17 fevereiro 2017

“A Mãe” — Resenha e Um trecho da 3ª Parte de “A Volta do Filho Pródigo”





André Gide, Freud e Marcel Proust foram contemporâneos. Nos primeiros 25 anos do século XX, já concordavam entre si, que a mãe se constituía o primeiro objeto de amor da criança, e que isso se repercutiria nas identificações que ocorreriam na vida adulta do indivíduo. André perdeu o pai aos doze anos de idade e, segundo estudiosos de sua biografia, ficou submetido aos ditames de sua rígida mãe. Lavando em consideração esse fato, o diálogo entre a mãe e o filho pródigo tem, ainda hoje, em suas entrelinhas, algo profundo, proveniente dos arquivos psíquicos da tenra infância do ser humano. Foi na fervilhante França da “Belle époque” que se começou a explorar os recalques de natureza psíquica que se escondiam por trás das máscaras sociais.

Sobre o autor, quando era criança, há quem diga que as histórias que sua mãe contava junto ao leito para que conciliasse o sono, influenciaram todas as suas obras posteriores.

A atração que a mãe exerce sobre o filho pródigo está bem evidente nessa parte do emblemático diálogo: “Não há nem um só de meus pensamentos de ontem que não se tenha hoje tornado em vão” diz o filho. A função de mãe é tão forte e tão alienante em Gide, que fez com que o filho pródigo da parábola abdicasse de escolher uma esposa para ele. Embevecido pelo seu lado maternal, deixou para sua genitora a determinação de fazer a escolha segundo seus anseios, como bem evidencia essa parte do diálogo: “Não importa qual seja a preferida, desde que vós a escolhais”. A mãe convencerá o filho pródigo a ser parecido com os que, em sua ausência, ficaram em Casa. Resignadamente, dirá o filho rebelde: “Meu único anseio daqui por diante é parecer-me a vós todos”, em contraposição às falas anteriores entre mãe e filho: “Que buscavas então lá fora? (pergunta a mãe). “Buscava… quem eu era”(responde o filho).

Quando a função materna sobrepuja a função paterna se eternizando ou se fixando na psique da criança, influências afetivas derivadas desse tipo de alienação se interpõem nos futuros inter-relacionamentos do sujeito, considerado transgressor pelo status social.


(Resenha ― Por Levi B. Santos)



Pródigo filho, cujo espírito recalcitra ainda com os argumentos do irmão, deixa agora teu coração falar. Como se sentes bem, reclinado aos pés de tua mãe sentada, com o rosto apoiado nos joelhos dela a sentir-lhe a mão que te acaricia a nuca rebelde.

Por que ficaste tanto tempo longe de mim?
E como respondes apenas com tuas lágrimas:
Para que chorar agora, meu filho? Foste me devolvido. À tua espera verti todas as minhas lágrimas.
Sempre estivestes à minha espera?
Jamais deixei de te esperar. Antes de dormir, pensava, a cada noite: se ele voltar ainda hoje, saberá como abrir a porta? E levava muito tempo a dormir. Cada manhã, antes mesmo de levantar-me, pensava: será hoje que ele voltará? Depois rezava. Rezei tanto, que tinhas certamente de vir.
Vossas preces forçaram meu retorno.
Não te rias de mim, meu filho.
Ó mãe! Eu volto com humildade. Vede como ponho minha fronte abaixo de vosso coração! Não há um só pensamento de ontem que não se tenha hoje tornado em vão. Só agora compreendo, perto de vós, por que abandonei a casa.
Não partirás mais?
Não posso mais partir.
Que então te atraía lá fora?
Não quero mais pensar nisso: nada… Eu mesmo.
Achas que podias ser feliz longe de nós?
Não era a felicidade que eu buscava.
Que buscavas então?
Buscava… quem eu era... 
Trecho do diálogo sobre a esposa que o filho pródigo irá tomar:
Já vos disse: farei por me parecer com meu irmão mais velho; administrarei meus bens; como ele, tomarei esposa…
 Sem dúvida pensas em alguém, quando dizes isso.
Oh! Não importa qual seja a preferida, desde que vós a escolhais. Fazei como fizestes com meu irmão. 
Gostaria de escolhê-la de acordo com teu coração.

(*) André Gide



De “A Volta do Filho Pródigo”, reproduzi, acima, uma pequena parte do capítulo “Mãe”, encimada por uma diminuta resenha de minha parte. Sem a leitura do interessantíssimo capítulo que trata da surpreendente conversa do Pródigo com seu irmão mais novo (O Caçula que tinha dez anos quando o filho pródigo partiu) encerrando o antológico ensaio de André Gide, o leitor(ou leitora) não irá entender o jogo subjetivo, intrínseco da alma humana, que tem na mãe, no pai e nos irmãos, os elementos primordiais constitutivos da própria história do indivíduo.

O antológico livro “A Volta do Filho Pródigo” de André Gide, escrito em 1909, contêm ainda mais quatro fenomenais ensaios: “O Tratado de Narciso”, “A Tentativa Amorosa”, El Hadj, Filoctetes e Betsabe. Estando a disposição dos leitores nas Livrarias Saraiva (Saraivadebolso) Tradução de Ivo Barroso. Obra imperdível para os apreciadores da boa literatura de fundo psicanalítico.

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Guarabira, 17 de fevereiro de 2017

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