27 março 2018

NEGAR PARA NÃO SOFRER



 
 
Essa arte eu aprendi logo cedo
 
Aprendi desde os tempos das primeiras letras:
 
“Negar para não sofrer”.

 
 
Na volta da escola por meu pai sabatinado:
 
Brigou com alguém?! — Olhe isso no seu rosto!
 
— Escorreguei, bati com a cabeça na parede.
 
Mostre-me o boletim, quero ver suas notas?!
 
—A professora nesse bimestre não entregou.

 
 
Transformei-me em um artista
 
Na arte de evitar o padecimento pelas cobranças paternas.
 
Aprendi que a negação sempre adia o sofrimento.

 
 
Pra que mentir?!
 
Meus pais já se foram – sou um adulto
 
Agora não preciso mais negar o que sinto em oculto.
 
Eis que num belo dia não pude revelar um DESEJO.
 
A mesma sensação dos tempos de escola
 
Reapareceu. Voltou?!

 
 
Lá estava entranhada a velha opção
 
Lá estava o vigia
 
Que da sala de minha consciência tomava conta.
 
E para não incorrer no risco doloroso
 
De ver o meu desejo ser exposto pelo Rigoroso Guarda
 
Protegi-me com o manto da ansiedade.

 
 
Algo em mim me fez agir como o débil aluno de outrora
 
Fiquei tenso, de rosto avermelhado
 
Quando Ele perguntou-me:
 
“Ainda sonhas acordado?”
 
 
Neguei para não sofrer de novo...

 
Enquanto bradava um “Não” bem forte
 
Em secreto, lá dentro, eu inquiria:
 
“Por que não me abandonaste, ó Pai?!
 
Como gostaria de continuar Te negando
 
Para continuar LIVRE do sofrer!”

 
Por Levi B.Santos
 
Guarabira, 12 de novembro de 2010

 

3 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Boa noite, Levi.

Refletindo sobre seu texto, fiquei a pensar. Será que a educação paterna não poderia ser o contrário: Afirmar para não sofrer?

Acho que ainda não conseguimos desconstruir a imagem daquele Deus hebraico no Éden cuja presença fez o homem esconder-se de sua presença. Se bem que foram as próprias palavras de Adão que teria levado Deus a inquiri-lo quando confessou estar nu. E seu passo seguinte foi culpar a mulher.

No entanto, o Deus neotestamentário é predominantemente compreensivo com os delitos humanos e de nós se aproxima na pessoa do Filho dizendo para irmos em paz porque os pecados estão perdoados. Pede-nos consciência e não o temor. Só que ainda assim, não conseguimos esquecer a imagem do Deus que um dia falou que, se comêssemos do fruto proibido morreríamos.

Vejo que a busca por essa nova pedagogia é um longo processo em que muito precisa ser feito.

Um abraço e ótimo feriado!

Levi B. Santos disse...

Quem, de nós, Rodrigo, não lembra das travessuras ou estripulias que realizávamos às escondidas de nossos pais, quando crianças. Quando inquiridos por nossos genitores, mentíamos para escapar da pena.

Às vezes, o tiro saía pela culatra, como ocorreu com o personagem Adão, após a desculpa esfarrapada, perante seu Criador, no "Mito da Criação". Nos evangelhos, o personagem bíblico, Pedro, negou ser discípulo de Jesus. Para não sofrer respondeu: "Não o conheço". Mas a páscoa tem a ver também com o perdão para quem, no "pega pra capar", cai na fraqueza de negar, para não sofrer. Ou não?

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Bem lembrado, Levi, sobre a negação de Pedro. Talvez nem seja tanto por culpa da educação que a criança recebe, mas, sim, por fazer parte de um processo de amadurecimento de nós todos até que venhamos a compreender algo além que é o amor.

Feliz Páscoa!