Os católicos têm a sua hora sublime: a hora do Ângelus ─ também conhecida como a hora da “Ave Maria”. Lembro-me, era bem criança, quando entre o cair da tarde e o começo da noite, precisamente às 18 horas, a sinfonia de Gounoud cantada por um tenor invadia os lares, deixando em mim um sentimento nostálgico. Ali, eu compenetrado participava da despedida solene do dia para entrar melancolicamente no mundo das trevas noturnas. Esse ritual dolente era executado todo o final do dia. Ainda hoje, essa penetrante sinfonia, que minha mãe considera diabólica, me comove pela sua tranqüilizadora e suave melodia.
Por essa mesma época, freqüentando as Assembléias de Deus, eu tomava parte de um outro ritual, desta feita nos finais de cultos de pregação do evangelho ─ cultos de cunho proselitista. Meus pais me diziam que a “hora do apelo” era o momento mais sublime e importante do culto, na qual deveríamos ficar de olhos fechados numa reverência silenciosa e especial.
Como sempre, de forma inquieta, eu conversava e ria com outros amiguinhos durante o desenrolar do culto. Porém, ao chegar a “hora do apelo”, me via como se estivesse vestindo a camisa de meu time: torcendo por números. Festa boa era aquela em que o Diabo perdia de goleada: 6 ou 8 X 0. Saía decepcionado quando um grande culto terminava com apenas uma alma salva. Esse placar apertado me deixava furioso. Nesses cultos, quanto mais restrito se desenhava o placar, mais corinhos eram cantados pelos irmãos, em tom solene e baixinho, para sensibilizar os pecadores visitantes, e eu ficava olhando para a porta de entrada do templo numa expectativa ansiosa de ver uma pessoa levantar a sua mão. Torcia desesperadamente, e no final, após ser cantando muitos corinhos, me via triste por aquele minguado resultado, para um culto tão propalado pela cidade. Nas noites em que isso ocorria, eu saia acabrunhado da igreja.
Lembro-me de um pregador, já cansado de tanto pedir “venha aqui a frente, venha!”, ficou tão furioso que disparou: “Tu que rejeitastes aceitar Jesus como o único e suficiente Salvador, tu mesmo que estás me vendo, quem sabe se um carro ou um bonde não te tragará a vida antes de chegares ao teu lar!”. Mesmo assim, com tamanha ameaça, a partida terminava em: 1X0.
Depois do culto, agora já no calçadão defronte a igreja, eu ficava atento aos comentários dos membros: “Ó povo de coração duro!!” ─ um afirmava. Outro disparava sem nenhuma cerimônia: “a culpa é do pregador!..., disse muita lorota, e não se ateve a Bíblia”. Ao que outro respondia: “Se eu soubesse que ia sair daqui de cara mexendo, não tinha nem vindo”.
Passaram-se 55 anos (mais de meio século), e cá estou eu assistindo a reprise dessa “hora do apelo”, que para não soar tão feio, agora é chamada de “hora do convite”. Vejo suavidade só na mudança do termo, pois a forma violenta e mal educada como é tratada a alma que se recusa a ir lá para frente, lá para o púlpito, é de uma indecência impar. Já vi gente sendo conduzida ao altar, presa pelos braços, tentando de todos os modos se libertar dos algozes.
Sem o recurso da hora do apelo ou do convite, o evangelho de resultados está morto. Sem o recurso da força, não há outro meio desse vergonhoso proselitismo ser disseminado.
É, mas hoje, na modernidade, já existe gente treinada para fazer valer a máxima do “apelo” como parte mais importante do culto. Já existem cursos e recursos para levar a emoção aos píncaros, a fim de trazer as almas chorosas aos pés da cruz.
Para se ter idéia do que o marketing da hora do apelo pode fazer, vejam o absurdo de que fui testemunha, alguns anos atrás:
Perguntando a um irmão se ele sabia onde estava residindo certo pregador, que era perito na função “Hora do Convite”, e que fazia tempo eu não o via, ele respondeu:
─ Ah! O irmão Fulano de Tal está trabalhando agora nos cemitérios.
