Não
havia ocasião mais propícia para Freud se debruçar sobre o
comportamento das massas em face do eu individual, que a do fim da
Primeira Grande Guerra Mundial. Só em 1921 é que o mundo acadêmico da Europa pode, afinal, conferir seu livro “Psicologia das Massas e
Análise do Eu”. Sem dúvida, foi desse mega-conflito mundial
que o velho barbudo, conseguiu obter material de sobra para sua
extraordinária obra que, ainda hoje, repercute nas hostes
psicanalíticas ―
referência para quem deseja dar um mergulho com profundidade no
mundo psíquico e no ativismo ideológico que dele se origina.
Freud
recorre a Gustave Le Bon, que o antecedeu no estudo da alma coletiva
das massas. Ele achou por bem ressaltar (entre aspas) o que seu
antecessor deixou escrito, e que faço questão de replicar, por
entender que é de crucial importância para a compreensão do que
acontece no momento, aqui, nas terras de D. João VI:
Escreveu
Freud
Agora
passo a palavra a Le Bon. Ele diz:
“O
fato mais singular, numa massa psicológica, é o seguinte: quaisquer
que sejam os indivíduos que a compõem, seja semelhantes ou
dessemelhantes o seu tipo de vida, suas ocupações, seu caráter ou
sua inteligência, o simples fato de se terem transformado em massa
os torna possuidores de uma espécie de alma coletiva. Esta alma os
faz sentir, pensar e agir de uma forma bem diferente da que cada um
sentiria, pensaria e agiria isoladamente. [...]Para compreender esse
fenômeno, é preciso ter em mente algumas descobertas recentes da
fisiologia. Sabemos hoje que um indivíduo pode ser posto num estado
tal que, tendo perdido a sua personalidade consciente, ele obedece a
todas as sugestões do operador que a fez perdê-la, e comete os atos
mais contrários a seu caráter e costume. Ora, observações atentas
parecem provar que o indivíduo, mergulhado há algum tempo no seio
de uma massa ativa, logo cai ―
em consequência de eflúvios que dela emanam ―
num estado particular, aproximando-se muito do estado de fascinação
do hipnotizado nas mãos do hipnotizador. […] A personalidade
consciente se foi, a vontade e o discernimento sumiram. Sentimentos e
pensamentos são então orientados no sentido determinado pelo
hipnotizador. [...]Portanto, pelo simples fato de pertencer a uma
massa, o homem desce vários degraus na escala da civilização.
Isolado, ele era talvez um indivíduo cultivado, na massa é um
instintivo, e em consequência um bárbaro. Tem a espontaneidade, a
violência, a ferocidade, e também os entusiasmos e os heroísmos
dos seres primitivos”.
O
que me levou a empreender essa rápida revisitação a uma das mais
interessantes obras de Freud, foi exatamente o clima de histeria
coletiva que por ora, divide o país em duas tribos antagônicas a se
insultarem mutuamente.
Por
sinal, na Folha de São Paulo de ontem (dia 16), um artigo de Vera
Iaconelli (mestre e doutora em Psicologia pela USP e membro do
departamento de psicanálise da Sedes Sapientiae), não nego,
concorreu para me instigar a revisitar Freud em sua fenomenal obra,
editada em meio a Segunda Guerra Mundial. O Pai da
Psicanálise sustentava que o analista não deveria se engajar em
tribos partidárias em suas renhidas lutas políticas. Seguindo essa
linha freudiana, diz a doutora, em um momento de seu ensaio, sob o título:
“Posição Política de um Psicanalista”:
“Para
o psicanalista pouco importa em que seu paciente deve votar. […] o
paciente só fala de si mesmo, em infinitas versões. […] Nesse
ponto a ética do analista é não julgar e permitir que o paciente
escolha o que fazer com o que descobre de si. A sessão trata menos
do encontro entre o paciente e o analista do que do encontro do
paciente consigo mesmo, sustentado pela abstinência do analista. Se
nosso trabalho se baseia no exercício diário dessa abstinência,
como podemos vir a público repudiar um candidato e declarar nossa
intenção de voto?
[…]
Qualquer proposta política que propagandeie o uso do outro como bode
expiatório daquilo que não queremos reconhecer em nós é
antipsicanalítica e deve ser combatida como tal”.
O momento atual do “Nós contra
Eles” não difere muito do tempo em que viveu Freud, como
estudioso e perseguido que foi pelas elites científicas , sofrendo
os efeitos da Primeira e da Segunda Guerra Mundial. Quanto a esse
último duro conflito que, em sua essência, envolveu “semitas X
antissemitas”, para não ser morto, o fundador da psicanálise teve
que fugir para Londres, onde, em exílio, viveu seus últimos dias.
Foi lá na Inglaterra que, já cansado e gravemente enfermo, sem antes fazer algumas correções, traduziu para o inglês sua magistral obra, ainda hoje em evidência nos círculos
científicos e universitários ―
“O Futuro de Uma Ilusão”.
Por
Levi B. Santos
Guarabira,
17 de outubro de 2018
3 comentários:
Boa tarde, Levi. Pode ser que, nesses mutáveis tempos de aplicativos de smartphones e achatamento do conhecimento, estejamos vivendo um outro tipo de tendência massificaste dentro da política. Porém, tenho minhas resistências a essa análise visto que, diferentemente do período entre guerras, temos hoje um enfoque maior no indivíduo. Haja vista as políticas de vendas das empresas quando se voltam para gostos personalizados. O que pode estar havendo seria um breve momento de identificação com o discurso teatral de um candidato que se apresenta como novo salvador da pátria, um filme que nós já assistimos nos anos de 1989 a 1992. Sem a solução dos principais problemas que afligem o cidadão, entre eles os da economia, é alta a possibilidade de haver uma decepção profunda em 2020
Corrigindo, quero dizer massificante e não massificastes.
Concordo quanto a análise do nos contra eles já que a tribo dominante fez do PT o inimigo comum enquanto o Bolsonaro virou o fascista. Porém, independentemente da questão da massificação, há uma visão voltada mais para fora do que para dentro. Ninguém quer se perceber no outro
A parábola do JOIO e do TRIGO, que deveria ser interpretada como metáfora dos dois afetos antagônicos que existem dentro de cada ser humano, é levada para atacar o outro. Ao considerar que em seu coração só reside o TRIGO(o Bem), o JOIO (o mal), por um mecanismo psíquico de defesa, automaticamente, é projetado no OUTRO.
Está aí a raiz de todos os fenômenos reolucionários de massa, caro Rodrigo.
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