Obama e Mubarak em pacto sacro-político
Democracia! Ah, democracia tão cantada em versos e prosas, tão citada em épocas de crises. Mas será que existe democracia mesmo? Será ela, um desejo irrealizável, como os sonhos megalomaníacos que temos e nunca se cumprem na íntegra? Ou ela vai sempre continuar sendo somente um termo usado pelas elites carniceiras que usam o povão como massa de manobra a fim de ter seus caprichos e interesses sociais eternizados. Lembro-me, agora, da resposta que José Saramago (prêmio Nobel de Literatura em 1998) deu a um repórter quando foi inquirido sobre a existência da tal democracia. Ele, assim, prontamente respondeu: "A democracia na realidade não existe. Na minha opinião quem verdadeiramente manda são instituições que não têm nada de democráticas, como o Fundo Monetário Internacional, as fábricas de armas, as multinacionais farmacêuticas, entre outras"
Uma breve revisão histórica se faz necessária nesse momento, porque ela pode nos ensinar muita coisa, sobre esses “ventos de liberdade” (rotulada de "vontade popular") que varreram e ainda varrem os mundos.
Pergunta-se:
Foi realmente a vontade do povo que Barrabás fosse libertado e Jesus crucificado? Cristo representava ameaça a quem? A morte de Cristo foi um consenso democrático? Mas a “história” diz que foi o povo quem decidiu. Ou foi um conselho de fariseus e chefes de sacerdotes que planejou tudo nos mínimos detalhes, dizendo: “se o deixarmos vivo todos crerão Nele, e os romanos virão e tomarão nossos cargos.” (Evangelho de João 11 : 48)
Será que Sócrates foi condenado à morte num julgamento popular, para não corromper os jovens?
Os EUA se constituem, hoje, no grande império vanguardista das “liberdades e igualdades” entre os homens, mas teve o seu BUSH. E o de amanhã só Deus sabe quem será.
O império Romano, talvez tenha se constituído no maior império da história. Organizaram, é certo, um processo de reforma agrária, mas é bom não esquecer que tiveram o seu NERO.
Eça de Queiroz aconselhava que os políticos fossem trocados com a mesma freqüência com que eram trocadas as fraldas dos bebês. Disse isso, talvez, por entender que sujar as fraldas é algo que não se pode evitar. Se as fraldas - os libertários democratas - estão a todo tempo se sujando, troquem-nos, sabendo de antemão que os que virão só permanecerão limpos por pouco tempo. (rsrs)
Tomando o mundo árabe, que está hoje em evidência, como exemplo, é bom rever alguns clichês de discursos dos invasores-reformadores, que desde Napoleão Bonaparte juraram lutar pelo bem estar dos povos oprimidos (tema de uma reportagem da revista VEJA dessa semana). Uma amostra do outro lado dessa história de “ventos da liberdade” está na reportagem de Duda Teixeira: “O Grito dos Jovens” — os que saíram às ruas do Egito pedindo liberdade e o fim da corrupção.
Vejam, agora, trechos de discursos de grandes invasores-libertários (Veja N° 2205) que lutaram bravamente para “acabar com as tiranias locais do mundo árabe” com ações em nome da “democracia”. (rsrs):
“O povo do Egito, dirão a vocês que eu vim para destruir sua religião. Não acreditem nisso! Respondam que eu vim para restaurar seus direitos, punir os usurpadores, e que eu respeito Deus, seu profeta e o Corão” [discurso de Napoleão ao invadir o Egito em 1798]
“Nossos exércitos não entraram nas cidades e terras como conquistadores ou inimigos, mas como libertadores. Desde os dias de Hulagu (líder Mongo), seus cidadãos foram submetidos à tirania de estrangeiros... e os seus pais e vocês mesmos berraram no cativeiro” [General Sir Stanley Maude, inglês, ao entrar em Bagdad, em 1917]
“Lutamos e sentimos que vamos triunfar sempre para consolidar os princípios de dignidade, liberdade e de grandeza, para o estabelecimento de um estado independente tanto política quanto economicamente. A voz do Egito ficou mais forte no cenário nacional e o valor dos árabes ficou maior.” [ Gamal Abdel Nasser, egípcio em 1956 ]
“O mundo assistiu ao nascimento de um Iraque livre e soberano” [ Dick Cheney, vice-presidente dos EUA, em 2004, na deposição de Saddam Hussein]
“A palavra Tahrir significa libertação. É uma palavra que fala para aquele algo em nossa alma que grita por liberdade.” (Que bonito, hein?) [Barack Obama – presidente americano, há duas semanas, saudando as manifestações no Cairo]
Transporto-me, agora, lá do Egito para as Terras que foram exploradas por Dom João VI, a fim de transcrever trecho de um emblemático pronunciamento feito pelo senador Rui Barbosa, no tempo em que os “ventos de liberdade (ops! – libertinagem)” varriam a nossa jovem democracia, em 1914:
"...de tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto."
Por Levi B. Santos
Guarabira, 22 de fevereiro de 2011
5 comentários:
Amigo Levi,
É certo que a corrupção tornou a nossa democracia brasileira numa repugnante plutocracia, mas ainda assim prefiro-a do que qualquer regime totalitário, muito embora o poder em nosso país e no "Mundo livre" seja ainda autoritário. Mesmo na própria Europa ocidental.
Penso que nem os meus ancestrais gregos, em seus tempos de outrora, experimentaram plenamente a democracia que era exercida diretamente pelo cidadão de uma pólis soberana. Pois, além dos estrangeiros, escravos e mulheres terem sido privados das decisões, houve momentos marcados pelo predomínio da mediocridade humana. Uma mediocridade que decorre do nosso medo de pensar refletidamente, de contrariar valores de uma minoria, de desagradar os poderosos, de ser reprovado, de ter mais trabalho, de se importar com quem não nos interessa.
