O
desejo que os seres humanos têm de, lá no íntimo, narrar a história
de suas vidas e ideias (as mais extravagantes possíveis) encontrou
na Blogosfera um canal gratuito, ou uma oportunidade ímpar de ser
realizado ou descarregado. Na época, confiávamos que tudo que fosse
postado seria guardado em arquivos invioláveis. Os casos mais
marcantes de nossas vidas, nossos inconformismos e recalques,
pendores artísticos, culturais, científicos, literários, nossos
sucessos/decepções, nossas dores, conquistas e competições, sem a necessidade de gastar dinheiro e tempo excessivo, passaram a ser
depositados em arquivos “secretos” de uma conta no Google. Fui um
dos primeiros a me associar a UBE (União dos Blogueiros
Evangélicos)”, fundada em 2005, que hoje agrega mais de 20.000
blogs.
Em
21 de maio de 2006, duas semanas antes de criar o blog “Ensaios
& Prosas” (esse título talvez tenha sido influência
do caderno cultural “Prosa
& Verso” do Jornal “O Globo” editado aos
sábados, que lia religiosamente), um artigo do jornalista Carlos
Castilho sobre a Blogosfera publicado no site do Jornal Observatório
da Imprensa já noticiava tramas visando a adoção de um código
de conduta, na tentativa de evitar excessos verbais, xingamentos,
sectarismos e radicalismos entre os blogueiros de língua mais
ferina. Dizia ele no início de seu artigo: “O deslumbramento da
descoberta de uma nova ferramenta de comunicação passa agora a ter
que conviver com temores, explosões de raiva, catarses,
ressentimentos e tentativas de se tomar o controle sobre o que é
publicado”.
Mas
o certo é que a blogosfera, entre
os anos 2004 e 2006 começou
a virar
o mundo de cabeça para baixo. No jornalismo e nas faculdades, os alunos mais rápidos no entendimento da linguagem cibernética,
através de cursos relâmpagos de Internet, passaram a ensinar seus
professores sobre a
tal sigla “html”.
“Faça Seu Blog
Gratuito Aqui” ―
era uma das frases mais
repetidas nos sites de busca. Os blogueiros
mais criativos mudavam o
modelo de seus blogs quase de ano em ano. Lembro que ao tentar mudar
o modelo (Gadget) da página principal do “Ensaios
& Prosas”, cheguei
quase a perder todo conteúdo que tinha até então arquivado.
Não me aventurei mais a mexer no blog. Deixei-o
ate hoje com o mesmo formato
de quando foi criado em 06
de agosto de 2006.
Recordo que em dezembro de 2012, com a minha mania de escrever textos ácidos,
terminei arranjando sarna pra me coçar. A paródia “O
Salmo da Era Digital” que fiz, baseado no Salmo Bíblico de
número 23 (O Senhor é o Meu Pastor) me rendeu bastante dor
de cabeça, pela polêmica que provocou no meio religioso. Dois
dias depois de ter publicado essa paródia, alguns blogueiros das
igrejas mais fundamentalistas, não entendendo que se tratava de uma
crítica ao evangelho da prosperidade econômica importado do Mercado
Gospel dos EUA, sentaram o sarrafo, excomungando-me. Manchete tipo
“Site Compara Google com Deus e Gera Polêmica” foram replicadas na blogosfera gospel, inscrevendo-me no
rol dos hereges da blogosfera cristã.
Parafraseando
o prólogo do evangelho de São João, em mais uma
“heresia”, devo dizer que o famoso Blogger importado dos
EUA se fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua glória
anunciada em todos os sites de procura (entre eles o velho Yahoo)
ensinando a maneira mais fácil e rápida de criar um blog particular
ou individual para a salvar memórias por toda a eternidade. Uma vez
criado o blog, como acontece com o “livro da vida” do qual
o evangelista João fala em seu livro Apocalipse, o nome do
internauta não seria mais riscado da Nova Jerusalém do Mundo
Cibernético.
Refletindo bem, a
máxima de Michel de Montaigne
(1533‒1592) ― “As
palavras pertencem metade a quem fala e metade a quem ouve”
― tem muito a ver com os lados conservador e liberal dos blogueiros
em suas postagens. Traduzindo o bordão desse famoso filósofo,
poderíamos intuir que o texto postado pelo blogueiro pertence metade
a quem o edita e metade a quem o lê, comenta e critica. Foi assim pensando que o criador do famoso Blogger, para fazer crescer rapidamente seu
número de adeptos, abriu no topo da página inicial dos blogs um
espaço para que os editores pudessem expor as carinhas dos seus
cativos seguidores. Para incrementar o movimento comunicacional nesse
serviço do Google dois recursos foram de fundamental importância: o
de divulgar os artigos editados pelos blogueiros no mundo virtual e o
de expor num recanto de suas páginas os produtos comerciais que
tivessem alguma relação com os temas postados. O blogueiro que
editasse postagens que causassem maiorres acessos no mundo virtual
seriam recompensados com maior número de seguidores. O apelo
chamativo ― “como
fazer mais amigos sem o menor esforço” ―
que alguns
competidores ou caçadores de amigos detonavam na Web na mesma
época que construí o meu recanto no Google, hoje não mais aparece
tanto quanto naquela época em que a acirrada competição era
estimulada ao máximo, com a finalidade de induzir uma maior visibilidade dos editores de blogs mais sucedidos.
