21 março 2010

OS ARQUÉTIPOS QUE NOS ESTRUTURAM




Há dentro do ser humano que não atingiu a maturidade, uma ansiedade profunda que o leva a desejar indefinidamente permanecer criança, esboçando quase sempre uma atitude defensiva que o impede de tomar decisões, assumir responsabilidades e exercer sem culpas o exercício do PENSAR. Inconscientemente procura a todo custo, evitar a experiência inquietante do existir.


É na qualidade de criança que não confia em si, que ele se dirige a uma autoridade ou líder, e, incapaz de ter crenças e opiniões próprias, prefere se render ao acalanto imaginário do gozo oferecido pelos pais naturais nos seus primeiros anos de vida.


A proposta repressiva idealizada brilhantemente por Freud com base na tradição religiosa judaico-cristã, foi genial, e continua, ainda hoje, dando uma enorme contribuição para compreensão da deformação cultural, que atualizou cientificamente a maldição do Gênese na trajetória histórica da humanidade. A obra repressora da inquisição antiga não acabou, antes, continua de forma sutil ou sub-reptícia entre nós.


A psicanálise foi muito além, ao descobrir a neurose religiosa e sua forma de gozo advinda de uma submissão doentia. Foi Jung que estudou, cansativamente, os “arquétipos”. Eles são funções estruturantes que extraem características dos símbolos para formar e transformar a identidade humana.


A nossa civilização vive hoje a realidade social preconizada pelo Mito da Criação, como que tolhida pelo Arquétipo patriarcal, representado pela figura do Deus Vétero-Testamentário. A sede de conhecimento e a criatividade humana e psíquica já nasceram estigmatizadas pela maléfica “serpente edênica” ─ tida como o mais sagaz entre todos os animais selvagens.


Conhecemos, quando crianças, a autoridade/autoritarismo do nosso pai natural, que foi inserida em nossa psique estruturalmente e nos marcou pela vida afora, e que, hoje, pode se exibir em forma de um arquétipo dominador ─ aquele que tem o poder de destruir o desobediente. Então, muitos, por falta de conscientização ficam nessa condição psicológica de servidão infantil. A submissão é a principal garantia de sua estabilidade emocional e social, e, seu gozo maior é participar da geléia geral que domina a sociedade de consumo.


A religião ocidental tomou posse da repressão dos desejos para cumprir a sua tarefa de impedir qualquer independência psíquica. A docilidade infantil é socialmente necessária para “o agir” da autoridade. Ao mesmo tempo em que se oferece às massas certa satisfação simbolizada pelo “gozo da submissão”, impede que elas procurem modificar a sua posição de filhos obedientes à de filhos rebeldes.


Falta a compreensão de que existe na psique do homem ocidental, um outro Arquétipo ─ o Arquétipo da Alteridade, que na tradição cristã é Jesus Cristo, e faz com que o indivíduo não permaneça polarizado na posição de submissão ao Arquétipo Patriarcal. Foi sob a égide do Deus Patriarcal que surgiram as tiranias, que mantém os privilégios dos poderosos em detrimento dos oprimidos.


Hegel, foi genial, ao formular em sua lógica, que a “tese” e a “antítese” são necessárias para formar a “síntese”. Esta síntese, religiosamente falando, representa a dialética resultante da ação entre o pólo do Arquétipo Patriarcal e o pólo do Arquétipo da Alteridade. Na figura de Cristo, podemos identificar, através da dialética, o que do antigo Arquétipo deve ser preservado, e o que na “antítese” a inovação deve ser aproveitada na composição da “síntese”. Na alteridade de Cristo perante Deus, ele parece desdenhar do Arquétipo Patriarcal, ao trazer os pecados do mundo para o seu colo, como o Cordeiro sacrificado que ele mesmo foi.


Salieri, famoso professor Europeu de música, que conviveu com Mozart, já sob o peso da velhice, lembrou-se de uma oração que fizera quando criança, que expressa sobre si mesmo, o domínio avassalador do Arquétipo Patriarcal:


“[...] ajoelhei-me diante do Deus da Barganha com todo o fervor, e assim orei: ‘Fazei de mim um compositor. Dai-me fama. Em troca viverei em virtude. Lutarei para melhorar a sorte dos meus colegas, e vos honrarei com muita música todos os dias da minha vida’.

Assim que eu disse amém, vi que os olhos Dele brilhavam como se dissesse: ‘vá em frente, Salieri! Dedique-se a mim e a humanidade e Eu o abençoarei’. Eu então respondi: ‘serei vosso servidor por toda a vida’.


