28 fevereiro 2011

VIRTUALMENTE LIVRES



“E nos últimos dias, derramarei do meu ‘livre espírito’ sobre todos, através da INTERNET — parece ser essa, a versão dos tempos atuais para as palavras proféticas que estão escritas no Livro de Joel 2: 28”(Bíblia Sagrada).

Os avanços da tecnologia e da ciência estimulam o homem do mundo dito cristão, a fazer uma releitura ou reinterpretação dos fatos sagrados do livro que mais influenciou e vem influenciando o ocidente. Aqui e acolá, surgem vozes de convocação para uma tarefa árdua: a de reinscrever os traços da Escritura, à moda Talmúdica: uma leitura aberta ao infinito.

A divergência entre povos descendentes de um mesmo pai (Abraão) vem se tornando cada vez mais efervescente na configuração geo-política e religiosa lá no Oriente médio, com repercussão mundial.

Na raiz dessa encrenca milenar está o lema do homem paradoxal: “conseguir o que deseja, quando se deseja e como se deseja”. E isto vem ocorrendo em nome de uma “maldita/bendita” liberdade anunciada desde os tempos mais remotos, lá nas areias finas e quentes do deserto, berço das civilizações.

Pelas ondas invisíveis (como o próprio Deus) da internet, essa coisa diabólica e divina que fundou uma nova era de comunicação, faz transbordar de dentro de nossas cabeças, discursos virtuais que varrem o mundo em questão de poucos segundos.

Nossos encontros, via internet, fizeram renascer epigramas, versos, máximas, ensaios, estudos com uma velocidade descomunal, que mal temos tempos de discuti-los com profundidade.

No entanto, a despeito desses novos anseios cibernéticos, muito do que as pessoas fazem, ainda é governado por velhos modos de pensar.

Na verdade, lá no nosso mais íntimo recanto somos assombrados pelo desassossego de viver sem a proteção de alguém mais poderoso, sem uma mão mais forte a segurar a nossa. Ser dependente para nós é uma constatação terrível e insuportável, apesar de existir dentro de nós um tipo de liberdade: a de dar nomes às coisas.

Psicanaliticamente falando somos escravos dos instintos. Somos consumidos por um desejo de algo novo. Esse anseio primitivo, no entanto, se torna cansativo e doloroso, e terminamos por ceder a um “senhor mais forte”, que nos oferece o antigo fio em que nos quedamos escravos. Nossas autobiografias, caso retrocedessem a nossos ancestrais, poderiam nos fazer ver de que forma eles foram escravizados, e até que ponto nos libertamos dessa herança.Veríamos que não somos nós que falamos; dentro de nós há muitas vidas. Muito de nossa ancestralidade grita através de nossa garganta. Caminhamos em um círculo, onde tudo que vemos e que racionalizamos como novidade, já foi passado.

Usamos os pés de outras pessoas quando andamos para frente, usamos os olhos de outra pessoa para reconhecer as coisas, usamos a memória dos que se foram, para formatar as nossas ambições. Escreveu Plínio (o Velho) 77 d.C.: “as únicas coisas que guardamos para nós mesmos são os nossos prazeres”.

Será que somos realmente livres?

Como “ser livre”, se as memórias que guardamos do nosso passado, ainda regem e influenciam os nossos sentimentos no presente?

Dizemos que somos livres ao pensarmos que os conceitos que adotamos são puramente nossos, quando não passam de um somatório de influências que incorporamos no dia a dia de nossa existência. “O homem moderno vive na ilusão de saber o que quer, quando de fato ele quer o que se supõe que deva querer” (Erich From — O Medo à Liberdade)

Não podemos deixar de reconhecer que o mundo se tornou complexo demais, deixando-nos quase sem nenhuma saída para nossos dilemas, a vivenciar uma situação de carência em que os desejos não suprem o vazio da alma.

Escolhemos a INTERNET (ou ela nos escolheu?), como um bálsamo ou remédio para as nossas dores existenciais. É por ela, que enfim, encontramos a rachadura ou brecha para sonhar com a reforma do mundo, e assim, poder nos sentir VIRTUALMENTE LIVRES.


Ensaio por Levi B. Santos

Guarabira, 28 de fevereiro de 2011

Imagem: umaliberdadevirtual.blogspot.com

8 comentários:

Edson Moura disse...

Leví meu mestre Bronzeado, a resposta à esta sua pergunta é muito fácil (difícil rsss), pois, pelo menos do meu ponto de vista, não somos livres e nunca seremos de fato.

O que muitos julgam ser a "liberdade" (âmbito religioso), nada mais é do que uma nova prisão, esta por sua vez, escaramuçada, e fornecendo assim uma maravilhosa "sensação-ilusória" de se estar amparadamente livres dos percalços impostos pela prisão que ouitrora estavámos (pecado).

