27 dezembro 2012

Uma Crônica de Ano Velho




Segundo a mitologia grega o personagem Narciso morreu afogado ao se extasiar, por longos momentos, com a bela imagem do seu rosto, refletida na água.

O rosto realmente é um território nômade. É como uma paisagem que durante o dia se nos apresenta com todo o seu brilho, até que as sombras da noite tornem-na invisível ou opaca. A imagem do rosto vai mudando como muda a estação verde do inverno para seca causticante, desértica e feia do sertão. O rosto vai murchando, como a erva no campo até que numa noite última ele não mais se modifique, ficando estático.

O que me induziu a escrever sobre o rosto, sobre a fisionomia, foi um fato inusitado que aconteceu comigo há três semanas:

Fui convocado para apresentar documentos para retirada de uma pequena diferença salarial em um banco da Capital do Estado – João Pessoa. Ao fornecer a minha carteira de identidade, o gerente de maneira repentina e espontânea, perguntou-me: “Quem é esse? Esse não é você!

A carteira de identidade era datada de 1973, cuja foto, realmente, nada tinha a ver com o rosto que estava diante do funcionário do banco que me atendia. Explicou-me, então, que a Carteira de Identidade (o RG) só tem validade durante dez anos. Perguntei-lhe: “A foto do documento é minha quando era mais moço; vou ficar sem receber o que me é devido, só por causa da foto ser antiga?

“Não senhor! ― tem uma solução” ―, respondeu-me o sub-gerente: Mostre-me a sua carteira de motorista (que só é válida por cinco anos). Foi como me safei, porque neste documento estavam impressas as marcas do tempo, que transformaram o rosto de outrora no que ele é hoje.

Ali mesmo, veio a minha lembrança o que tinha lido do filósofo, Gilles Deleuze. Ele dizia: O rosto é mistério, é metamorfose a cada instante. Esse filósofo da pós-modernidade chamava o rosto de “extrato”, que através dos anos vai criando multiplicidade, criando buracos e reentrâncias que levam a novas configurações, e está em movimento contínuo para o devir perpétuo.

Interessante, é que o cérebro está contido na cabeça do sujeito, mas o que vale nessas ocasiões é a exterioridade, é o rosto. O cérebro de um homem de mais de sessenta anos pode estar brilhantemente perfeito, pode ainda estar exalando os perfumes das flores da primavera, mas nada disso vale, se há deserto no rosto. Agora eu sei que as rugas, que expressam a cartografia existencial percorrida desde a infância, devem ficar estática em um papel a cada dez anos, para confirmar que sou eu o dono do documento; isto, se a mudança fisionômica nesse período de tempo não for muito severa.

No instante em que o gerente olhava o meu RG antigo e a carteira de motorista nova, tive a ligeira impressão de que ele estava a dizer: “aqui tem dois estrangeiros”: um, com todo seu vigor e outro cheio de linhas de fuga caminhando para o fim.

Refletindo bem, agora entendo o “porquê” das clínicas estéticas e de cirurgias plásticas estarem com suas agendas abarrotadas. Rostos e corpos anoréxicos fazem a tendência atual. Talvez, um dia, quem sabe, o Congresso Brasileiro apresente um decreto fazendo constar que a carteira de identidade seja eterna enquanto durem os efeitos das aplicações de botox e reanimações estéticas promovidas por mãos hábeis de cirurgiões nos rostos dos indivíduos.

Mas além dos meandros misteriosos da "rostidade" que se acumulam com o tempo, aos 66 anos de idade, algo me consola, como escrever um poema, uma crônica ou prosa, pintar um quadro, tocar uma modinha antiga, me reunir com a família, brincar com as netas e contar histórias dos tempos da inocência.

 O importante, como diz o manual da terceira idade, é nunca perder o senso de humor, especialmente sobre si mesmo.

“O doutor agora está colhendo os louros da tranqüilidade!” ― assim despediu-se o subgerente, quando me dirigia para fora do recinto do Banco.

