá quem quiser em 2018" - Extraído de http://muriqui-lacerda.blogspot.com.br/2016/03/de-sergio-porto-sergio-moro.html
Não podemos nos esquecer de que Lula é o mais experiente em matéria de política entre todos os presidenciáveis do momento: Ciro Gomes, sua ex-discípula Marina Silva, Aécio Neves, Temer e Bolsonaro. Além do mais, o seu governo experimentou bons momentos quanto à economia que para muita gente só teria entrado em crise "por incompetência da Dilma".
A questão, meu amigo, é como iremos abordar essa cobra. E, no texto que postei ontem lá na C.P.F.G., no artigo E se o LULA for preso?, concluí que é melhor ser julgada procedente a ação do PSDB no TSE, termos novas eleições e o ex-"sapo barbudo", agora "jararaca", entraria na disputa. Vai ser melhor para a nossa democracia deixar que o povo decida. Pois, se o PT for rejeitado nas urnas, aí sim estaremos temporariamente livres do veneno dessa cobra. Pelo menos por uns dois anos até 2018 chegar.
Depois, se puder, lê o que escrevi na C.P.F.G. (no blogue).
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