Em Março de 2008, postei um texto no “Ensaios & Prosas” — "Vivo, Por Isso Escrevo" —, no qual cheguei a divagar sobre o que estaria por trás do desejo premente que sentimos de passar algo de nós, ou de nossa imaginação para a escrita.
Indagava eu no ensaio: “O que será que nos induz a escrever sobre nossas experiências, sobre nossos sonhos, sobre nossas dores, sobre os nossos ideais às vezes “loucos”?. Será que a razão talvez esteja no fascínio que o poder da palavra escrita exerce, ao resistir às intempéries do tempo, ao permanecer intacta, perdurando além da nossa efêmera existência?”
Cheguei até concluir que, “quando escrevemos, nos tornamos espelhos onde os outros captam a nossa compreensão do mundo, e os significados que atribuímos aos fatos do cotidiano. As nossas emoções mobilizadas, nossos símbolos, nossas marcas estão lá registradas sob a forma de palavras. O papel é o nosso pombo-correio dos recados que inconscientemente desejamos transmitir ao nosso próximo. Se não há destinatário, perde-se a razão de nossa escrita”.
Os trechos acima, do ensaio por mim postado em 2008, veio à minha lembrança, após a leitura de um instigante artigo de Jorge Forbes — Psicanalista e Médico Psiquiatra. Presidente do IPLA (Instituto de Psicanálise Lacaniana). Diretor do Centro de Genoma Humano da USP. O seu ensaio explica com critérios científicos, o que eu deixei de dissecar, ao fazer as minhas incursões amadorísticas por esse terreno surpreendente e enigmático — o da escrita.
Achei interessante republicar o texto desse renomado psicanalista para que nós, que escrevemos na blogosfera, pudéssemos fazer uma reflexão apurada sobre a dinâmica psicológica de nossa interação transpessoal, quando passamos para o papel ou para a telinha de computador, as nossas histórias e nossas racionalizações e de como nos sentimos ao receber os seus ecos em forma de criticas, de aprovações ou de reprovações.
O texto de Jorges Forbes, que abaixo reproduzo, foi destaque na Revista Psique N° 58, encimado por este título:
Freud sempre se preocupou com coisas simples, característica dos gênios: achar o novo no que todo mundo vê, mas que não enxerga. Entre suas simplicidades, ele escreveu dois artigos em 1908 que sempre me chamaram a atenção pelo tema que abordam e que assim eu resumiria: por que tem tanta gente chata no mundo, aquela que começa a contar um caso e já vai dando sono, e tem gente interessante, que contando a mesma história nos desperta e interessa?
Os dois textos são complementares, chamam-se: A Novela Familiar do Neurótico (Romances Familiares) e O Poeta e o Fantasiar (Escritores Criativos).
Bastam os títulos para termos uma ideia da anteposição entre o neurótico e o poeta, para o vienense. Freud se pergunta o que diferenciaria o poeta — no sentido geral daquele que cria e não só o que compõe versos — do homem comum, genericamente, o neurótico.
Seriam os temas que escolheriam para tratar que marcariam a diferença entre atrativos e desinteressantes? Um só falaria de coisas importantes e universais e o outro de sua vidinha?
A resposta é não, mesmo porque estamos sempre contando a mesma história, ou melhor, tentando completar uma história esburacada, a nossa. O que os diferencia é o tratamento dado ao texto. Um, o neurótico, é orgulhoso de sua história, ela é só sua: o interlocutor tem que entendê-la tal qual, nos mínimos detalhes, arriscando inclusive ter que responder a uma sabatina para provar a boa atenção. O que ele teme é que vejamos suas fantasias pessoais naquilo que nos diz. “Sentiríamos repulsa, ou permaneceríamos indiferentes ao tomar conhecimento de tais fantasias”, escreve o psicanalista. O escritor criativo, por sua vez, “quando nos apresenta suas peças, ou nos relata o que julgamos ser seus próprios devaneios, sentimos um grande prazer, provavelmente originário da confluência de muitas fontes.” Freud conclui da seguinte maneira sua reflexão sobre o efeito que um texto interessante nos causa: “A satisfação... talvez seja devida à possibilidade que o escritor nos oferece de, dali em diante, nos deleitarmos com nossos próprios devaneios, sem auto-acusações ou vergonha.” Sabido o que diferencia um relato do outro, fica a pergunta de como conseguir o texto atraente.
