André
Gide, Freud e Marcel Proust foram contemporâneos. Nos primeiros 25
anos do século XX, já concordavam entre si, que a mãe se
constituía o primeiro objeto de amor da criança, e que isso se
repercutiria nas identificações que ocorreriam na vida adulta do
indivíduo. André perdeu o pai aos doze anos de idade e, segundo
estudiosos de sua biografia, ficou submetido aos ditames de sua
rígida mãe. Lavando em consideração esse fato, o diálogo entre a
mãe e o filho pródigo tem, ainda hoje, em suas entrelinhas, algo
profundo, proveniente dos arquivos psíquicos da tenra infância do ser humano. Foi na fervilhante França da “Belle époque” que se
começou a explorar os recalques de natureza psíquica que se
escondiam por trás das máscaras sociais.
Sobre
o autor, quando era criança, há quem diga que as histórias que sua
mãe contava junto ao leito para que conciliasse o sono,
influenciaram todas as suas obras posteriores.
A
atração que a mãe exerce sobre o filho pródigo está bem evidente
nessa parte do emblemático diálogo: “Não há nem um só de
meus pensamentos de ontem que não se tenha hoje tornado em vão”
— diz o filho. A função
de mãe é tão forte e tão alienante em Gide, que fez com que o
filho pródigo da parábola abdicasse de escolher uma esposa para
ele. Embevecido pelo seu lado maternal, deixou para sua genitora a
determinação de fazer a escolha segundo seus anseios, como bem
evidencia essa parte do diálogo: “Não importa qual seja a
preferida, desde que vós a escolhais”. A mãe convencerá
o filho pródigo a ser parecido com os que, em sua ausência, ficaram
em Casa. Resignadamente, dirá o filho rebelde: “Meu único
anseio daqui por diante é parecer-me a vós todos”, em
contraposição às falas anteriores entre mãe e filho: “Que
buscavas então lá fora? (pergunta a mãe). “Buscava…
quem eu era”(responde o filho).
Quando
a função materna sobrepuja a função paterna se eternizando ou se
fixando na psique da criança, influências afetivas derivadas desse
tipo de alienação se interpõem nos futuros inter-relacionamentos
do sujeito, considerado transgressor pelo status social.
(Resenha
― Por Levi B. Santos)
Pródigo
filho, cujo espírito recalcitra ainda com os argumentos do irmão,
deixa agora teu coração falar. Como se sentes bem, reclinado aos
pés de tua mãe sentada, com o rosto apoiado nos joelhos dela a
sentir-lhe a mão que te acaricia a nuca rebelde.
— Por que ficaste tanto tempo longe de mim?
E
como respondes apenas com tuas lágrimas:
— Para
que chorar agora, meu filho? Foste me devolvido. À tua espera verti
todas as minhas lágrimas.
— Sempre
estivestes à minha espera?
— Jamais
deixei de te esperar. Antes de dormir, pensava, a cada noite: se ele
voltar ainda hoje, saberá como abrir a porta? E levava muito tempo a
dormir. Cada manhã, antes mesmo de levantar-me, pensava: será hoje
que ele voltará? Depois rezava. Rezei tanto, que tinhas certamente
de vir.
— Vossas
preces forçaram meu retorno.
— Não
te rias de mim, meu filho.
— Ó
mãe! Eu volto com humildade. Vede como ponho minha fronte abaixo de
vosso coração! Não há um só pensamento de ontem que não se
tenha hoje tornado em vão. Só agora compreendo, perto de vós, por
que abandonei a casa.
— Não
partirás mais?
— Não
posso mais partir.
— Que
então te atraía lá fora?
— Não
quero mais pensar nisso: nada… Eu mesmo.
— Achas
que podias ser feliz longe de nós?
— Não
era a felicidade que eu buscava.
— Que
buscavas então?
— Buscava…
quem eu era...
Trecho do diálogo sobre a esposa que o filho pródigo irá tomar:
— Já vos disse: farei por me parecer com meu irmão mais velho; administrarei meus bens; como ele, tomarei esposa…
— Sem dúvida pensas em alguém, quando dizes isso.
— Oh! Não importa qual seja a preferida, desde que vós a escolhais. Fazei como fizestes com meu irmão.
— Gostaria de escolhê-la de acordo com teu coração.
Trecho do diálogo sobre a esposa que o filho pródigo irá tomar:
— Já vos disse: farei por me parecer com meu irmão mais velho; administrarei meus bens; como ele, tomarei esposa…
— Sem dúvida pensas em alguém, quando dizes isso.
— Oh! Não importa qual seja a preferida, desde que vós a escolhais. Fazei como fizestes com meu irmão.
— Gostaria de escolhê-la de acordo com teu coração.
(*)
André Gide
De
“A Volta do Filho Pródigo”, reproduzi, acima, uma pequena parte
do capítulo “Mãe”, encimada por uma diminuta resenha de minha parte. Sem a
leitura do interessantíssimo capítulo que trata da surpreendente conversa do Pródigo com seu irmão mais novo (O Caçula que tinha dez anos quando o filho pródigo partiu) encerrando o antológico ensaio de André Gide, o leitor(ou leitora) não irá
entender o jogo subjetivo, intrínseco da alma
humana, que tem na mãe, no pai e nos irmãos, os elementos
primordiais constitutivos da própria história do indivíduo.
O antológico livro “A Volta do Filho Pródigo” de André Gide,
escrito em 1909, contêm ainda mais quatro fenomenais ensaios: “O
Tratado de Narciso”, “A Tentativa Amorosa”, El Hadj, Filoctetes
e Betsabe. Estando a disposição dos leitores nas Livrarias Saraiva
(Saraivadebolso) — Tradução
de Ivo Barroso. Obra imperdível para os apreciadores da boa
literatura de fundo psicanalítico.
LINK:
Guarabira,
17 de fevereiro de 2017