Parece
que na vida de nosso país, apelidado de republiqueta das bananas, a
comicidade e a falta de seriedade no trato da coisa pública nunca se
revestiram de tão degradantes aspectos como os que acontecem nos dias
atuais.
A
comédia machadiana ―“Os
Deuses de Casaca” ―,
escrita em 1886 (há mais de 150 anos) cai como uma luva para
retratar a bagunça que está o país nesses últimos dias, onde
peças de péssima qualidade e óperas bufas são encenadas no grande
teatro dos três poderes situado no planalto central, que deram o
nome de Brasília ―
fantasioso palco onde os mais variados idealistas de ocasião exibem
suas maquiavélicas e caricatas incongruências, cada vez mais
escalofobéticas.
Os
afetos da natureza humana são ambíguos, como ambíguas são também as
almas dos que lá no panteão dos poderes exercitam seus neurônios.
Entretanto, a turbulência de seus inflamados egos não permite que
enxerguem o óbvio: a da necessidade de um mínimo de consenso diante
de suas facções rendidas à intolerância e ao ódio. Será que os
meliantes de nossas “sagradas casas”, não percebem que tudo se
inicia no vácuo da falta de vigilância, uma vez que o estar sempre alerta no
domínio de nossas feras interiores, afastaria o narcisismo
doentio e infantil responsável pela insana autofagia ― processo esse
que, ao fim e ao cabo, não deixará ninguém de pé?
Mas
o que fazer quando se teima em proceder como o escorpião da fábula,
que não resistiu ao instinto de injetar seu letal veneno no elefante
que gentilmente o conduzia a salvo, de um lado do rio para o outro.
“Desculpe, é a minha natureza” ―
foi a alegação do egoísta animal peçonhento, antes de afundar no
caudaloso rio, levando consigo o generoso animal que tinha resolvido
salvá-lo.
Se
o(a) leitor(a) tiver paciência de conferir o terceiro ato da peça ―
“Os Deuses de Casaca” ― vai notar que tudo o que Machado
escreveu, há mais de 150 anos, retrata, em fortes cores, os
conflitos intermináveis em uma Babel de línguas estranhas, onde
ninguém mais se entende.
Já
estamos por demais cansados de, no horário considerado nobre pela
sociedade, assistir a bate-bocas ou quebra paus que, a custa de
nossos suados impostos, os Jornais da TV aberta e fechada, veiculam
de forma sensacionalista. Com certeza, Machado de Assis, nosso
maior escritor e dramaturgo, retirou muito material do lamacento e
ignominioso mar dos “deuses de casaca” de seu tempo, para
relatar, com seu humor inconfundível, os dramas e comédias da velha
república que já nasceu viciada, na histórica Rio de Janeiro,
hoje, infelizmente saqueada e falida.
Replicarei,
abaixo, alguns trechos do diálogo entre Júpiter (o Grande Pai e Rei
dos deuses menores de Roma), seu filho Marte (Deus da Guerra), e
Apolo(Deus do Sol e da profecia) A similitude dos personagens da
comédia machadiana, com os atores das comédias sem pé nem cabeça
que estamos a assistir, ultimamente, chega até a nos surpreender. Personagens essas encomendadas exatamente para retratar as cenas
burlescas dos sombrios dias atuais , a partir do Olimpo de Brasília.
Irei
me deter no terceiro ato dessa insuperável peça de Machado de
Assis, pelo fato de estar eivada de termos, hoje, usados e abusados
nas divinas comédias do horário nobre nos canais de TV, em nossas
glebas. No diálogo republicano machadiano as falas esdrúxulas
usadas pelos atores são as que ainda hoje estão sendo brandidas pelos poderosos
comediantes da pós modernidade. Expressões como: “congresso
geral”, “artifício da
diplomacia”, “traidores”, reforma,
“uma horrível Babel, onde
a honra é de papel”.
Sem
mais delongas, passemos aos trechos emblemáticos que aqui prometi
replicá-los, do interessantíssimo diálogo entre ―
Marte, Júpiter e Apolo ― pinçados da peça "Os Deuses de Casaca" (de Machado de Assis):
MARTE:
―
Desgraçado
daquele que assim foge às lutas e à conquista!
JÚPITER:
―
Que
tens feito?
MARTE:
―
Oh!
Por mim, ando na pista de um Congresso geral. Quero, como fogo e
arte, mostrar que sou aquele antigo Marte –
que as guerras inspirou de Aquiles e de Heitor. Mas por agora
nada! É desanimador o estado desse mundo. A guerra, o meu ofício, é
o último caso, antes vem o artifício. Diplomacia é o nome;
a coisa é o mútuo engano. Matam-se, mas depois de um labutar
insano. Discutem, gastam o tempo, cuidado e talento, O talento
e o cuidado é ter astúcia e tento. […] A tolice no caso é falar
claro e franco.
JÚPITER
―Tens
razão, filho tens!
MARTE:
―
Que
acontece daqui? É que nesta Babel reina em todos e em tudo uma coisa
– o papel. É esta a base o
meio e o fim. O grande rei é o papel. Não há outra força, outra
lei. A fortuna o que é? Papel ao portador.
A
honra é de papel; é de papel o amor. O valor já não é aquele
ardor aceso, tem duas divisões –
é de almaço ou de peso.
Enfim,
por completar esta horrível Babel, a moral de papel faz guerra de
papel.
APOLO:
― Sinto
que o nosso esforço é baldado e imagino que não bateu a hora do
destino. Que dizes Marte?
MARTE:
― A
Reforma há de vir quando o Olimpo, outra vez, em nossas mãos cair.
Espera!
Por
Levi B. Santos
Guarabira,
30 de março de 2019