29 março 2010

A AGONIA FINAL DE DOIS AMIGOS



Foi em meio a sua “via crucis” que Ele tomou conhecimento do fim trágico de Judas. Alguém, ali perto, sussurrou aos seus ouvidos o que tinha acontecido ao seu desafortunado amigo.


Apesar de cansado, ofegante e banhado em sangue, Ele chorava, não só por suas dores, chorava mais pelo seu maior amigo que fraquejara, quando por força das circunstâncias foi forçado a delatá-Lo. Tinha recebido trintas moedas de prata, e isso, era o mínimo, diante da coragem que ele demonstrou depois, ao jogá-las de volta na cara dos que o tentaram corrompê-lo.


O Mestre estava arrasado com o sofrimento que levara o seu melhor amigo a tomar aquela atitude extrema, de se jogar de cima de um penhasco: Duas lágrimas rolaram dos seus olhos quando Ele balbuciou: “Coitado, o seu pecado não foi maior do que o de Pedro aquele que por três vezes me negou diante das autoridades”.


Continuou a sua caminhada cambaleante carregando a pesada cruz. Parecia inacreditável , mas, aqueles dois toros de madeira que levava sobre os ombros, não pesavam tanto quanto o sentimento profundo que dilacerava o seu peito pela perda do seu maior amigo.


De passos trêmulos, tombando aqui e ali, já sem forças e com a vista a escurecer, Ele via pelos olhos da alma, exércitos de anjos saindo de um céu aberto, avançando ao seu encontro. Naquela imensa agonia, por um instante, se viu junto ao seu amigo Judas. Viu-se criança de novo. Lembrou-se de que, carinhosamente, o chamava de “Juju”, e, também, das estripulias e escaramuças que faziam juntos pelas ruelas e sítios de Nazaré, cavando poços, fazendo moleques e jarros de barro, à sombra das parreiras e oliveiras.


Que grande coincidência! Pois não é que Judas, minutos antes, tivera o seu coração tomado pelos mesmos sentimentos do seu amigo do peito. Sentira-se invadido pelas mesmas lembranças da infância, quando fazia juras eternas, prometendo ao querido amigo, que nunca O abandonaria.


No cimo da colina a ventania fria da tarde açoitava o seu corpo em frangalhos. Sua cabeça estava tomada por um vendaval de pensamentos, que traduzidos, diziam, que não haveria mais razão para ele continuar existindo, sem a companhia de seu grande amigo. O remorso advindo da gravidade do ato que cometera era tão intenso, que ele jamais poderia imaginar que Cristo o perdoaria. Dizia então no seu íntimo: “Viver sem Ele ao meu lado, é melhor morrer!”


Deteve-se meditando por alguns instantes, para em seguida jogar-se de despenhadeiro abaixo. Por alguns segundos teve a impressão de ver cavaleiros reluzentes de prata, com uma grande rede lá embaixo apara ampará-lo na queda. Quis falar, mas não conseguiu, pois uma onda extremamente gelada partindo dos pés à cabeça, parecia querer anestesiá-lo. No último instante, com a cabeça a pender sobre um galho de bambu, lembrou-se onde estava, o que era, e porque sentia dor. Ouviu uma voz que dizia: “Não! Não és um covarde, nem desertor, nem tampouco traidor!”.


Não muito longe dali, estava o seu amigo pendurado na Cruz em estado de desidratação e anemia aguda. Ao lado Dele estava também crucificado o ladrão chamado Dimas que, em seus últimos momentos lhe fez uma súplica: “Lembra-Te de mim quando entrares no Teu Reino”. Na imaginação, o que Cristo via, era a figura do seu grande amigo Judas, ali ao seu lado, pedindo socorro.


Judas, meu irmão e amigo disse Cristo, bem baixinho, começando a tremer por inteiro Porque fizeste isto? Partiste, sem ao menos saber que eu antes já tinha pedido ao meu Pai que te perdoasse.


Fazendo um esforço sobre-humano, já sucumbindo, com sua voz trêmula na direção de Dimas (ou Judas), assim balbuciou: “Hoje mesmo estarás comigo no PARAÍSO”.


Dizem, que os dois amigos foram solidários até no momento da partida. “O que está feito, está feito!” foi o último brado que saiu de suas gargantas.