─ Como meu irmão! Se explique melhor ─ pedi -lhe de modo afável.
─ É que ele está ganhando mais almas nas cerimônias fúnebres, do que na própria igreja. Lá, as almas já estão fragilizadas, sendo desta maneira, muito mais fáceis de ser ganhas para Cristo.
─ E como é o seu estilo de pregação nesses momentos em que a família do morto encontra-se naquele clima de choro e grande tristeza ─ indaguei, já pensando na sua trivial resposta.
─ Meu irmão, ele senta o sarrafo. Mostra o inferno de uma forma tão atroz e convincente, que as almas se rendem aos montes, com medo do fogo eterno.
Saí dali aturdido, pensando com os meus botões: “Não há arma mais mortal e mais temida pelo homem que a ameaça em nome de Deus, principalmente quando ela é dita na hora solene e tradicional do APELO”.
A hora do Ângelus assim como a hora do “Apelo” têm tudo a ver com trevas. A hora da Ave Maria, é uma hora triste por anunciar o inicio das trevas da noite. A “hora do apelo”, essa sim, é medonha e cruel, porque revestida de um falso caráter solene, anuncia as trevas da ignorância num lugar que deveria ser reservado ao que é Divino e Sagrado.
Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 14 de fevereiro de 2009
10 comentários:
O PENSADOR disse...
Li o texto! E elaé apenas uma das várias reformas que terão que ocorrer. Realmente, uma lástima tal cena ocorrer...
Mas as reformas não param por aí, a própria pregação cristocêntrica, sem anseios de vislumbração fútil e terrena, apoiada e alicerçada em Cristo e nas bençãos espirituais devem ser resgatadas.
Da mesma forma, o motivo pelo qual as pessoas deixam suas casas para reunirem-se devem ser alteradas...
A questão do dízimo deve retornar a profundidade do que foi proposto desde o princípio e não o que a tornamos, um apelo ao enriquecimento dos ministérios eclesiais.
E isto não para por aí não, poderíamos, ainda, demonstrar que o próprio apelo a intercessão não deveria ser visto como a capacidade do pregado confirmar ou não se sua mensagem tocou alguém, mas sim, unicamente, quebrar nossa auto-estima que nos afasta de Deus...
São tantas coisas que prefiro parar por aqui...
Comentário postado por O PENSADOR em seu blog.
2/15/2009 5:15 AM
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Levi, infelizmente muitos confundem e aproveitam o apelo para "apelar" (literalmente).
Infelizmente alguns até já tem uma música (louvou?) bem alto, ensurdecedor para que a gritaria traga algum efeito nas mentes cansadas.
Mas ainda sou do tempo em que ver o diabo perder de goleada, me dá alegria "mas tem que ser jogo limpo", rsrs.
Arrependimento, confissão e entrega e perdão ainda é a máxima do Evangelho através do"apelo" ou do "convite", e isso gerado pela pregação da Palavra, sem "acessórios": "Ele convencerá do pecado, da justiça e do juízo", isso é obra do Espírito Santo.
Parabéns pela postagem.
Bereiano
http://bereiano.blogspot.com
Percebi recentemente essa peculiaridade da "hora do apelo" e está sendo difícil convencer minha própria mãe, tão acostumada a assistir esse tipo de assédio, de que tal procedimento não é apenas desnecessário, mas antibíblico.
Mas a descrição da sensação melancólica do cair da tarde vinculada ao som da Ave Maria (no meu caso, executada por uma soprano) também remonta minha infância, pois uma vizinha era devota dessa idolatria...
Gostei do seu blog e vou virar "seguidor". Convido o irmão a conhecer o meu também!
Em Cristo!
Teóphilo
Será que a pregação verdadeira não está faltando? Aquela que diz que se houver ARREPENDIMENTO, Jesus poderá entrar no seu coração e te perdoar todos os pecados? Vejo que hoje as pessoas são apresentadas a um Jesus que só agrada, mesmo que continuemos agindo como ímpios. Realmente o nome APELO é bem o que quer dizer, até mesmo na igreja.