O arquétipo Patriarcal, diante da mentira, responde com o castigo, a pena e a culpa.

O arquétipo da Alteridade coordena a elaboração de modo democrático, regido pelo princípio da compaixão, do desapego à unilateralidade, e diante da mentira não a reprime, antes, a reconhece, a acolhe, a elabora, trazendo seu conteúdo para consciência, evitando que ela se transforme numa “Sombra”, acobertada pela “Persona” defensiva da santidade e honestidade do mentiroso.



Ensaio por Levi B. Santos

Guarabira, 20 de março de 2010



FONTES: 1. Psicanálise e Religião – Erich Fromm (Editora Ibero-Americana)

...............,,2. Psicologia e Religião – C.G. Jung (Editora Vozes)

...............,,3. Inveja Criativa – C. A. B. Byington (Editora Religare)


15 comentários:

Marcio Alves disse...

Mestre Levi

Não seria exatamente pelo desejo inconsciente de permanecer criança, que o ser humano precisa da imagem de Deus, numa espécie de Pai super protetor? Entregando nas mãos de Deus a sorte de sua existência, esperando não somente nesta vida, mas principalmente na do porvir o colo seguro de uma divindade cuidadosa?

Mas acho que o pior mesmo é projetar não na divindade, mas no próprio homem, líder e autoridade as suas inseguranças infantilizadoras pela ausência de coragem responsabilizadora de existir.

Outrossim, bela e extraordinária coincidência você também tratar do antagonismo do deus veterotestamentário em relação a Jesus, mas como sempre e genialmente através da psicanálise, pois eu abordo a questão da morte vicária de Cristo como apaziguamento do deus sanguinolento dos hebreus.

Abraços e parabéns

Levi B. Santos disse...

Prezado Marcio

Se eu não me engano, essa foi a segunda coincidência ao ventilarmos um mesmo tema entre textos por nós postados quase que simultaneamente.

Na verdade, tratamos do mesmo fato. Eu com uma linguagem psicológica, e você com a linguagem Teológica, que por sinal eu considero mais atraente, sentimental e poética.

“Na alteridade de Cristo perante Deus, ele parece desdenhar do Arquétipo Patriarcal, ao trazer os pecados do mundo para o seu colo, como o Cordeiro sacrificado que ele mesmo foi”.

O que escrevi acima, paralelamente corresponde em grande parte ao que você escreveu no trecho do seu ensaio, que reproduzo abaixo:

“Ou então, Deus não tinha alternativa mesmo, e, portanto teve que matar o seu filho, mas isto, também tem a sua implicação, pois se Ele não podia salvar a humanidade, a não ser através do sacrifício de seu filho, segue-se que Ele não tem todo o poder?”

Do Deus vétero-testamentário como TESE, e do seu Filho Jesus como ANTÍTESE, deu como resultado a SÍNTESE ─ que tendo elementos de um e outro pólo, não pode ficar totalmente ao lado do ANTIGO, nem tampouco pode rotular o NOVO de transgressor indevido.

Portanto, Jesus veio cumprir a Lei contra Lei do próprio Pai. O “sangue derramado” simboliza a SÍNTESE que apaziguou o Pai (arquétipo patriarcal) com o Filho (arquétipo da Alteridade), desculpabilizando a humanidade daquilo que se convencionou como o “pecado original”, que nada mais é que a culpa internalizada após a transgressão de comer do fruto proibido. Aqui, “o comer do fruto”, simboliza o ato de querer conhecer, pensar e duvidar , que expulsou o homem do jardim de sua inocência.

Bem, não sei se você me entendeu, mas, alguma coisa do que escrevi está inserido também na sua postagem, talvez pelo avesso, mas está. (rsrsrs)


Achei agradável mais essa coincidência.

Abçs,

Levi B. Santos

Marcio Alves disse...

Comentário feito em minha postagem a você:

Mestre Levi

Realmente é muito extraordinária a coincidência do “destino”, de ao mesmo tempo simultaneamente abordarmos temas iguais, com pontos de vistas distintos, isto é sinal que estamos na mesma sintonia.

Se você considera a minha abordagem atraente, sentimental e poética, eu considero a sua analise psicanalítica muito mais profunda e relevante, pois vai ao âmago do pensamento humano, desnudando o homem diante do próprio homem.