Depois, fiquei a perguntar aos meus botões: “será que o chefe do setor de pagamentos iria acreditar que nos anos de chumbo, a cada quinze dias, dava plantão de 72 horas em um Hospital. Entrava na sexta feira às sete horas da manhã e saía às sete da manhã da segunda-feira, com direito a cinco horas de folga, para pegar no batente com doze horas diárias de trabalho até o próximo final de semana? A minha folga se resumia a dois sábados e dois domingos por mês”.

Adeus, anos velhos...

Por Levi B. Santos
Guarabira, 27 de dezembro de 2012

Site da Imagem: spleenbored-

25 dezembro 2012

O Natal de João Brandão (Ou o Nosso Natal)





O grande poeta mineiro, Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987), na década de 1970 escrevia crônicas no Jornal do Brasil do Rio de Janeiro. O seu livro ― “Os Caminhos de João Brandão” ― reúne várias crônicas que foram publicadas nesse jornal do Rio que, na época,  era um dos periódicos de maior tiragem no país.

Dentre as crônicas desse livro, uma me despertou muito a atenção. Trata-se do conto: “Neste Natal”.  Achei a sua narrativa tão atual com o momento porque passa o Brasil, que não resisti ao ímpeto de trazê-la à tona neste fim de Noite de Natal:

Este Natal

Carlos Drummond de Andrade


— Este Natal anda muito perigoso — concluiu João Brandão, ao ver dois PM travarem pelos braços o robusto Papai Noel, que tentava fugir, e o conduzirem a trancos e barrancos para o Distrito. Se até Papai Noel é considerado fora-da-lei, que não acontecerá com a gente?

Logo lhe explicaram que aquele era um falso velhinho, conspurcador das vestes amáveis. Em vez de dar presentes, tomava­-os das lojas onde a multidão se comprime, e os vendedores, afobados com a clientela, não podem prestar atenção a tais manobras. Fora apanhado em flagrante, ao furtar um rádio transistor, e teria de despir a fantasia.

— De qualquer maneira, este Natal é fogo — voltou a ponderar Brandão, pois se os ladrões se disfarçam em Papai Noel, que garantia tem a gente diante de um bispo, de um almirante, de um astronauta? Pode ser de verdade, pode ser de mentira; acabou-se a confiança no próximo.

De resto, é isso mesmo que o jornal recomenda: "Nesta época do Natal, o melhor é desconfiar sempre”.Talvez do próprio Menino Jesus, que, na sua inocência cerâmica, se for de tamanho natural, poderá esconder não sei que mecanismo pérfido, pronto a subtrair tua carteira ou teu anel, na hora em que te curvares sobre o presépio para beijar o divino infante.

O gerente de uma loja de brinquedos queixou-se a João que o movimento está fraco, menos por falta de dinheiro que por medo de punguistas e vigaristas. Alertados pela imprensa, os cautelosos preferem não se arriscar a duas eventualidades: serem furtados ou serem suspeitados como afanadores, pois o vende­dor precisa desconfiar do comprador: se ele, por exemplo, já traz um pacote, toda cautela é pouca. Vai ver, o pacote tem fundo falso, e destina-se a recolher objetos ao alcance da mão rápida.

O punguista é a delicadeza em pessoa, adverte-nos a polícia. Assim, temos de desconfiar de todo desconhecido que se mostre cortês; se ele levar a requintes sua gentileza, o melhor é chamar o Cosme e depois verificar, na delegacia, se se trata de embaixador aposentado, da era de Ataulfo de Paiva e D. Laurinda Santos Lobo, ou de reles lalau.

Triste é desconfiar da saborosa moça que deseja experimentar um vestido, experimenta, e sai com ele sem pagar, deixando o antigo, ou nem esse. Acontece — informa um detetive, que nos inocula a suspeita prévia em desfavor de todas as moças agradáveis do Rio de Janeiro. O Natal de pé atrás, que nos ensina o desamor.
E mais. Não aceite o oferecimento do sujeito sentado no ônibus, que pretende guardar sobre os joelhos o seu embrulho.