Por outro lado, alguns que anseiam por alcançar a iluminação-intelectual, ao depararem-se com a "liberdade" (descompromisso com o pai criador), ao prestarem um pouco mais de atenção à existência, descobrem que a liberdade nada mais é do que uma "prisão". Prisão esta que, nos fustiga com o peso das responsábilidades, açoita-nos com as conseqüências nocivas de nossos atos impensados, aprisiona-nos à incerteza de não ter-mos do outro lado (da vida) um lugar preparado para "vivermos" para sempre em paz.

Ou seja:

Somos prisioneiros-livres das garras da vida, ao mesmo tempo em que somos livres-prisioneiros em nossa existência. Edson Moura

Levi B. Santos disse...

Caro Edson Noreda


Disseste bem:

“Somos prisioneiros-livres das garras da vida”.

Corremos grandes riscos ao procurar alcançar as metas que supomos serem nossas. Contudo, é nosso dever correr atrás de um objetivo, mesmo que ele escape como areia por entre os dedos de nossas mãos.

O que será de nós se jogarmos fora essa casca de otimismo que nos envolve? Ainda mais sabendo que o sentimento de impotência entranhado em nossas profundezas não nos abandona?

Não adianta fugir, caro poeta e amigo. Essa é a nossa marcha, e dentro desse âmbito lutamos à vontade como se fôssemos livres.

Abraços

Edson Moura disse...

Leví, obrigado pela concordância, vindo de você, um elogio é sempre quantificado à máxima potência.

Outra fragmento que deixastes bem salientado, é o fato de, por inúmeras vezes, não darmos a devida importância aos temas que muitos de nós propomos aqui e ali.

O que devemos fazer para que temas tão importantes não sejam esquecidos logo após os primeiros três comentários?

Como devemos nos comportar com respeito aos requintados textos que muitos de nós escrevemos?

A internet nos faz andar muito mais rápidos do que deveríamos. O grandíssimo número de informações que dispomos nos veículos de busca acabam por virarem-se contra nosso próprio esforço em repassar uma informação que julgamos importantes.

Algumas vezes tento sintetizar ao máximo um pensamento, não ilusória esperança de que algum dos leitores esforcem-se para, juntamente comigo, encontrar algumas respostas para os dilemas propostos, ledo engano, cinco minutos após a leitura, o colega já está em outro blog, vendo alguma outra novidade escrita por um de nossos pares. Lamentável.

Sempre converso com o Marcio, e a pergunta que sempre nos fazemos é:

Por que os filósofos, poetas, escritores, inventores da antiguidade foram tão importantes?

Por que até hoje seus nomes e pensamentos ainda ecoam pelas faculdades, rodas de bate papo, encontros filosóficos e afins?

Novamente a resposta é simples:

Eles não tinham a internet, e por este motivo podiam concentrar-se em um só tema de cada vez.

Portanto Levi, nós mesmos somos culpados por nossa irrelevância. Somos os responsáveis por não sermos ouvidos. De tão livres que somos, não nos prendemos nem aos nossos próprios pensamentos, o que na verdade é uma prisão ainda mais cruel.

Abraços mestre!

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Prezado Levi,

Desde ontem, quando li seu texto brevemente, ainda não consegui digeri-lo por completo, mas o que escreveu ajuda-me a refletir sobre outros aspectos.

Será que a internet marcaria o fim de uma vida comunitária? Até que ponto a rede une ou divide a humanidade fragilizando-a? Ficamos ligados por horas nas delícias das interações virtuais, mas às vezes acabamos nos esquecendo das relações familiares e comunitárias. Ou então queremos trazer nossas famílias e comunidades para dentro da internet e aí a relação cai num empobrecimento no meio de uma riqueza de informações. E nisto encobrimos o nosso ser, sendo a internet um excelente ambiente para o uso de máscaras.

A dependência humana fez-me lembrar da monarquia e do período bíblico em que os israelitas desejaram constituir um rei sobre eles ao invés de serem governados pelo Eterno. Mas é a dependência do monarca que paternaliza e infantiliza toda a humanidade, criando uma nociva dependência política. Faz com que idealizemos a figura de um salvador da pátria,esperando que um cara vá surgir do nada e proporcionar felicidade coletiva. Logo surge a divinização do homem, a ideia de um filho dos deuses como fora Otávio Augusto.

Curiosamente a internet parece não ter rei, mas o mundo real tem. Com isto, a internet torna-se uma fuga. Uma droga sem o álcool do vinho ou sem o THC da Canabis sativa, mas que é capaz de fazer o homem esquecer de sua condição de oprimido quando chega do trabalho em casa e prefere não reagir.

Por outro lado, temos visto no Médio Oriente a internet e os celulares sendo usados como ferramentas para mobilizar multidões sobre aquelas areias escaldantes do Saara. Lá, um povo com forte senso de comunidade, informa-se pelo Facebook e se organiza para depor seus monarcas do presente. É quando o viciado enjoa da droga e a dose já não faz seu efeito no seu organismo...

