Página
da Revista “O Cruzeiro” Noticia a Morte de Vargas
Guardo
muitas lembranças da ruazinha pacata de Alagoa Grande – PB, onde
morava. Às vezes me bate uma saudade danada do tempo em que os
moradores possuíam
rádios das marcas Phillips, Pionner e
Telefunken. Lembro que esses
aparelhos, em sua maioria, ficavam ligados em volume exagerado desde
o início do dia até as oito horas da noite, horário em que as ruas
ficavam praticamente desertas, pois todos (adultos e crianças) se
recolhiam aos seus lares para, num silêncio sepulcral (e às vezes
entre lágrimas), ouvir circunspectos os capítulos emocionantes de
umas das novelas de maior audiência de todos os tempos: “O
Direito de Nascer”
(Vide Link).
Foi
na manhã ensolarada do dia 24 de agosto de 1954 (a 17 dias de
completar meus oito anos de idade) que, de uma hora para outra, uma
notícia triste transmitida pelas ondas radiofônicas varreu às ruas
de forma rápida ― “Getúlio se matou” ―,
ocasionando alvoroço entre
os adultos
da minha pequena cidade.
As emissoras de maior audiência naquela época eram, a
Borborema, a Cariri e a Caturité de Campina Grande (cidade polo que
dista 40 quilômetros da minha) que, em cadeia com a Rádio Nacional,
repercutiram a voz nervosa do locutor Heron Domingues
do famoso Repórter Esso em sua edição da manhã, dando em
primeira mão a notícia do suicídio de Getúlio:
“Atenção! Aqui fala o Repórter Esso em edição
extraordinária! Acaba de suicidar-se em seus aposentos, no Palácio
do Catete, o presidente Getúlio Vargas”.
Minutos
após a notícia
do suicídio do
presidente da república,
o “Reporter
Esso” passaria
o restante do dia repetindo a melancólica
Carta
Testamento
deixada pelo
suicida (Vide
Link).
Mesmo
sem entender nada do jogo político-partidário daquela época,
fui, de certa forma,
envolvido pela comoção que se abateu sobre a maioria dos habitantes
de minha saudosa terra natal.
Pranteavam o morto como se tivessem perdido um pai ou avô. Durante
todo o dia, e entrando pela noite, detalhes da tragédia foram
incessantemente divulgados. Getúlio entrara para a
história como o primeiro presidente da república a se matar em
pleno palácio do Catete – residência oficial presidencial situada
no Rio de Janeiro.
Mesmo
em meio a essa grande tragédia nacional, por paradoxal que seja, a
novela “O
Direito de Nascer”,
continuou líder de audiência no horário nobre das oito da noite.
Na noite do dia 24 de agosto
de 1954 chorava-se duplamente: ao ouvir os personagens injustiçados
da rádio-novela e diante das palavras comoventes da Carta
Testamento(Vide
Link).
Esse escrito destinado a
posteridade, atribuído a Getúlio,
inspirou
muitos
poetas violeiros a
contarem a tragédia em versos de cordel na forma de folheto
(texto
literário
popular muito apreciado na época), geralmente, vendido nas feiras
livres da cidade.
Não
fiquei durante todo o dia 24 de agosto só ao pé do rádio, também
corri às ruas vizinhas para ouvir os comentários e as fofocas
politiqueiras sobre a triste tragédia que consternou a todos os
moradores da minha humilde cidade (celeiro de políticos, como
Osvaldo Trigueiro, Raimundo Onofre, Edgar
Nóbrega e do grande compositor, Jackson do Pandeiro)
A
Revista Ilustrada semanal “O Cruzeiro” do paraibano de
Umbuzeiro, Francisco de Assis Chateaubriand,
era a única que chegava até o meu torrão natal. Só as a pessoas
ilustres da cidade adquiriam esse volumoso e maravilhoso semanário.
E eu, ansioso, ficava na espera de que o rico fazendeiro Sr. Oscar
e seus filhos Flávio,
Cristóvão, Nazaré e Socorro,
que moravam a cem metros da minha casa, pudessem ler a
revista para depois me repassarem. Lembro que ficava abismado com
tudo que a famosa revista, já toda amassada de passar de mãos em
mãos, trazia em suas supercoloridas páginas, cujo papel brilhoso e
macio era importado da Argentina. “O Cruzeiro” tinha o
formato e dimensões da revista Manchete, que mais tarde os
Blochs editariam, após o fechamento do saudoso
semanário em 1974.
Por
sinal, a manchete de “O Cruzeiro” em letras garrafais –
“Com um Tiro no Coração, o Presidente Encerrou Sua Agitada
Vida de Homem Público” –, veio com a data de 04
de setembro de 1954, sete dias antes da comemoração dos meus oito
anos de idade. Das 126 páginas que compunha a edição que tratava
da morte trágica de Getúlio, nada mais nada menos que
cinquenta duas fotos ampliadas eram relativas ao suicídio do
indigitado presidente e a consequente reação do povo nas ruas de
São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e São Borja – RS.