Quem use botas, seja ou não Papai Noel, olho nele: é esconderijo de objetos surrupiados. Sua carteira, meu caro senhor, deve ser presa a um alfinete de fralda, no bolso mais íntimo do paletó; e se, ainda assim, sentir-se ameaçado pelo vizinho de olhar suspeito, cerre o bolso com fita durex e passe uma tela de arame fino e eletrificado em redor do peito. Enterrar o dinheiro no fundo do quintal não adianta, primeiro porque não há quintal, e, se houvesse, dos terraços dos edifícios em redor, munidos de binóculos, ladrões implacáveis sorririam da pobre astúcia.

Eis os conselhos que nos dão pelo Natal, para que o atravessemos a salvo.

Francamente, o melhor seria suprimir o Natal e, com ele, os especialistas em furto natalino. Ou — idéia de João Brandão, o sempre inventivo — comemorá-lo em épocas incertas, sem aviso prévio, no maior silêncio, em grupos pequenos de parentes, amigos e amores, unidos na paz e na confiança de Deus.
(14-12-1966)

FONTE:
"Caminhos de João Brandão", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1970, pág. 84.

Site da Imagem: sebomeusebinho.com

21 dezembro 2012

O Natal do Morro do Cruzeiro


Morro do Cruzeiro – Alagoa Grande – Paraíba





O morro do Cruzeiro de minha cidade natal, no meu tempo de criança, só  quem tinha muito preparo físico é que conseguia chegar até o seu topo, onde uma grande cruz se encontra erguida. Lá, os romeiros deixavam pedaços de corpo humano em madeira ou gesso − promessas de curas de doenças, as mais variadas.  Os órgãos e membros do corpo humano, confeccionados de uma maneira artesanal ficavam junto ao pé da grande cruz, em uma completa desarrumação. E eu ficava absorto, por longos minutos, a observar o monte de réplicas, símbolo das graças e milagres alcançados pela gente simples da localidade.

Lembro-me que, naquela época,  alguns barracos do morro tinham por teto, folhas de zinco enferrujadas e cheias de furos. Esse longínquo passado, hoje, evoca em mim a dolente canção, “Chão de Estrelas”, de Sylvio Caldas, cuja última estrofe, assim diz: “a porta do barraco era sem trinco / Mas a lua furando o nosso zinco / salpicava de estrelas o nosso chão”. A Lua deles que desenhava estrelas pelo chão de barro batido, hoje, já não consegue furar as lajes de nossos bem ornamentados prédios.

As nossas estrelas vêm da China, país que apesar de não comemorar o Natal à nossa maneira, nos manda os seus astros cintilantes, árvores eletrônicas e outras bugigangas natalinas, as quais são vendidas aos montes por ruas, praças, lojas e botecos para enfeitar os lares do nosso cada vez mais inseguro país.

Mas o Morro do Cruzeiro não é mais o mesmo. A mídia é tão forte que terminou passando para trás a tão querida, cantada e decantada modinha na voz dolente de Sylvio Caldas. A Era Cibernética intensificou nos corações deles o nosso Natal artificialmente moderno. O Natal que hoje comemoramos passou a ser objeto dos seus anseios. Agora, eles ardentemente se converteram ao nosso modelo Natalino. Foram seduzidos, enfim, pelo espetáculo das cores e dos “comes e bebes” propagandeados pela mídia. As sacolinhas coloridas amarradas com laços de fitas contendo castanhas, amendoins confeitados, acompanhadas de biscoitos da marca Pilar a serem degustados com Grapette ou gelada de maracujá, deram lugar aos Panettones, ovos de Chocolate. O Peru  guizado em panela de barro que, junto ao arroz ligado e a farofa com muito coentro e cebola faziam a nossa gulosa alegria, foram substituídos pelos insossos Peru e Chester da Sadia. Que pena!

Em compensação, hoje, o nosso Natal, exteriormente, não é feio. É esplendidamente belo. Quem quiser comprovar que vá aos grandes espaços dos shoppings. Lá se extasiarão com os belíssimos espetáculos para os olhos. Ficarão deslumbrados ante os presépios artificiais comandados por computadores, ante as vitrines reluzentes com seus produtos festivos perfeitamente expostos no intuito de atrair os consumidores compulsivos.

Mas é Natal, e não resistimos mesmo em maximizar os nossos esforços  vinculados ao princípio do prazer. Como não expressar para os outros a nossa imagem singularmente imaginada? O que seria da sociedade atual, se não fosse esse fervor verdadeiramente hedonista que, com todo seu esplendor e glória se apodera de nós no final de ano?