Prezados Bereiano e Teóphilo
O " Ensaios & Prosas" agradece os seus comentários a respeito da fatídica "Hora do Apelo".
Como resumiu mui apropriadamente o Teóphilo, esse tipo de procedimento antibíblico é um derdadeiro assédio.
Cordialmente,
levi B. Santos
Eu tinha medo da hora do apelo quando ainda não cristã visitava algumas igrejas.
Depois que me converti(que não foi através de um apelo). Pensei: Apelar pra que?
Segundo do dicionário Aurélio a palavra apelo quer dizer: Chamamento em auxílio. Ou seja, não tem nada a ver com o que se faz nas liturgias de nossas igrejas.
Ah, sabe porque eu tinha medo do apelo? Porque a forma que o pregador falava e o fundo musical melancólico, demonstrava um sentimento obscuro, do tipo: Se não for hoje, amanhã... morrerá?
Parabéns Levi e obrigada por sua visita em meu blog. É sempre uma honra!
Meu caro amigo Levi,
Você me fêz reviver (através desta postagem) os meus tempos de criança, quando ouvia através dos rádios dos visinhos a "hora do Angelus", mas ao contrário, eu achava aquela música muito linda e muitas vezes fui repreendida por meus pais que me pegavam cantarolando. Quanto a "hora do apelo" ou "convite" ou seja lá como chamem é realmente algo totalmete antibiblico. Certa vez levei um amigo para assistir a um culto onde houve uma apresentação de uma peça falando sobre "seitas" e no final, como sempre, o fatídico apelo. Quando terminou o culto, tive a infeliz idéia de perguntar a meu amigo o que ele achou do culto... ele respondeu com todas as letras: "voces passam todo tempo malhando as outras religiões, não mostram realmente em que vocês creem e no fim ainda querem converter os outros, desculpe minha amiga mas não achei graça nenhuma". Quase morri de vergonha, e não tirei a razão dele. Graças a D-us aqui em Israel as congregações não fazem o tal "apelo", até porque é proibido por lei fazer proselitismo. Creio que quando a Palavra de D-us é transmitida ao pecador, Ela o convence através do Espirito Santo, do pecado, a justiça e do juízo, sem precisar levar a pessoa ao emocionalismo ou ao medo da morte e do inferno. Essa infelizmente é uma grande falha na Igreja. Parabéns! Muita coragem a sua ventilar um assunto tão melindroso, dificilmente algum líder que lê essas considerações entenderá, em todo caso, fica o resgistro...Shalom!
Olá Yehudit
Seus comentários lúcidos e pertinentes são sempre bem-vindos.
Quanto ao texto postado recentemente, você realmente deu mostras de que entendeu o cerne da questão aonde eu queria chegar.
Fiz uma analogia entre a “hora do Ângelus” e a “hora do apelo”, para mostrar que as trevas dessa última, têm se transformado num ritual que serve apenas às vaidades de grupos religiosos proselitistas, sem nenhum respaldo bíblico.
Até quando essa excrescência vai durar , eu não sei...
Sou grato pela sua colaboração.
Levi B. Santos
Caro irmão Levi, estou ficando viciado nos seus textos, parabéns por mais este enriquecedor ensaio.
Triste é pensar que este discurso amedrontador não ocorre somente na "hora do apelo", mas durante toda a caminhada de alguns cristãos.
Muitos pregadores se utilizam de técnicas de psicologia para emocionar as pessoas, outros, para fazê-las andar "na linha" as amedrontam com ameaças em nome de Deus.
A Palavra nos ensina que o Espírito de Deus convence o homem da justiça, do pecado, e do juízo, isto é, nos convence de existe um jeito certo de se viver, de que nós vivemos da maneira errada (pecando), e que se não houver arrependimento e convertimento pagaremos o preço pelos nossos pecados.
O que sobra para nós? Apenas apresentar a Palavra, e deixa o Espírito de Deus fazer a parte dele.
Um abraço em Cristo.
Luis Paulo Silva.
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