Partindo da questão da auto-acusação, analisemos: A primeira ideia, a mais banal – e equivocada – seria dizer que o poeta, sempre no amplo sentido, é um desaforado, um sem-vergonha. Nada disso. Melhor será notar que o poeta está mais livre do peso da expectativa do outro sobre ele, que um homem comum. Ele não fica tentando controlar como o outro vai entender o que ele diz; seria até engraçado imaginar a cena de um escritor que tentasse ao mesmo tempo escrever e impor como deveria ser interpretado.
O poeta não teme o mal-entendido porque aprendeu que ele não é um erro, é estrutural da espécie humana, como demonstrou Lacan. E se a segurança não vem do “o que o outro vai pensar de mim”, de onde ela vem? Exatamente da certeza constitutiva do mal-entendido que o faz trocar o julgamento do outro, frente ao qual somos invariavelmente culpados, por uma responsabilidade singular, que o leva a criar histórias que recobrem frouxamente o espaço do sem palavra.
´Poeta´ vem do termo ‘poiesis’, justamente: criar, inventar, fazer. Por uma história de um neurótico, ninguém passa, só assistem a ela; por uma história de poeta, muitas outras histórias passam. Com sua posição de responsabilidade ética, e por sua estética aberta, generosa, o poeta faz com que nós também nos livremos das auto-acusações acachapantes e nos arrisquemos a inventar soluções mais singulares a nossos desejos. Deixo para comentar futuramente um terceiro tipo de texto, o psicótico. Seria, falando brevemente, aquele escrito sem pé nem cabeça, do qual só se depreende ruído de palavras e nenhum efeito de sentido. Adianto que não se deve confundir texto psicótico, com o quadro psicopatológico.
Quem diria que, além de nos explicar, Freud deu dicas para um mundo menos chato?! [Jorge Forbes]
De tudo que li sobre o olhar psicanalítico do autor de o “Chato e O Poeta”, uma coisa aprendi, e ficará guardada comigo: a de que no exercício da comunicação é de suma importância aprender a ver e a ouvir com os olhos e os ouvidos do outro, entendendo que, a essência dessa arte nunca é resultado de pretensões exclusivas. Ela, sim, sempre será mediada dentro do espaço coletivo de nossas interações.
Guarabira, 18 de fevereiro de 2011
6 comentários:
Excelente artigo, Levi!
Escrevo desde pequeno e aprendi a tomar gosto pelas redações já na segunda série primária, nas primeiras semanas de aula, quando a professora, dona Emérita, fez uma composição com toda a turma e que cada estudante tinha que contribuir com uma frase. Diferentemente de outros colegas da classe, os quais preferiam se evadir da tarefa, eu me empolguei tanto que passei amar este tipo de trabalhinho quando fazia parte do dever de casa ou caía numa prova.
Em pouco tempo, por volta dos meus 10 anos, eu já estava fazendo minhas historinhas em quadrinhos e inventei uma cidade de macacos com quatro personagens principais. Todos eles bichos...
Depois perdi o gosto pelas historinhas em quadrinho e passei a escrever sobre coisas mais reais e relacionados à política. Foi aí que fui mandando cartas e artigos para os jornais. E, depois de me estressar com as censuras compradas da imprensa brasileira, resolvi investir no meu blogue onde comento sobre o que eu quero sem ter que me submeter a nenhum editor.
Contudo, às vezes me questiono se o que me motiva a escrever, além do ardente desejo de compartilhar, não seria uma necessidade de fuga de minha realidade?
Passa pela minha cabeça se não tenho a preguiça de encarar de frente e com persistência os meus problemas, motivo pelo qual acabo ficando um bom tempo elaborando artigos para por na internet. Só que, mesmo se eu estivesse de bem com todos os aspecto da minha vida, tipo ganhando dinheiro e dando o enfrentamento aos problemas, conforme deveria estar fazendo, ainda assim não me divorciaria das letras.