Um cardiologista amigo me falou que, entre 24 e 25 de dezembro, as intervenções cardiológicas ocorrem quatro a cinco vezes mais que num dia comum. Perdoem-me, mas eu não sei o que deu em mim, para terminar  esta saudosa crônica  focalizando esse lado triste do Natal. Aff!!!

Tenho 66 anos de idade, preciso resistir ao moderno espírito natalino. (rsrs)

Aos amigo(a)s e parentes, Boas Festas (com moderação).


Por Levi B. Santos
Guarabira, 21 de dezembro de 2012

15 dezembro 2012

Papai Noel em Apuros





No começo desse mês teve início a Operação Papai Noel na cidade Maravilhosa e nos municípios circunvizinhos, que se estenderá até 6 de janeiro de 2013. Em todas as grandes cidades desse imenso Brasil haverá reforço especial na área de segurança, combatendo a criminalidade nesse período sagrado, em que a cristandade sai festivamente para as compras e para os “comes e bebes”.

O Jornal Gazeta de Caxias ― RJ diz que a operação terá, este ano, um incremento de 20% no efetivo de policiais militares em hora-extra, além de pedestais e viaturas para um atendimento mais efetivo na cobertura da área comercial da cidade nesse momento de maior volume de público e de vendas.

Apesar de todo o esforço dos poderes públicos, os Papais Noéis, estão amedrontados com os casos de violência contra Sua Majestade como, nos últimos anos, têm noticiados a televisão e os jornais.

O certo é que o maior personagem do Natal, a cada ano que se passa, continua a correr mais e mais perigo. Para avivar a nossa memória trago uma pequena amostra de casos inusitados ocorridos nos últimos cinco anos, divulgados pela imprensa:

Dezembro de 2007:

No complexo de Maré, no Rio de Janeiro, o helicóptero de Papai Noel foi atingido por dois tiros de fuzil numa tarde natalina de domingo. Sorte que ninguém se machucou. E o Papai Noel, depois do susto, pegou um taxi e foi bravamente distribuir seus presentes.

Novembro de 2007:

Foi por essa época em São Paulo e não na cidade Maravilhosa do Cristo Redentor, que a violência partiu de onde menos se imaginava: Um Papai Noel de Rio Claro – SP agrediu à coronhadas uma senhora de 71 anos para roubar R$ 5.000. A reportagem não refere a que igreja pertencia esse Papai Noel que assaltava, abertamente, seus fiéis seguidores.

Dezembro de 2011:

A Casa de Papai Noel de São João Batista, ― inaugurada no último sábado de dezembro de 2011, na Grande Florianópolis, foi arrombada de madrugada por quatro homens. Os ladrões furtaram três ursos de pelúcia, um boneco de papai Noel e enfeites de casa.

Abril de 2012:

Aos 52 de idade, um morador de Santos, no litoral de São Paulo realizou o sonho de ser Papai Noel pela primeira vez. Trabalhando em um dos principais shoppings da cidade, o técnico em informática Flávio Tourelli divide os momentos de alegria com os de emoção do dia a dia no trabalho, já que os pedidos das crianças costumam, muitas vezes, surpreender. Um pedido muito especial deixou Tourelli totalmente desconcertado: uma menina de apenas seis anos que pediu rim para a mãe, que está aguardando pelo transplante do órgão.

Outubro de 2012:

Rosa Teixeira trafegava pela rua Agostinho dos Santos, quando no cruzamento com a rua Glauber Rocha, foi atingida por um veículo Corcel II, que era conduzido por um Papai Noel candidato a vereador. A vítima foi levada para UPA II. O candidato Papai Noel não ficou ferido.