De fato, não podemos anular por completo o deus veterotestamentário, tanto que Jesus não anulou, mas apenas re-significou, dando um sentindo mais amoroso e bondoso ao Pai. A partir do encontro destes dois pólos é que surge a síntese, que é à base da minha postagem, pois eu parto do ponto de vista de, em e através de Cristo para falar da correlação de sua morte com seu Pai.

Eu entendo e aceito a representação simbólica da morte de Cristo como apaziguadora do Pai pela ótica da psicanálise, mas quando o assunto é teologia ai a conversa é bem diferente. Rsrsrsrsrs

Por isso que eu acho e admito a relevância superior da psicanálise sobrepujando a teologia, pois ela vai além, partindo e resolvendo os conflitos internos do ser humano.
Enquanto a teologia se preocupa e se ocupa com Deus, a psicanálise dá ênfase no ser humano.

Abraços

J.Lima disse...

Deus meu Deus meu!
Levi, esse texto é formidável!
Me dá um tempo que preciso refletir pormenorizadamente sobre ele, para então fazer um comentário que esteja um pouco digno de tamanha profundidade!

prometo que volto, vou ver se consigo pegar o teor desse e aliar com algums principios biblicos para fazermos uma dobradinha

Eduardo Medeiros disse...

Mestre, no meu presente estado de dependente de Lan, sem poder ler seus profundos textos aos poucos, sorvendo devagar as pérolas que ele traz, resumo tudo numa frase: Esse texto é espetacular!!

Suas leituras psicológicas de temas teológicos são formidáveis.

Levi B. Santos disse...

Prezado J. Lima


Vamos nos dar as mãos! A união faz a força (rsrs). Dobradinha não, Dobradona!

Realmente, é de infinito valor, o que a interpretação psicanálítica faz da situação humana, trazendo inestimáveis subsídios para a Teologia.

A vida e os símbolos do povo judaico com seu passado de tradições são interpretados magistralmente pela psicologia profunda, não para entedermos Deus, mas para compreendermos a história Divina nos homens.


Um grande abraço,

Levi B.Santos

Levi B. Santos disse...

Prezado amigo Eduardo


Sinto sua falta nessa sala, pois você é o pensador que mais gosta de comentar sobre a "imago de Deus" nos homens.

Pena que o seu computador não está cooperando. Estou torcendo para que apareça um desentravado, o mais breve possível. (rsrs)


Abçs,

Levi B. Santos

Edson Moura disse...

Levi meu mestre Bronzeado! Seu texto me deixou um tanto quanto perturbado, talvez deva-se ao fato de eu não tê-lo absorvido da forma como deveria. O esforço foi descomunal para chegar a uma compreensão prévia do que está contido neste fantástico esboço. Mas lá vou eu dar os meus pitacos!

Nós seres humanos ( e digo todos) temos o medo inconsciente ou muita vezes consciente de correr riscos, causando assim um bloqueio na inventividade, liberdade e ousadia. Muitos de nós enterramos nossos projetos de vida pelo medo de correr alguns riscos. Almejamos escalar nossos alvos, mas não ousamos. Procuramos transformar nossos sonhos em realidade, mas nos inquietamos com os riscos da jornada.

Aqueles de nós que conseguirem perceber que é necessário correr certos riscos para transformar nossos projetos em realidade...descobriram que a existência é um contrato de risco. Por que não podemos voltar ao útero materno?

Creio que eliminar todos os riscos da humanidade geraria pessoas autoritárias, individualistas, ensimesmadas, agressivas, deprimidas e entediadas. O risco de sermos adultos implode nosso orgulho, esfacela nosso egocentrismo, nos une, nos estimula a criar laços e experimentar a difícil arte de dependermos uns dos outros. Sem riscos a psique não teria poesia...criatividade...inspiração...coragem e necessidade de conquistas.

Os riscos nessa nossa brevíssima existência também nos fazem ver as lágrimas do autor da Existência no choro de um bebê que saiu do útero materno e entrou no “útero social” e no choro de uma platéia diante de alguém que saiu do “útero social” e entrou no útero de um túmulo. (quem lê entenda)

Que maravilha é hoje podermos pensar...questionar...desconstruir...filosofar, sem as cadeias que outrora nos impediam de sequer cogitar determinadas ideias. Sou grato a você Levi, por ter-me incentivado a adentrar num mundo tão magnífico que é a psicanálise. Gostaria que me recomendasse alguns livros, pois já botei na “cabeça” que estudarei psicologia assim que terminar os estudos.