P.S.: Com o passar dos anos, em nossa cultura, Judas ficou conhecido como a encarnação do diabo, coisa que Cristo, o seu maior amigo, nunca pensou que um dia fosse acontecer. É triste constatar que a morte Daquele que pregou o perdão de forma ilimitada, seja rememorada com o hediondo ato simbólico de vingança, ainda mais, em pleno sábado de Aleluia.



DIGA NÃO À MALHAÇÃO DE JUDAS.




Ensaio-ficção por Levi B. Santos

Guarabira, 30 de março de 2009

18 comentários:

Anônimo disse...

De fato, num dos Evangelhos, quando Judas se aproximou de Jesus para entregá-lo, o Mestre o chamou de "amigo". Claro que há uma boa dose de imaginação em seu ensaio-ficcional, mas existe um fundo de verdade histórico que o embasa.

Só não concordo com Judas ser o seu melhor amigo (embora considere isso como parte da ficção). Ao que me parece, era João. Ou há outra explicação para o que os dois sentiam um pelo outro?...

Abraço.

Levi B. Santos disse...

Prezado Isaias

Realmente, a única pessoa a quem Jesus chamou de amigo foi Judas.

Partindo daí, iniciei as minhas divagações, não me atendo a rigidez do que está escrito no "Canon" do Novo Testamento, na sua linguagem coloquial de dois mil anos atrás.

É tempo de recriar, de reformular, de descontruir, de reescrever, de repensar sobre tudo que nos foi deixado como o "religiosamente correto", até para sair do marasmo dessa semana, que não tem nada de santa, pois se encerra de forma bisonha, num sábado de aleluia, com um ato simbólico de VINGANÇA.

Na verdade muitos que malham o Judas, não sabem que estão projetando a maléfica agressividade que existe dentro de si mesmo, no outro, numa reedição do "bode expiatório" que levava sobre si, os pecados dos filhos de Israel.

Se passados dois mil anos da morte de Cristo, fazem o que fazem com a figura Judas no sábado de aleluia, é de se perguntar:

"Será que Judas não foi malhado em vida, ou seja assassinado e jogado de morro abaixo?"

Já que não fizeram necrópsia, nem uma séria investigação sobre o caso Judas, vamos recriar, reinventar e reescrever a sua história olhando o lado humano ou existencial de uma pessoa que trai, e acha tão grave o seu erro, que num extremo remorso se desepera e enlouquece.

Marcio Alves disse...

Mestre Levi

Concordo com o ISA que este seu ensaio, embora ficcional, possua em si mesmo um fundo de verdades além da historia contada pelos evangelistas, onde precisamos mesmo questionar, repensar e reescrever.

Também concordo contigo da negação de Pedro ser igual ou até pior que a traição de Judas, este por último é pintado como diabo, e Pedro como santo apóstolo.

Mas sem duvida alguma, o que mais me fascinou neste seu belo ensaio, foi Jesus ver no ladrão ao seu lado ou projetar nele a imagem inconsciente de Judas, pois quando diz “Hoje estarás comigo no paraíso”, o diz desejando de reencontrar com seu velho e saudoso amigo.

Parabéns e abraços

Oseias B. Ferreira disse...

Levi,

Em semana pascoal é pertinente e grandemente reflexivo o seu texto. Compartilho contigo do mesmo espírito quanto a Judas.

Quam nunca "negociou" a integridade com os "sacertotes" e depois, assim como Judas, jogou também as "moedas" na cara deles e pensou seriamente em subir ao penhasco pela grande agonia da alma?

O mal que muitos pensam sobre Judas é sempre o mal latente neles mesmos.

Abraço

Levi B. Santos disse...

Meu caro Isaias


Deixaste-me, como se diz na gíria - "no mato sem cachorro", quando no final de teu comentário assim perguntaste, sem querer querendo:

"...Ou há outra explicação para o que os dois sentiam um pelo outro...?"

Porém, vou te dizer a verdade:

Nem sempre a intenção do autor coincide com a do leitor.

Mas isso não importa! O que vale mesmo, é o que o leitor pensa ou imagina, quando se transpõe para o texto.

A função ou a beleza maior de um ensaio reflexivo é justamente essa: juntar as cores diferentes de cada um para formar "um todo" - como o ARCO ÍRIS.