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Edson: "O que devemos fazer para que temas tão importantes não sejam esquecidos logo após os primeiros três comentários? Como devemos nos comportar com respeito aos requintados textos que muitos de nós escrevemos?"


Eu penso que, devido á velocidade da internet, ficamos sem poder digerir melhor as informações produzidas.

Para uma boa reflexão é preciso dispor de tempo, dar um 'stop' nos compromissos da vida e meditar profundamente.

Ontem, ao ler este texto pela primeira vez, deixei de comentá-lo imediatamente. Não me achava em condições de interagir e daí resolvi retornar hoje.

Nesta manhã, o César Maia compartilhou algo bem interessante no seu ex-blog citando um trecho do quarto capítulo da biografia de Fouché, de Stefan Zweig:

"Porque só conhece a vida quem já mergulhou nas profundezas. Só um revés confere ao homem sua força impetuosa integral. Principalmente o gênio criador precisa desta solidão temporária forçada para medir, das profundezas do desespero, do exílio distante, o horizonte e a extensão de sua verdadeira missão."

Eu diria que o pensador muitas das vezes precisa até de momentos angustiosos para amadurecer suas ideias. Foi assim que a humanidade, em séculos de filosofia, conseguiu produzir grandiosos cérebros.

Curiosamente, muitos pensadores também fizeram uso de drogas e aí não posso deixar de insistir que a internet é um tipo de droga.

Ora, droga em excesso faz mal para o pensamento, mas uma medida dosada de vinho contribui para expandir nossa atividade cerebral ao alterar a frequência. Contudo, bebida demais gera embriaguez e alienação. Inclusive o próprio mito de Dionísio estava relacionado ao fato de que o deus grego usava a bebida para produzir alterações nas mentes das pessoas.

"O bom vinho é um camarada bondoso e de confiança, quando tomado com sabedoria." (William Shakespeare)

Abraços.

Levi B. Santos disse...

Caro Noreda

A internet é a nova versão da “Torre de Babel”, que parou por congestão de variedades de línguas, sem interpretação (rsrs)

A salvação da lavoura é que aqui e acolá acontece um “Pentecostezinho” — onde cada um de nós ouve o outro (estrangeiro) em nossa própria língua. Mas isso é muito raro.... (rsrs)

O grande problema é que o dia continua fixo com 24 horas para se digerir tanta avalanche de informação.

Resultado: Vamos morrer de obesidade mórbida (kkkkkkk)

Levi B. Santos disse...

Caro Rodrigo


Seu comentário foi extraordinariamente rico em todos os sentidos.
A grande coincidência, é que pensei mais de uma vez, em citar no texto postado, o caso bíblico em que os Israelitas pedem um Rei a Samuel. Por isso mesmo achei interessante pinçar do seu comentário essa pérola:

“A dependência humana fez-me lembrar da monarquia e do período bíblico em que os israelitas desejaram constituir um rei sobre eles ao invés de serem governados pelo Eterno”

É sempre assim que ocorre com os indivíduos: o desejo de escolher aquilo que lhe pode dar mais liberdade reverte-se em sofrimento ou conflito. O Eterno que eu denomino “superego” nunca deixará de existir para contrabalançar as forças poderosas e sombrias do inconsciente.

O drama ou dilema psíquico de Samuel, diante do surpreendente pedido dos anciões representantes da nação israelita, dever ter, assim, se passado:

A “imago Paterna” no inconsciente de Samuel falou bem alto: “Fui rejeitado”. Ele, então, entristeceu-se, mas logo traduziu a mensagem simbólica para sua própria consciência, ao falar: “Eles não rejeitaram a ti, mas a Mim, para eu não reinar no coração de cada um deles (O Superego entra em acordo, com as forças instintivas humanas, mas nunca cederá o seu lugar de influência na psique humana).

O ideal de ficar livre da “cobrança paterna” interiorizada na mente dos israelitas, reverberou negativamente nos afetos profundos do profeta, pois tal decisão tirava-lhe a função de mensageiro do arquétipo paterno internalizado no inconsciente coletivo do povo judeu.

Quando Samuel viu a Saul, das profundezas do seu inconsciente, veio a certeza de que aquele é quem devia ser o “ungido” para recuperar a herança da “Imago Paterna” no inconsciente dos israelitas, que de uma forma equivocada e racional queriam se livrar dela.


Abraços,

Levi B. Santos

Eduardo Medeiros disse...

levi, li os comentários e isso me basta...rssssssss

este seu texto e esses comentários do edson e do rodrigo é uma prova que do meio da babel, no meio do caos do excesso de informação da net, existem pequenas pausas para bons saraus de pensamento.

a net só reflete virtualmente o que a sociedade é fisicamente em suas relações e fastios por excesso de estímulos.

mas esse é um acontecimento do nosso tempo. creio que o cérebro das crianças de hoje já consequem processar informações bem melhor do que os nossos quando estávamos com a idade delas.