No filme “Amor Além da Vida”, o personagem de Robin Williams, um racional neurologista, depois da morte da esposa sofre um acidente de automóvel vindo a falecer. Para a surpresa do espectador, o médico acorda dentro da paisagem de um quadro que ele admirava muito em vida, pintado por sua querida esposa. A bela cabana, o límpido e tranqüilo lago, e a floresta exuberante pintados na tela transformaram-se em seu sonhado céu. E ele passou a viver prazerosamente dentro da imagem do quadro que tanto imaginou durante a sua vida.
Assim como o médico do filme, não podemos fugir dos meandros de nossa fértil imaginação, e ao menos alguma vez na vida pensamos na morte e no porvir. Imaginamos sem dar por isso, um céu particular, como um refúgio recôndito de nossos medos, angústias e tristezas. Nesse paraíso individual que imaginamos, na verdade, está imbuído o desejo de não perder o que se tem: o medo de perder nosso corpo, nosso eu, nossas posses e nossa identidade. Daí pensarmos em um céu cujos valores mentais são representados por elementos terrenos ao alcance da visão, como o ouro, diamantes entre outras preciosidades.
Pensamos, exercitamos a imaginação, sonhamos ou descrevemos um céu demasiadamente humano. Não atentamos para o que diz o Livro Sagrado, quando relata o céu como algo inimaginável, como está bastante claro nas palavras do apóstolo Paulo em I Timóteo 6,16: “Aquele que tem, Ele só, a imortalidade, e habita na luz INACESSÍVEL; a quem nenhum dos homens viu nem pode ver, ao qual seja honra e poder sempiterno”.
Enquanto estivermos vivendo aqui na terra sob o império dos desejos, não poderemos como pobres mortais, ter a capacidade de aquilatar o que é ter tudo e não sentir falta de nada. Por mais que nos esforcemos, não conseguiremos entender como é viver num lugar onde não há mais necessidade de esperança, nem de anseios. Da completude que iremos vivenciar em Deus, por sermos reles humanos, hoje nada sabemos. Então, sem dúvida, podemos afirmar que por hora, esse céu é inexprimível, indefinível ou inimaginável. Não quero dizer com isso, que é pecado ou proibido pensar o porvir. Só que esse pensamento nosso é utópico, pois não podemos entrar na mente de Deus, para saber o que está reservado para nós. Desse modo, toda imagem que fizermos do céu será pura especulação.
Alguém poderia dizer que o “Céu” é uma tentativa do homem, de fugir de seu destino carnal mais certo, que é retornar ao pó, ou então uma desesperada busca por se perpetuar em outro mundo, numa outra existência, para continuar vivendo eternamente, dando vazão ao desejo de potência mais íntimo de não findar nunca, procrastinando seu ser, suas vontades e desejos; perpetuando-se por séculos sem fim, continuando num mundo sensitivo de prazeres e delícias, negando a própria natureza de todas as coisas, e a sua própria, onde tudo nasce, cresce e morre.
Pensando bem, será que a satisfação irrestrita de todos os nossos desejos é a via para a felicidade futura? Será que os nossos anseios na outra vida estarão unicamente limitados à área do “TER?”. A ótica mundana identifica o indivíduo pela fórmula: “eu sou = o que tenho e o que consumo”. A ótica divina ou transcendente, me parece, aponta para um caminho inverso, o caminho do SER, que não é movido pelos desejos possessivos e carnais.
Na linguagem judaico-cristã, a figura do herói é a do “mártir”, isto é, daquele que se despoja de tudo que TEM, e dá a sua vida por uma causa nobre. Esta causa, sim, pode estar vinculada ao âmbito do SER. O mártir é justamente o contrário do herói pagão vitorioso, cuja demonstração de satisfação é medida pelo que conseguiu destruir, pelo que arrebatou de bens, pelo orgulho, pela fama e poder, enfim pelo paradigma do TER.
Se a imagem que eu faço do céu ou da imortalidade é baseada literalmente no TER riquezas preciosas para desfrutar, valorizadas como o ouro, cristais, pedras preciosas e moradas suntuosas que encantam os olhos e enlevam os sentidos, é porque, lá no fundo escondido do meu eu reside a semente da “teoria da prosperidade”. Teoria essa, já abertamente incorporada por aqueles que fazem da quantidade de riquezas e bens, parâmetro para medir se o sujeito está ou não sendo abençoado por Deus. Os magnatas e marajás da “prosperidade” não gostam de falar na vida após a morte, justamente por já se considerarem de posse das delícias consideradas por eles de “celestiais”, como jatinhos, carrões, piscinas térmicas com ondas artificiais, banheiras revestidas de ouro, mansões com portas e janelas de cristais resplandecentes, enfim, tendo tudo o que deseja ao simples estalar de dedos.
No hinário “Harpa Cristã” ─ um dos mais conhecidos no meio evangélico ─ existem letras que nos inundam de emoção, e podem até nos levar a pensar num céu pelo módulo TER, como é o caso do hino de número 26. O autor desse hino fala de uma cidade cujos muros são de puro jaspe, as ruas são de ouro e cristal, rios com margens juncadas de lírios. É fácil pensar assim: “aquilo que eu não tive o direito nessa vida, terei com fartura lá no céu”. Entretanto, o que hoje me parece extremamente difícil, é imaginar o céu pelo módulo SER, no qual, a concupiscência dos olhos, a inveja, a dissensão, a competição, a ganância, o ressentimento, o ciúme, a vingança, a idolatria, e o amor ao dinheiro, não tenham mais lugar em nosso “Ser”.