Certamente que o mundo necessita de mais coisas do que a democracia afim de que seja transformado. Sò que, por mais hipócritas que sejam os regimes ditos democráticos, são eles quem permitem a organização da sociedade na defesa de seus direitos, a manifestação do pensamento (mesmo que abafado pela mídia), bem como pode ajudar na liberdade religiosa, motivo pelo qual suponho ser positivo para a propagação do Evangelho o movimento que vem ocorrendo no Oriente Médio.
Por outro lado, sabemos que um regime democrático pode encobrir inúmeras atitudes autoritárias. Nossos militares diziam que o Brasil era uma demoracia sob o regime da Constituição de 1967. As eleições que colocaram Gerge W. Bush como presidente no lugar de Gore não foram tão democráticas. E o Egito ainda vive debaixo de um governo provisório comandado pelos militares.
Sobre a liberdade religiosa numa democracia, sabemos que nem sempre ela existe. Pois há países que, embora tenham regimes democráticos, adotam uma religião oficial e têm leis que dificultam a propagação de um credo diferente. Aliás, a própria Grécia de hoje, berço da democracia, tem uma forte ligação cultural, política e jurídica com a Igreja Ortodoxa, adotando algumas restrições em relação às outras religiões. Inclusive, os judeus na Grécia enfrentaram muitas dificuldades para se organizarem após a independência grega da Turquia. E a coisa talvez poderia ter sido ainda pior caso D. Pedro I tivesse acatado as ordens para deixar o Brasil e aproveitar a oportunidade se tornar o rei da Grécia (episódio pouco conhecido pela população brasileira que apenas sabe vagamente a respeito do "Dia do Fico").
Caro Rodrigo
O seu extenso comentário, trouxe subsídios valiosos ao ensaio postado, e isso é salutar, por provocar um debate mais aprofundado.
Creio que concordamos em um ponto: que a idéia de democracia como sistema ideal assemelha-se muito a ilha utopiana de Morus, quando se concebeu ali um sistema normativo e social absolutamente quimérico. Penso que como as instituições são feitas por homens e para os homens, sempre haverá imperfeições, desvios e diretrizes a corrigir. A natureza paradoxal do homem determina sistemas de governos que são contraditórios, de modo que os próprios meios que os poderes usam para consecução do regime político são a sua própria NEGAÇÃO, e as diretrizes estabelecidas servem muito mais as elites que às massas.
É necessário nos desvencilharmos do pensamento ingênuo, ou nos sacudirmos para afastarmo-nos da apatia mental que acomete os subdesenvolvidos, como diria Darcy Ribeiro, posto que a realidade dos países árabes, sobretudo do Norte da África, é bastante complexa, com variáveis infindáveis.
A grande maioria das Nações envolvidas na Revolução do “Twitter” são Monarquias Constitucionais com fundamento na teologia islâmica, de modo que não se acredita que nessas nações serão implementadas “democracias” nos termos ocidentais, sendo assim, um tanto temerário e precipitado, afirmarmos açodadamente que o vento democrático que sopra e afaga as faces de jovens árabes, “consumidores” da cultura ocidental, vá necessariamente trazer uma plena e inexpugnável liberdade de expressão religiosa. Não se diga, deve-se salientar, que uma posição mais moderada não é pessmismo ranzinza de quem só deseja ver o “circo pegar fogo”, mas lembro que como afirmou o saudoso Bobbio, que a evolução dos direitos passa por transformações históricas (e por isso se diz que os direitos humanos não são direitos naturais como queria Locke e Grottio)
Abraços
Prezado levi,
Talvez concordaremos que jamais haverá um sistema que na prática seja perfeito justamente por causa da ambiguidade humana. Mas penso que poderemos chegar a algo melhor do que o presente, o que, evidentemente, não deverá ser fácil, visto que a desgraça autoritária foi construída por séculos e milênios em todo o mundo, integrando já a consciência cultural dos povos.
Realmente a complexidade do mundo árabe nos impõe sempre a necessidade de cautela diante das análises políticas.
De fato, sinto-me tentado a observar com empolgação a situação com base no que ocorreu há uns 20 anos na Europa do Leste. Mas acho que meu otimismo quanto aos direitos humanos de certo modo procede porque a força das reivindicações não parece vir dos Estados Unidos e nem dos radicais islâmicos, mas brota do anseio de dos respectivos povos pela liberdade, a qual poderá abrir caminho para a questão religiosa.
Faz anos atrás, lí em algum lugar, esta frase que nunca vou esquecer: "Abraham Lincoln foi um destemido lenhador que destruindo os seculares carvalhos do preconceito, abriu a clareira para a democracia".
Ele foi morto, pela razão gritada do assassino:"Isso sempre acontece com os tiranos!"
Sempre haverá uma arma para destruir os nossos sonhos, no momento particularmente engraçado durante a peça, esperando que os risos da platéia abafem o barulho do tiro
Só há uma esperança que jamais morrerá... rsrs
Beijo.
excelente texto, levi. ao que parece, nós ocidentais temos a democracia possível; como bem lembrou o rodrigo, no berço da democracia, escravos e mulheres não tinham voz.
o pior é ver os eua que sempre apoiaram o kadafi agora vêm com esse discurso libertário.
talvez a democracia que esses países irão conhecer será uma bem parecida com a de ahmadinejad no irã.
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