Apesar de ter me filiado a partidos tidos como "direita" ou "centro", acho que, no compartilhar de meus pensamentos sou um socialista. E, sendo assim, faço minhas o que certa vez escreveu um cabalista em seu blogue, respondendo aos comentários de um internauta:
"Meu blog é apenas uma forma de compartilhar o que vou aprendendo. Eu fico com nervoso de guardar algumas informações que vou descobrindo por aí. Certamente fico muito feliz de saber que alguém como você está tirando proveito disso! Significa que o conhecimento está encontrando ótimas mãos!!"
Fonte: http://yedacabala.blogspot.com/2010/05/servico-diario-tefilot.html
Rodrigo
As nossas histórias com relação à leitura e à escrita são realmente muito parecidas. Desde o tempo de estudante era um maníaco em ler tudo que me chegava às mãos: jornais velhos, revistas, gibis, e era um piolho de biblioteca. Esse anseio eu trago dentro de mim desde os tempos de estudante do Ginasial (que corresponde hoje ao segundo grau), quando editava um jornal literário. Tinha lá meus 14 anos de idade, mais já me arvorava pelos caminhos do “imaginário”, com todo arrojo vaidoso próprio dessa fase tão efervescente e marcante da vida.
Como escrevi no ensaio “Vivo – Por Isso Escrevo”: “Talvez, quem sabe, seja aquele mesmo impulsivo desejo de adolescente que, agora, vendo-me entrar nos umbrais da velhice, me anima a ESCREVER, LER, ESCREVER, LER, sem parar, com avidez ainda maior que a dos tempos de outrora”.
Abraços,
levi, ótimo texto. nem um pouco chato...rsssss
escrever é terapêutico. é compartilhar com o outro o que você antes compartilhou consigo mesmo. e escrever de modo "poético" é uma virtude dos grandes.
quando criança eu desenhava e escrevia minhas histórias em quadrinhos em papel de pão - vocês lembram do "papel de pão"?? rss
mas confesso que gosto mais de ler do que de escrever; já sonhei em ser escritor mas caí na real e vi que não tenho talento para tanto.
mas continuo escrevendo alguns continhos de vez em quando que o pessoal até gosta mas sei de minhas limitações.
gosto mesmo é de ler o que os poetas escrevem; aqueles textos que nos fazem parar e ficar pensando e refletindo e com um gostinho de "pena que acabou"...(como diz uma parte do artigo citado por você).
ah, ainda hoje leio e coleciono hqs(gibis). minha esposa diz que é dinheiro jogado fora mas na verdade é minha leitura mais nostálgica, já que aprendi a ler vendo as revistinhas do bolinha, brasinha, recruta zero...as hqs de super-heróis hoje em dia perderam aquele ar infantil e tratam temas mais adultos, mas é como eu tivesse de novo, seis anos de idade.
abraços
Puxa, Eduardo, você é do meu tempo.
Toda vez que entro num sebo cultural me lembro da "Feira de Gibis" no centro da minha cidade quando tinha entre dez e catorze anos de idade. Passava horas e horas trocando revistas, já que o dinheiro era pouco, para comprar exemplares novos. Adorava Tarzan, Nyoka - a Rainha da selva, Roy Rogers, O Zorro, Fúria Negra,Rock Lane, Pimentinha, Tom Mix, Flecha Ligeira, Bolinha, Luluzinha, Recruta Zero. A revista semanal "O Cruzeiro" com "O Amigo da Onça" de Péricles e a última página com um artigo Rachel de Queiroz, além dos Contos de Trancoso de Mário Mascarenhas.
Tenho saudades daquela meninada toda reunida em pça pública com suas revistas à tiracolo, sem saber ao menos, que estavam realizando ali, a maior feira cultural de minha cidade.
Que pena não termos despertados para a construção de um museu do GIBI.(rsrs)
é isso aí, levi, muito boa ideia: um museu do gibi. será que já não existe?? não pode ser!!! rsssss
hoje até os crentinhos, filhos dos crentes, podem ler as aventuras de sansão, davi matando golias e jesus andando sobre as águas em quadrinhos. no meu tempo isso seria heresia...kkkkkkkkkk
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