Coincidência,
superstição ou obra dos deuses, o fato é que o mês de agosto em
nossa república tem sido recheado por grandes espetáculos
históricos (risíveis ou não). Citemos alguns: Suicídio de Getúlio
Vargas, renúncia de Jânio Quadros e
recentemente a fase final do processo de impeachment da presidente
reeleita em 2014, transmitido ao vivo pela TV Senado.
Por
falar em grandes espetáculos no mês de agosto não poderia deixar
de registrar o risível acontecimento promovido por autoridades
brasileiras em Paris - França no mês de agosto de 1952. Foi lendo “Chatô
―
O Rei do Brasil”, volumoso livro de 600 páginas de
Fernando Morais (autor de Olga e a Ilha), que pude
tomar conhecimento de um acontecimento insólito (não sei se comum -
hoje). O espetáculo foi protagonizado pelo poderoso senador pela
Paraíba, Francisco de Assis Chateaubriand. Na época,
Chatô mandava e desmandava no país, e não era pra menos, pois era
dono de 34 jornais, 36 emissoras de rádio, 18 estações de
televisão, uma revista semanal (O Cruzeiro) e a Cigarra (mensal),
afora revistas infantis e uma editora.
Mas
vamos ao espetáculo hilário promovido em Paris pelo mega-empresário
e senador Chatô. No capítulo de número 30, página 446, do livro
“Chatô ―
O Rei do Brasil”, Fernando Morais faz um resumo do que ele
considerou o grande escândalo social daquele ano (o célebre baile
do castelo de Coberville), espetáculo que, com os devidos créditos,
aqui replico:
Segundo suas próprias palavras, o
Plano de Chateaubriand era “apresentar à alta sociedade do
Velho Mundo, o Brasil verdadeiro, o Brasil que somos nós: um Brasil
de mestiços autênticos, mulatos inzoneiros, índios e negros a
promover a vasta experiência de cruzamentos no trópico, em vez do
falsificado Brasil branco de catálogo dos grã-finos[…]". A
oportunidade surgiu quando o costureiro francês, Jacques Fath
propôs que os Diários Associados organizassem em seu castelo
parisiense uma grande festa de arromba para promover na Europa o
algodão brasileiro.
[…] Às nove da noite do dia 03
de agosto um espetáculo de fogos de artifícios iluminou a multidão
de 3.000 pessoas que lotavam os jardins do castelo. Só para levar os
cem convidados brasileiros, Chateaubriand fretara dois
Constellation da Panair, sem contar o voo especial que transportara
orquestras, músicos, cantores, sambistas e frevistas. Terminado os
rojões, o maestro Severino Araújo saiu do camarim armado atrás do
castelo e invadiu os jardins regendo a Orquestra Tabajara da TV Tupi,
que tocava um frevo pernambucano. Atrás deles vinham os cantores
Elizeth Cardoso, Ademilde Fonseca, Zé Gonzaga,
Jamelão e “Pato Branco” (um safoneiro albino que
se fazia passar pelo músico Sivuca, que não pudera comparecer).
Atrás deles, vinte passistas baianas bailavam e abriam passagem para
que pudessem sair de dentro do castelo quatro negros de tanga,
carregando uma liteira coberta onde vinham instalada, vestida à la
Debret, a esfuziante Aimée de Heeren. Depois dessa
abertura triunfal, vinte cavalos saíram em disparada dos fundos do
castelo, cada um deles montado por um convidado ilustre (Francês ou
brasileiro) vestido de cangaceiro e carregando uma mulher na garupa,
também vestida à caráter. A cavalhada foi aberta pelo antropólogo
Arbusse Bastide fantasiado de Lampião, levando na
garupa a manequim Danuza Leão vestida de Maria Bonita,
e fechada por Chateaubriand sobre um alazão e vestido “com
uma cópia da fatiota de couro cru que meus antepassados usavam para
capar bode no vale dom Piancó”. […] Vestindo um sumário
cache-sexe, de peruca de índio e cocar sobre a cabeça, o costureiro
e anfitrião Jacques Fath pegou o microfone e anunciou que “a
grande festa do Brasil estava acontecendo”.
