24 setembro 2018

O Discurso Como Mecanismo de Defesa







Dentre os mecanismos psíquicos de defesa desenvolvidos por Freud um, muito usado, para defender ou escamotear interesses individuais e de grupos que se sentem em posição desconfortável, é a racionalização, geralmente, bem articulada em forma de discurso.

O discurso, quase em tom de desespero, do sociólogo e ex-presidente da república, FHC, realizado recentemente em forma de carta (dia 20), se enquadra muito bem nessa categoria freudiana. Na verdade, esse tipo de discurso de última hora, quando o barco está a naufragar, tem, por incrível que pareça, a função de proteger a pessoa declamante ou o grupo com o qual se identifica. Não é à toa que a psicanálise reza que no lado avesso do discurso elaborado sob forte ressentimento(a carta de alerta dirigida aos eleitores) reside o medo do autor perder algo de si ou para si que ele considera de crucial valor ou importância.

Em meio ao pedido de socorro vindo de altos escalões de nossa república, alguns, de forma escancarada (em nome de uma suposta paz), incitam a renúncia de um dos dois principais postulantes ao cargo de presidente da república, como a melhor das soluções. Dizem até: a pátria em situação de extrema gravidade está a exigir o sacrifício de um dos que estão em primeiro lugar nas pesquisas. Aqui, é bom que se ressalte: o mecanismo de defesa psíquica interessa ou favorece mais ao autor da carta de alerta fora de tempo, movido, pelo menos inconscientemente, por um sentimento de culpa.

Freud descobriu a nascente desses mecanismos de defesas: eles têm origem na infância e perduram por toda a idade adulta. Foi a partir do pai e contra ele (como autoridade patriarcal) que a criança em tenra idade iniciou o desenvolvimento de todos os tipos de defesa, como: introjeção ou recalque, negação, projeção, reação e a tal racionalização. Desde a aurora de nossas vidas fazemos uso desses mecanismos de defesa que, da instância do Superego (Pai simbólico ou imaginário), nos ameaça punir com a culpa diante das astúcias do ego.

A expressão popular “discurso da boca para fora” , em ocasiões sombrias, quando o jogo jogado se encontra aos 40 minutos do segundo tempo, tem lá a sua razão de ser dita. “Os humanos têm uma forte necessidade de viver em grupos, próximos um dos outros. Mas essa necessidade entra em conflito com sua agressividade inata e seu desejo de se satisfazer egoisticamente. [..] Para muito de nós, a tentativa de reduzir a culpa, evitá-la ou expiá-la é um importante motivador” (Michael Kahn – “Freud Básico” – Editora Civilização Brasileira).

Como a História é cíclica, basta dirigir o olhar para trás, a fim de perceber que não só em nossos adversários, como em nós mesmos, e entre nossos amigos, esse fenômeno chato e doloroso está repetidamente sendo recriado. Interessante, é que dois dias após sua carta-discurso, FHC veio a público afirmar pelo Twitter que sua carta tinha sido dirigida ao povo, e não aos partidos (às cabeças pensantes responsáveis pela sopinha de letras que inunda o país). E aí, a emenda saiu pior do que o soneto, pois, o sociólogo incorreu em mais dois mecanismos de defesa muitíssimo estudado por Freud: o de negação e o de projeção. O tom da carta deu a impressão de uma mera forma de negar (junto às altas cúpulas) ser responsável pela atual situação vexatória; situação que, ao contrário de sua argumentação de fundo defensivo, foi obra executada em seus minimos detalhes, de cima para baixo. Pasmem: através do mecanismo de projeção pôs toda a culpa na conta do povo, com essa infeliz frase, endereçada aos eleitores: “Ainda há tempo para deter a marcha da insensatez”

Faltam poucos minutos para o término da partida: agora, é só esperar, para ver o resultado daquilo que foi plantado entre nós. Espernear não adianta. O choro pelo descaso e a indiferença para com o sofrido povo, inevitavelmente, não vão trazer de volta o leite derramado.


Por Levi B. Santos
Gurabira, 23 de setembro de 2018

OBS:
Imagem do Topo: "O Inconsciente é a Verdadeira Realidade Psíquica" Sigmund Freud (1856 - 1939) O Livro da Psicologia ― GloboLivros

2 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Boa tarde, Levi.

Realmente não há como os políticos deste país dos vários partidos e tendências deixarem de reconhecer que têm uma parcela de responsabilidade com o que está acontecendo hoje em que o populismo de direita se apresenta para um percentual de eleitores (geralmente da classe C) como solução para o caos da corrupção, da violência e do abandono do país, em geral. Pois, tal como em 1989, temos hoje um outro "salvador da pátria", mas que, felizmente, não seria tão aceito quanto o primeiro presidente eleito depois da redemocratização.

Entretanto, eis que, da outra ponta, temos a criatura dois que seria um novo projeto do ex-presidente Lula (o populismo de esquerda) para tentar restabelecer a ordem social abalada pelos dois anos de um temeroso desgoverno pós-impeachment. E o trunfo encontra-se justo no fato de que o petista foi realidade e seus erros não causaram um déficit no país devido ao bom momento da economia vivido na maior parte da década passada. Logo, eis que a maioria quer a segurança que teve num passado que, apesar de ter sido de pouca significância para muitos da classe média, representa a melhor oportunidade de melhoria para o pobre depois da era Vargas.

Problema é que o povo não reflete acerca dessas questões e creio que nem teria condições pela falta de uma boa formação educacional já que a escola, nesses anos todos, aprovou alunos sem lhes transmitir o necessário conhecimento.

Todavia, o pior de tudo foi o Temer cujo governo, ao invés de estabilizar social e politicamente o país, criou uma rejeição tão grande que até Dilma Rousseff, a criatura 1, hoje retornaria nos braços do povo. E, neste caso, faço minhas indagações se de fato o impeachment fez bem ao país. Aliás, FHC, no começo era contra e acabou embarcando na onda em que entrou o partido. E, quando se defendeu as diretas, poucos tucanos como o ex-presidente e o o deputado estadual daqui do Rio Luiz Paulo (ex-brizolista) defenderam tal bandeira que não foi adiante.

Enfim, estamos chegando nos últimos trechos da "pinguela" que, infelizmente, não nos levou até à outra margem. E antes tivesse a Dilma ainda no poder para que, desta vez, o PSDB pudesse substituí-la.

Ótima semana!

Levi B. Santos disse...

É, Rodrigão

O que estão colhendo tem tudo a ver com o que plantaram. Sabemos muito bem porque não querem admitir o "Mea Culpa". O não arrependimento é o sinal mais eloquente de que querem por que querem o continuísmo de práticas fisiológicas maquiavélicas para seu belprazer, não estando nem aí para a situação dos seus dilapidados eleitores.

Isso tudo me faz lembrar, agora, o personagem de Chico Anysio, Justo Veríssimo, cujo bordão por ele emitido "Eu quero é que o Pobre se exploda" se tornou célebre em nossos rincões.