Alguém poderia perguntar: É falso o que ansiamos como céu?
A rigor, se refletíssemos melhor, compreenderíamos que, na maioria das vezes, o que sentimos ou pensamos para depois da morte, está ligado ao desejo de continuar vivendo esta vida, esta nossa vida mortal, sem seus males, sem o tédio e o sofrimento.
Como desejar o céu de uma paz verdadeira, quando somos forjados desde a mais tenra idade a ser um competidor selvagem, que nunca deve perder, buscando incessantemente ser o melhor, ou o maior. Fomos forjados para ser jogadores no grande tabuleiro desse mundo, forçados a viver numa guerra sem fim de egos exaltados. Somos movidos pela sutileza desses instintos, que não deixam de se imiscuir na base das ações mais pias que praticamos. É com esses elementos terrenos que pintamos o quadro do nosso céu imaginário para depois nos introduzimos nele, como o neurologista do filme de ficção, que tomou o quadro para si e armou o seu céu com aquilo que tinha de mais prazeroso em seu lar.
Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 05 de fevereiro de 2008
8 comentários:
Meu caro amigo Levi,
O que voce escreveu é de uma verdade incontestável. A nossa imaginação sobre o céu se atém mais no TER do que no SER. Nossa limitação humana reduz as qualidades inefáveis que a Bíblia descreve do céu. Parece mais um anseio e fuga daquilo que não conseguimos adquirir aqui nessa vida. Isso apenas comprova o quanto somos limitados, enquanto estivermos nesse corpo mortal.
Prezada Yehudith
Impressionante como a internet tornou o mundo pequeno. Um texto postado há poucos minutos,já conseguiu uma leitura e um comentário do Oriente Médio.
Bem, é como você disse: não podemos como simples mortais definir o que vamos sentir com um corpo glorioso no porvir. A nossa velha mente (cérebro) virará pó. Da mente que iremos ter, nessa vida,nada podemos saber.
É incrível, que aos sessenta e dois anos de idade, ainda tenha essa imagem avivada em mim através dos sonhos.
Entendo, que tudo isso é fruto do que foi plantado na minha tenra idade, quando à maneira dos contos de fada, eu via o céu sendo descrito por meus pais e mestres.
Obrigado, pela interação relâmpago
Levi B. Santos
Levi, paz contigo!
Muito lindo seu texto, edificante e reflexivo, sem palavras.
Este assunto é um pouco delicado, pois a própria Palavra nos descreve um céu glorioso. Paulo disse que não contaria o que tinha visto, pois aqueles que liam a sua carta ou o ouvissem não poderia suportar.
Talvez o céu seja parecido com o meu sonho e talvez não tenha nada a ver com ele.
Uma novela da Globo, que exaltava o espiritismo, chamada "A Viagem", mostrava o céu como um lindo jardim, com pessoas de branco, sem "riqueza" alguma. Aliás, as pessoas só tinham a roupa do corpo, mais nada. Sei que aquela não é a imagem real do céu, nossa futura morada.
Acredito sim, que quando nós somos tocados pelo Espírito Santo, quando sentimos a Sua paz, a Sua presença, temos uma pequeninissima amostra, do que sentiremos lá, alegria sem par.
Na verdade, acredito que o almejo de muitas pessoas, mesmo das que buscam a tal prosperidade, é este; alegria! E o fato de buscarem satisfação em possuir coisas neste mundo, é a prova irrefutável de que elas não conhecem a Cristo, pois o noso Deus é o Deus dos paradoxos:
Paz mesmo em guerra, Alegria mesmo em tristeza, Abundância mesmo na necessidade!
Que a paz do nosso Senhor Jesus Cristo esteja contigo sempre.
Estou "seguindo" o seu blog, obrigado pela visita e comentário. Abraço!
obs.: apaguei o meu comentário anterior e reeditei de forma mais clara.
Prezado Luis Paulo
Grato pelo seu enriquecedor comentário. Realmente, a maioria das novelas e filmes que retratam o céu, tem um cunho espírita.
P.S.: serei de agora em diante um acompanhante do seu blog.
Graça e Paz,
Levi B. Santos
Paz Levi,
Esse mês o blog Púlpito Cristão está comemorando a marca de 100 seguidores com uma postagem especial, onde o sr. é citado.
Para conferir a postagem, acesse: http://pulpitocristao.blogspot.com/2009/02/chegamos-la.html
Abraço fraterno,
Leonardo G. Silva
Levi,
Te indiquei para receber o selo "vale a pena ficar de olho nesse blog". A idéia é que você, ao recebê-lo, indique pelo menos 5 blogueiros para recebê-lo, e disponibilize os links.
Além de ser um prêmo legal, é também uma iniciativa para promover os blogs que nos ajudam.
Se quiser aceitá-lo, acesse: http://pulpitocristao.blogspot.com/2009/02/vale-pena-ficar-de-olho-nesses-blogs.html
Para indicar blogs é só fazer como eu fiz lá, e avisar os indicados.
Abraço,
Leonardo G. Silva
Levi,
aceitei o seu convite e dei uma passadinha aqui no seu blog!
Concordo com seus argumentos. Às vezes, parecemos como os antigos faraós, que levavam tudo o que valorizavam para o túmulo. A diferença é que transportamos o nosso "tudo" dentro da mente.
Enfim, ficamos sempre especulando sobre o inimaginável, tentando ir além do que a Bíblia afirma. E, quando a Bíblia se cala, nós também deveríamos nos calar.
Grande abraço!
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