Sobre o tablado de madeira e som da
orquestra Tabajara, fotógrafos dos Associados, de agências
internacionais e dos jornais e revistas franceses retratavam o
cineasta Orson Welles meio embriagado tentando dançar xaxado
com a atriz Ginger Rogers ao lado do ator Jean-Louis
Barrault que ensaiava passos de cururu com a estrela Claudette
Colbert. Para Chateaubriand, no entanto, aquelas não eram
as vedetes mais importantes da festa que só terminaria no dia
seguinte, ao raiar do sol. Seu grande tento tinha sido conseguir
levar para Corberville duas austeras senhoras discretamente
vestidas a rigor, que, sentadas em uma mesa na beira da pista,
pareciam sentir enorme desconforto por estar em ambiente pagão: eram
Darcy Vargas, mulher do presidente da República, e sua filha
Alzira. (Fernando Morais em “Chatô – o Rei do Brasil”)
Segundo
Fernando de Morais, Carlos Lacerda ao
saber das estripulias de Chatô em Paris, no Jornal
“Tribuna da Imprensa”, editou um artigo sob a manchete: “205
mil dólares numa festa em Paris”, tendo ao lado um editorial
intitulado: “Afronta”.
P.S.:
Enquanto
reproduzia essa espetaculosa festança dos anos cinquenta
protagonizada pelo poderoso e influente senador paraibano “Chatô” , pela TV Senado via um dos capítulos do
espetáculo “republicano” que, segundo alguns otimistas, se
encerrará daqui a dois dias.
Como agosto
ainda não terminou, coisas inacreditáveis poderão acontecer. Se
nada acontecer, outros agostos virão com seus casos espetaculares.
Por
Levi B. Santos
Guarabira,
27 de agosto de 2016
Site
da Imagem:
cantinhodosaber.com.br
3 comentários:
Boa noite, Levi.
Não duvido que essa novela do impeachment possa chegar a setembro já que a presidente afastada pretende ir pessoalmente ao Senado e terá tempo de sobra para dar explicações.
Sobre essa festa dada pelo Chatô nos anos 50, eu desconhecia. Mas, pelo que observei na leitura, o evento teria sido pago com recursos privados, não?
Vargas teve atrás de si um ferrenho opositor que foi o Carlos Lacerda, embora um bom administrador para o Rio de Janeiro. Um homem que não conseguiu realizar o senho de chegar à Presidência por causa do golpe militar de 1964 que Getúlio, com sua morte suicida, teria evitado que ocorresse dez anos antes.
Essa ida da Dilma ao Senado será, a meu ver, mais um discurso para a plateia de fora do que para os parlamentares presentes. Ela sabe que os votos deles estão consolidados e que não há condições de governabilidade com sua volta ao Planalto. Porém, o que mais interessa à presidente afastada e seu partido é criar condições para que Lula obtenha bons resultados nas eleições de 2018. Enfim, o PT sabe que precisa passar uns tempinhos na oposição.
O escopo desse texto, Rodrigo, trata dos espetáculos dantescos republicanos ocorridos nos mêses de agosto. Como o adjetivo "dantesco" que usei remete a Dante autor de a "Divina Comédia", gostaria de citar uma série televisiva que passou em Portugal(país que nos colonizou) justamente no mês de agosto de 2009. "As Divinas Comédias" foi ao ar em quatro episódios pela TV RTP, terminando bem no finzinho de agosto.
No segundo Governo de Getúlio foi trabalhoso levar a Comédia chamada "Brasil" para a Europa. Mas, creio que o espetáculo dantesco e grotesco sobre o Brasil que Chatô quis mostrar aos europeus, tinha uma finalidade mais comercial que cultural. (rsrs).
Só que hoje em nossa colônia, o espetáculo republicano dantesco transmitido por uma de nossas TVs estatais, está chegando intantaneamente ao vivo não só em Portugal, mas em todo os países do mundo.
O Chatô, vivo fosse, estaria dando mil pulos de alegria, pois foi ele quem trouxe a Televisão em preto e branco para o nosso país, na mesma época que os EUA estava lançando a sua TV (também em preto e branco).
Não sei se você sabia que o Brasil foi o quarto país do mundo a inaugurar um canal de TV: a PRF-3 TV Tupi de São Paulo. O primeiro foi os EUA, o segundo a Inglaterra e o terceiro foi a França.
A década de 50 foi uma época dourada para o Brasil a meu ver. Era um país com menor violência e ainda era mais atrativo do que uma Europa que se reconstruía da terrível 2ª Guerra. Nossas praias eram mais limpas e o povo mais simpático e hospitaleiro, além de que a economia mostrava-se promissora.
A chegada da TV certamente deve ter gerado um impacto positivo entre os brasileiros, embora fosse pouco acessível para a grande maioria (mesmo preto e branco). Como sou nascido nos anos 70, recordo dos tempos em que se colocava bombril na antena para pegar melhor a imagem.
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