Desculpe-me pela incontinência em sua sala, mas estou aos poucos visitando todos os confraternos...não comentarei com a mesma freqüência de antes, mas tenha certeza: Estarei sempre lendo o que escrevem.

Abraços do seu amigo Edson

Anônimo disse...

Amigo Mestre Levi...

Parabéns pelo maravilhoso ensaio!!

Mas particularmente, depois deste comentário do Edinho, perdi até a graça de dar o meu ponto de vista...rs...

Mas ainda vou "digerir" direitinho todas as idéias do seu texto (juntamente com as batatas "rufles" que estão cobrindo meu teclado enquanto leio sua postagem..rs)....e depois eu voltarei ok...
hahah

Beijos querido!!

Levi B. Santos disse...

Caro Edson

Gostei desse jogo de metáforas criado pelo teu inconsciente Norédico: "Do útero materno - ao útero social, - e por fim o útero tumular".

Meu amigo isso que o Noreda te revelou, dá um baita de um livro. (rsrsrs)


Forte abraço. Sejam felizes - você e a Paulinha


Levi B. Santos

Levi B. Santos disse...

É Paulinha!

Com esse, já são dois textos que você está digerindo para depois comentar.

Estou aguardando ansiosamente, o término dessa longa digestão(rsrsrs)

Abçs,

Levi B. Santos

Anônimo disse...

Amigo Levi,

Eu vou voltar....espere por mim!!....hehe..

É que meu estômago está que nem de avestruz, até digerir tudo o que come, exige um prazo de muitos dias...hahahahahaha....

Beijos!!

Anônimo disse...

Amigo LEVI, voltei...rs..

Nós seres humanos somos um mistério ainda não desvendado...

Quando crianças, agimos sob a total vontade e mandamento dos pais....pois somos inmaturos, e nem sabemos ao certo que mundo é este que viemos parar...

Geralmente seguimos à risca, a religião da família, torcemos pelo mesmo time de futebol do pai...(isso mostra a influência sob nós e a fragilidade que temos em não tornar visível a nossa revolta em mostrar aquilo que realmente decidimos ou desejamos)..

Mas aí vem a fase adulta....aprendemos a trabalhar com as nossas "asas"....mas existem aqueles que ainda sentem suas "asinhas" não aptas à trabalhar...e aí é que surge o medo de não tentar, não arriscar...e preferem ainda agir no pensamento da infância, pois foi nesta fase que encontraram diversos meios de "defensivas"..

Quanto mistério...não falei?! hahaha...

Beijos!!
Muita paz querido!!

Levi B. Santos disse...

Paulinha

Grato pelo substancioso comentário.

Tudo que você disse é uma verdade incontestável.

Veja bem, sempre gostei de ler e escrever, mas já nasci marcado para ser médico, isto é fui objeto dos desejos paternos (Arquétipo patriarcal)

Desde os meus 14 anos de idade tinha o maior prazer em lê Gibis, almanaques, folhetos de cordel,jornais e revistas como O Cruzeiro, Manchete, a Seara da CPAD. Ainda lembro dos dois primeiros livros que li: Esaú e Jacó de Machado de Assis e os Miseráveis de Vitor Hugo.
Da Bíblia, o que eu mais gostava era do Livro do Eclesiastes.

Hoje, aposentado, ainda pratico a medicina, mas o meu maior prazer ainda continua sendo a leitura e a escrita. Leio tudo que encontro pela frente, menos matemática, geometria e física.

Sempre gostei do bater de asas fora da Gaiola. E, aqui, junto com vocês, me sinto em casa, gozando daquilo que o "Arquétipo da Alteridade" simbolizado por Cristo, tem me dado a conhecer, principalmente nos últimos anos.

Abçs,

Levi B. Santos

glauciasemfalas disse...

Quando criança não essa inocência toda nas crianças, nem essa austeridade severa exercida pelos pais.

Não sei se é devido minha família ser toda da Paraíba, onde nunca presenciei tanta severidade deles.

Para eles chegarem a exercer tal severidade a criança tinha que ter passado dos limites há muito tempo; ou seja, não via o limite do dia a dia.

Vi os meninos serem extremamente cobrados e as meninas sempre serem beneficiadas com a condescendência dos pais.

O caráter de muitos já era duvidoso; e eu já observava tudo isso desde meus cinco anos de idade.

Aos 15 me afastei de todos e resolvi me dedicar a militância política.