Quem lê entenda...


Levi B. Santos

Levi B. Santos disse...

Caro Marcio

Sou grato pelo teu sensato comentário. Acertasse em cheio!

Captasse a essência do texto, ao afirmar que Jesus via inconscientemente no ladrão a imagem do seu amigo Judas.
Então, temos aí uma resposta dupla por parte de Cristo:

1.Uma consciente para o ladrão Dimas
2.Outra inconsciente para o amigo Judas.

Conclusão: o "Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso" - foi endereçado ou transferido para os dois (um real e outro imaginário)

Um abraço, caro penssador

Levi B. Santos

Levi B. Santos disse...

Prezado Oseias (futuro membro da Confraria)


Sinto-me feliz, por compartilhares comigo do mesmo pensamento, em relação a esse tema tão trágico e ao mesmo tempo empolgante.

Estamos, como diz o título do teu blog: "COMUNGANDO" das mesmas idéias.

Um grande abraço,

Levi B. Santos

Eduardo Medeiros disse...

Olha, Levi, só posso dizer uma coisa: sublime!!

Por favor, pensadores, esqueçam a rigidez do cânon bíblico, pois isto aqui, além de ser literatura de primeira, é a versão do escritor para o que foi também contado a partir da versão dos escritores dos Evangelhos.

Tudo é interpretação. Até o cânon. Viu, Gresder??

Alexandre Pitante disse...

Paz, Querido Isaias

Parabéns, pelo seu trabalho neste blog. Que Deus em Cristo Jesus lhe continue abençoando poderosamente.

Estou seguindo o vosso blog.

Aproveito pra lhe convidar a visitar meu blog também. Avivamento pela Palavra é um blog voltado aos amantes da Bíblia sagrada como Verdade Absoluta e que só através Dela seremos mais crentes e mais cheios do Espirito Santo. Comente, pois seus comentários são muito importante para mim poder estar sempre em melhorias no meu blog.

http://www.alexandrepitante.blogspot.com/

Siga-nos também.

Fica com Deus.
Um abraço, Alexandre Pitante.

Alexandre Pitante disse...

Perdao esvrevi teu nome Isaias estava no msn neste momento. me perdoe. Querido Levi.

Anônimo disse...

Levi, Levi... rsrs

As entrelinhas são sempre mais divertidas do que aquilo que está textualmente escrito, não é verdade?

Abraço.

Unknown disse...

Mestre Levi;

Que belo enrredo, nos faz compreender ainda mais que Jesus veio para amar, perdoar e fazer da humanidade uma legião de amigos, a começar por Judas cosiderado triador, e Dimas considerado bandido. Esta a maior mensagem do Evangelho.

Forte abraço.

guiomar barba disse...

Ola amado,

Gostaria que diante do seu ensaio, você me explicasse os versículos:

Replicou-lhes Jesus: Não vos escolhi eu em número de doze? Contudo, um de vós é o diabo. João 6.70.

O filho do homem vai, como está escrito a seu respeito, mas AI daquele por intermédio de quem o Filho do homem está sendo traído! Melhor lhe fora não haver nascido! ( Mateus 26.24).

Todos nós muitas vezes negamos Jesus com nossos atos, mas como Pedro, em vez de lançarmo-nos na morte, choramos amargamente nossas culpas...

A perdição de Judas não nega jamais o amor de Jesus. Todos nós temos direito a escolhas...
Abraço.

Levi B. Santos disse...

Prezada Guiomar

Sua presença aqui muito me engrandece.

Eu fiz esse ensaio no sentido de suscitar no leitor uma reflexão apurada sobre a fraqueza e a franqueza inerente a condição humana. Para isso, eu me baseei no termo "amigo", com o qual Jesus, na hora mais crucial tratou Judas.

Se tivesse me prendido na palavra "diabo", consequentemente iria cair na armadilha de CONDENAR o outro -, o que não foi o escopo desse ensaio.
A razão maior de tudo que escrevi foi no sentido de ressaltar o PERDÃO, e não o julgamento e a condenação.

Na semana santa que se comemora por aí afora, se fala muito em perdão até a sexta-feira, para depois tudo se encerrar no sábado, em um ato violento de CONDENAÇÃO, representado simbolicamente pela malhação de Judas.