Não
nego que cheguei a colecionar alguns selos de premiação, na época
em que ainda não tinha sido ex-comungado do rol dos politicamente e
religiosamente corretos. Alguns títulos colocados pelos editores em seus blogs eram tão estrambóticos que não dava para resistir ao
impulso de rir. Entre os selos de premiação que recebi, merece
destaque um que me incluía entre os cinco “Melhores Blogs da
Cristandade”, oferecido pelo blogueiro Teóphilo Noturno,
cujo blog tinha em seu cabeçalho o título apocalíptico em letras
garrafais flamejantes ―
“Este Mundo
Jaz no Maligno”, possivelmente simbolizando a figura mítica
do Inferno.
Com
o blogueiro Leonardo Gonçalves, amigo de longos datas,
ainda hoje editor do blog “Púlpito
Cristão” (na época,
acessado diariamente por dezenas de milhares de fiéis do meio
Protestante), fiz uma parceria. Cheguei a lhe enviar textos para
postagem sobre vários temas proibitivos ou intocáveis do meio religioso, ensaios de cunho satírico sobre o evangelismo gospel comercial que,
ainda hoje, faz sucesso em vários canais na rede aberta de Televisão. Pois não é que o afoito Leonardo Gonçalves
que não levava desaforo para casa, com ousadia incomum, acabou por
divulgar em seu blog, o “O Pai Nosso: Modelo
Empresarial Gospel” (Vide
link). Tratava-se
de uma paródia
que fiz com o “Pai Nosso” do
Novo Testamento. O texto bombou na blogosfera de uma maneira
tal, que em questão de poucos dias foi reproduzido em 28 blogs. A ousadia custou-me caro, pois, boa parte dos comentários que recebi de líderes
evangélicos fundamentalistas consideraram a paródia uma blasfêmia contra Deus.
Alguns alertaram-me que não brincasse com as coisas sagradas,
enfatizando as histórias de maldições contidas no Velho
Testamento.
No
Genizah (hoje, o mais acessado blog de Humor Cristão do país), do autor Danilo Fernandes, fui parceiro nas postagens
de textos hilários baseados nos sermões da turma do evangeliquês
gospel da prosperidade econômica. Ainda está bem viva em minha
memória a repercussão de um texto exótico sobre exploração da
fé. Tratava-se de um testemunho/entrevista sui generis veiculado em um
programa televiso dedicado a curas e milagres. Assisti perplexo todo o desenrolar do trágico e cômico "milagre", em uma noite de insônia, quando já passava da meia noite (mês de
julho de 2009). Ouvi atentamente a história e não resisti postá-la
no “Ensaios & Prosas” com o título: “Exploração
da Fé ―
Até
que Ponto?” (publicado em 03
de julho de 2009). Esse
excêntrico milagre, mexeu com os nervos de Danilo Fernandes
que,
provavelmente para causar maior impacto na blogosfera
cristã, trocou o título da postagem original redigida no “Ensaios
& Prosas”, pela extravagante manchete: “RR Soares viaja na maionese e libera a unção da Madonna: Like a virginfor the very first time…”.
Dizem
que em 2011 o site do Danilo
chegou a ter mais de 600.000
acessos diários.
Como
a curiosidade acaba sempre por se tornar a chave da liberdade, eis
que muitos que em seus ambientes não tinham a condição de falar ou
tocar em determinados temas ou assuntos considerados
tabus,
de uma hora para outra, passaram a ter na internet
um recanto só seu
para descarregar tudo que até então, nos meios conservadores, não
era permitido ser ventilado. De início, gozávamos do privilégio de
produzir textos a respeito de nós mesmos (as
auto-biografias).
Alguns
blogueiros de mente mais
egocêntrica chegavam
a dizer: “Escrevo só para mim”.
Achava
pura meninice esse
tipo de racionalização.
Se pensássemos mais profundamente chegaríamos à conclusão de que
o blogueiro é, sim,
um narcisista (no bom sentido
da palavra). É
preciso entender que a escrita é uma marca narcísica, tal qual uma
cicatriz que carregamos por toda a vida. Esse desejo intenso de
escrever pode ser, sim, considerado uma compulsão narcísica que
tanto pode trazer
frustração quanto prazer ou gratificação. E quem não a tem ou
teve atire a primeira pedra.