Para
se ter ideia da grandeza da revista do paraibano de Umbuzeiro, basta
saber que a revista VEJA, hoje, a de maior circulação
semanal no país, tem uma quantidade de páginas (variando de 95 à
102) menor que a editada por Assis Chateaubriand.
Ressalte-se que a dimensão da página de Veja corresponde à metade
da página da antológica “O Cruzeiro”.
O
jornalista Theófilo de Andrade, em um artigo de página
inteira na revista “O Cruzeiro” da última semana de
agosto de 1954 sob o título “O Último Caudilho”, fez uma
emocionante narrativa dos instantes mais marcantes da vida de Vargas.
Esse foi o parágrafo final de sua histórica reportagem: “E
foi assim que, pelas próprias mãos, terminou uma vida
extraordinária, que encheu três décadas da existência da
República.”
Por
Levi B. Santos
Guarabira,
23 de agosto de 2016
5 comentários:
Interessante o seu relato, Levi. Trata-se da História testemunhada pelo olhar de quem, na época, era só uma criança, não recebendo ainda as informações na mesma velocidade da TV e da internet. Uma época que não peguei pois, quando era menino, a televisão já havia chegado. Porém, lembro-me da Manchete e conheci o irmão do dono que foi o escritor e terapeuta Pedro Block.
O Chatô foi de fato o homem que projetou Getúlio na política antes mesmo da Revolução de 30. Levou o nome da então nova moeda brasileira e a seu tempo contribuiu para o nosso progresso.
A leitura junto com o rádio certamente estimulavam mais o pensamento das pessoas do que simplesmente assistir imagens. Ao escutar uma novela, o ouvinte precisa exercitar a imaginação e tem a oportunidade de refletir sobre as frases ditas pelo locutor ainda que pudesse ser laçado por algum sofisma indutor das mentes.
Lendo seu relato, fico imaginando que a morte de Getúlio deve ter causado uma comoção maior que as de Tancredo e de Senna, mesmo estes tendo morrido na época da TV. Talvez porque as muitas informações e programações nas mídias cada vez mais fartas acabem distraindo-nos do sofrimento. Curioso que, segundo colocou, ninguém deixou de assistir a novela...
Abraços.
“O Chatô foi de fato o homem que projetou Getúlio na política antes mesmo da Revolução de 30. Levou o nome da então nova moeda brasileira e a seu tempo contribuiu para o nosso progresso.” (Rodrigo)
Quem corrobora com o que você afirmou no trecho de seu comentário acima replicado, é o escritor Fernando de Morais, autor de “Chatô – O Rei do Brasil”, um calhamaço de 600 páginas (li há três meses) que recentemente deu origem ao filme (com o mesmo título) muito aplaudido pela crítica cinematográfica do país.
Fernando de Morais relata que foi Assis Chateaubriand foi quem que acabou com a dobradinha Café com Leite (candidato a presidência da república só podia vir de Minas ou de São Paulo, através de revezamento).
O poderoso, inteligente e sagaz, Chatô, foi buscar o desconhecido Getúlio Vargas em São Borja – RS, para encabeçar a chapa da Aliança Liberal, tendo como vice – João Pessoa (governador da Paraíba) – sobrinho do ex-presidente Epitácio Pessoa, que como o dono dos maiores jornais do país e da Revista O Cruzeiro, eram também de Umbuzeiro – PB.
Tempos depois da revolução de 1930, Getúlio botou a unhas de fora e pendeu para o lado anti-liberal. Isso foi o bastante para Chatô cortar a relação de amizade que tinha com Vargas.
Se você não leu, caro Rodrigão, vale a pena ler esse volumoso livro sobre Chatô ─ o homem que comandou um bom pedaço da história política brasileira na primeira metade do século XX.
Chatô, ao que me parece, teria conhecido Getúlio quando este era deputado federal pelo PRR (Partido Republicano Riograndense) e contribui muitíssimo para que ele viesse a ser ministro de Washington Luís, depois governador gaúcho e, finalmente, presidente. Por um tempo, ele aproveitou-se dos desentendimentos entre Minas e São Paulo para aproximar Vargas de Antonio Carlos. Sem dúvida, o livro que mencionou é uma boa sugestão de leitura, Levi!
Para quem se interessa pela construção de uma terceira via na política, ler sobre a Revolução de 1930 é algo importante. Se bem que, até Washington Luís tentar fazer um sucessor paulista, não havia uma polarização no Brasil já que Minas e São Paulo se davam bem como no nosso tradicional café da manhã.
Nunca pensei tanto o suicídio do Getúlio, como ultimamente.
Para aonde estamos indo?
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