Não sei não, mas os discípulos de Cristo, após a sua morte ficaram perdidos, talvez como Judas ficou. Creio que se Cristo não tivesse aparecido a eles, talvez, todos tivessem se deseperado ou ficado à beira da loucura.


UMA OBSERVAÇÃO: Como médico, sei que o cérebro sobrevive a alguns segundos de privação do oxigênio.

UMA INTERESSANTE CONSTATAÇÃO:

Perdi meu pai num grave acidente de moto. Ele ficou com a cabeça esfacelada. Permaneceu em coma por algumas horas, e antes de morrer, creio que num segundo de lucidez, sussurou: "Ai meu Deus!"

UMA PERGUNTINHA, para encerrar:

Quem em sã consciência pode afirmar ou entender o que se passa na mente de uma pessoa, antes e segundos após ato do suicídio?


Abçs,

Levi B. Santos

Anônimo disse...

Amigo e Mestre LEVI,

É inadimissível o fato de dois amigos terem traído a confiança de Jesus, ainda que presenciaram a boa obra deste homem ainda em terra...

Isso mostra, o quanto o amor do homem para o homem (no sentido humanos) podem ser jogados pelos ares, quando existe um interesse maior...

As pessoas estão sempre interessadas nas coisas supérfluas.., a visão da maioria está sempre mais focada em coisas superficiais....

Mas Deus mostra-nos que algo mais predomina, algo mais é valioso.....ele mostra através da crucificação de Cristo, que o amor predomina, e Jesus mesmo sendo traído por Judas e Pedro, que o entregou e o negou....Ele ainda os perdoa, e volta para oferecer-lhes um momento de perdão e amor para com eles...não os julgando em hipótese alguma...

Deus nos ama!! Tenho esta certeza........

P.S. Este texto assimila com a postagem do Marcio e do Gresder....rs...mas ambos estão de Parabéns!!!

Unknown disse...

Bem que a malhação em incomodava.

Judas foi consumido pelo remorso, e foi o diabo do grupo, aquele que aponta o dedo, mas só podemos dizer sobre este momento.

Eu creio que Jesus já o perdoou quando deu o beijo.

guiomar barba disse...

Amado Levi,
Entendi perfeitamente a essência da sua mensagem. Negaria o amor, segundo 1 Coríntios 13, se discordasse dela, quanto ao Judas, no entanto, eu entendo que quando Jesus disse: “Ai” daquele... Melhor lhe fora não haver nascido! Ele estava indicando um juízo mui grave, porém justo.
O Judas revelava o seu caráter quando roubava da bolsa que sustentava o ministério de Jesus. “Isto disse ele, não porque tivesse cuidado dos pobres; mas porque era ladrão e, tendo a bolsa, tirava o que nela se lançava.” João 12.6.
No que toca o arrependimento, faço minha a afirmação do Sheakespeare: “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia.”
Quando eu cheguei perto do caixão do meu pai, no dia seguinte ao de sua morte, ouvi clara e sem susto o seu conselho: Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Siga meu exemplo minha filha.
Só então o seu espírito partiu para a eternidade...
Não seria surpresa para mim, encontrar um dos políticos que eu mais desprezei, na eternidade com Cristo... Um dia senti por ele uma grande ternura e fui impulsionada a orar por ele, apesar da minha estupefação. rsrs
Louvo a Deus porque somente as suas misericórdias me possibilitam caminhar para a glória eterna.
Ao pensar no “sacrifício do calvário” tenho mais um entendimento porque Jesus disse: “estreita é a porta, e apertado, o caminho que conduz para vida, e são poucos os que acertam com ela". (Mateus 7.14).
Tenho sede de aprender mais e aqui encontrei uma fonte. Obrigada.
Abraço.

glauciasemfalas disse...

Imagina se o suicídio não fosse considerado um danação eterna... e muitos estupefatos com tantas coisas entarrecedoras que andam acontecendo, resolvessem por um fim na própria vida...

Quantos trabalham honestamente para serem assassinados durante um assalto, ou verem os filhos ou filhas sendo mortos por motivos fúteis?

Se não fosse o temor a DEUS, muitos já teriam se matado.

E olha que eu não conheço nenhum Judas.