Não sei se isso é um caso de
narcisismo clássico:
Quanto
a minha dificuldade de ordem gramatical e ortográfica,
um dia, ouvi
algo que
me deixou muito
animado. No
lançamento do segundo livro de
George Bronzeado de Andrade,
“Retalhos
da Memória” na
Academia Paraibana de Letras em 2015, em
conversa particular com o
jornalista e escritor Hélder Moura,
autor do livro “O
Incrível Testamento de Dom Agápito”,
de repercussão na Alemanha, Itália e França, assim
ele se referiu sobre os
escorregos que geralmente
damos em nossa linga mãe:
“Ainda hoje, nas releituras que faço do livro que
lancei em 2012, encontro algumas incorreções. Toda
vez que passo a vista em suas páginas encontro algo que necessita de
ajuste. É um negócio sem fim”.
Oito
anos atrás, em um o ensaio postado
nesse recanto do Google que tinha
por título “Vivo
―
Por Isso Escrevo”,
assim me expressei
sobre esse prazer de escrever que nasceu bem cedo em minha vida:
“...aquele mesmo impulsivo desejo de adolescente, agora,
vendo-me entrar nos umbrais da velhice, me anima a ESCREVER ―
LER ―
ESCREVER ― LER,
sem parar, com avidez ainda maior que nos tempos de outrora”.
Foi
no dia 06 de agosto de 2006
que juntei os artigos escritos em rascunhos
e arquivados em
uma pasta do
computador nos
três primeiros meses de 2006
(três
poesias, um verso de cordel e
duas crônicas) e, em menos de duas horas, transferi tudo para o blog, nessa
ordem:
“Contos
Escondidos” ―
“Amigo”
―
“Tardes
de Domingo” ―
“Poema
de uma Avó para Uma Neta”
―
“Dia
de Mãe” e
“Um
Nostálgico Fim de Tarde”.
Pronto, estava inaugurado o
“Ensaios & Prosas”.
Bendita
blogosfera que trocou minha caneta da marca Compactor
por um silencioso e macio teclado, e minha folha de papel almaço
pela
tela deslumbrante
do Word ―,
dádivas
maravilhosas
que
nos
meus anos de
colegial sequer podia
imaginar
que um
dia a tecnologia viria
oferecer.
Por
Levi B. Santos
Guarabira,
05 de agosto de 2016
2 comentários:
Caro Levi,
Primeiramente parabéns pelos seus 10 anos de blogosfera. E agora tá explicado por que por muitas vezes achava em minha mente que o seu site se chamasse "Versos e Prosas"... (rsrsrs)
De fato, o Blogger e outros sites semelhantes que foram surgindo vieram para democratizar esse partilhar dos internautas. O que antes as pessoas deixavam guardado num caderninho de memórias, sedo legado, no máximo, a alguns descendentes, agora pode ser exposto pela tecnologia para toda a a humanidade ler, comentar e divulgar.
Por outro lado, vejo que o excesso de informações invadiu a rede, o que dificulta um pouco aos interessados achar algum trigo no meio de tanto joio bem como restar uma sobra de tempo.
Tempos atrás a blogosfera brasileira se auto-divulgava. Nos últimos anos, porém, o Facebook arrebatou muitos internautas e agora esse WhatsApp esvazia as redes sociais pela formação de grupos menores em que a oralidade dos áudios toma o lugar da escrita. Só que, por se tratar de um ambiente virtual impróprio para longas leituras, acho que os blogues terão a chance de renascer. Só que com uma menor interatividade nos comentários.
Quanto ao seu blogue, o que mais se referencia pra mim são os seus textos de conteúdo mais psicanalítico embora bem sei que escreve poesia e também sobre cultura. Muitos de seus artigos despertam o interesse do leitor por analisar o inconsciente das pessoas e de si próprios buscando um outro tipo de leitura para os comportamentos.
Três anos mais novo que o seu blogue, comecei a blogar no final de 2009. Desde 2006, quando pretendia vir candidato a vereador em 2008, uma pessoa me orientava a criar um blogue. Demorei a aceitar a ideia dela até que comecei meus primeiros textos em ocasionalmente. Quando foi no ano seguinte, todo mês postava alguma coisa.
Não tive outro blogue pessoal. Acho que basta um. Fiz e continuo fazendo parte de três de postagens coletiva. Além das confrarias dos fora da gaiola e de teologia (Logos e Mythos), também administro um blogue sobre propostas para o município onde moro. Isto achei mais conveniente tratar de algumas questões locais mais específicas em um ambiente direcionado do que expor coisas no meu blogue pessoal acessado por internautas de vários lugares do Brasil e até do estrangeiro.
Mas é isso aí. Mais uma vez o parabenizo e fico feliz que essa emblemática comemoração esteja coincidindo com a abertura dos jogos olímpicos do Rio.
Um abraço.
Felicitações e mais 10 anos, querido Levi!
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