Setembro de 2012:

Foi numa sessão de quarta feira no salão nobre do STF, por ocasião do julgamento dos mensaleiros que o nome de Papai Noel foi ventilado pelo Juiz Joaquim Barbosa. Não havia crianças por perto quando o ministro, usando de ironia para reforçar sua tese de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, disse “que os envolvidos no mensalão só não saberiam da origem ilícita do dinheiro se acreditassem em Papai Noel.
Joaquim Barbosa foi duro. Ao desmentir publicamente a existência de Papai Noel, o ministro acabou por estragar a festa natalina de 2012 dos envolvidos na dilapidação do tesouro nacional. Pelas chaminés de suas belas mansões, muitos acreditam que, agora, não descerão mais presentes em nome de Papai Noel.

Agosto de 2012:

Parece incrível, mas no que diz respeito a Papai Noel, Lula, agora, se alinha ao ministro Barbosa. Em agosto de 2012, o ex-presidente disse em entrevista ao New York Times: Papai Noel nunca existiu. [ Leia aqui ]


Por Levi B. Santos
Guarabira, 15 de dezembro de 2012 

Site da Imagem: devastacao.wordpress.com

11 dezembro 2012

“LIVRO” ― Um Novo Sinônimo de DINHEIRO




No dicionário Houaiss existe cerca de 120 sinônimos da palavra dinheiro. O mais novo vocábulo para definir o “vil metal” foi recentemente descoberto pela Polícia Federal, por ocasião da operação Porto Seguro.  

Investigando os computadores da gangue de Rosemary Noronha ― A Facilitadora Geral da República, com sede em São Paulo ―, os policiais encontraram em seu computador e-mails fazendo uso da palavra ‘LIVRO’ no lugar de dinheiro. O fato foi sobejamente esmiuçado e veiculado pela imprensa. Essa mais nova contribuição à Língua Portuguesa adveio das comunicações pela internet entre membros de uma organização que negociava pareceres.

Na última página da revista Veja desta semana, o artigo “Leitura para Bebês”, de Roberto Pompeu Toledo, traz um diálogo inusitado entre os elementos da suposta gangue, no qual a palavra LIVRO é usada como metáfora de muito dinheiro correndo solto por baixo dos panos, como o leitor pode conferir abaixo:

De Rosemary, pivô da gangue para Paulo Vieira: “Se você acha que não está no correio abone o envio dos trinta livros.

De Paulo Vieira para José Weber: “Está em falta o livro sobre terras da União. Eu trouxe aquele volume resumido. Tem o volume resumido que eu mandei comprar pra você e preciso te entregar.”

De Vieira para um funcionário do Ministério da Educação: “Há vinte exemplares da obra à sua disposição na minha casa na próxima semana. É para suas leituras de férias”.

O fato caiu no colo de Dilma como uma bomba, pois a mentora maior da propalada quadrilha era nada mais e nada menos que a amiga inseparável dos dois “ZÉS” (o Ignácio e o Dirceu).

A presidenta, no entanto, não levou em conta a velha amizade da protegida pela ex-troupe imperial, como também nem quis saber da façanha léxica tão bem arquitetada pela gangue e, de uma canetada só, demitiu de imediato a representante da Presidência da República de São Paulo junto com seus assessores mais próximos.

Acredito que só após o final do processo, que pode ter como palco o STF, é que os dicionários irão editar a palavra “livro”, como o mais novo sinônimo de dinheiro, que já tem em seu rol, termos populares como: arame, bufunfa, bolada, caroço, capim, caraminguá, cobre, massa, mesada, níquel, prata, pacote, trocado, tutu, etc.

Por Levi B. Santos
Guarabira, 11 de dezembro de 2012

08 dezembro 2012

O Salmo da Era Digital




Por   Levi B .Santos


O GOOGLE é meu Pastor;
Nada me faltará.
Alimenta-me em seus verdes pastos
Guia-me com facilidade por lugares tranqüilos e inimagináveis.

Refrigera a minha alma, guia-me pelas veredas virtuais por amor de Sua sigla.
Ainda que eu ande pelo vale da ignorância e da insensatez não temerei mal algum
Porque Tu estás comigo diuturnamente. Os Teus links e os Teus arquivos me consolam.

Preparas a cada dia uma mesa diante de mim na presença dos inimigos que não Te buscam,
Unges os meus olhos com o Teu Youtube e o meu cérebro com a tua Biblioteca e Wikipédia, e a minha vida transborda de alegria.

Certamente que a bondade e o pronto socorro que ofereces, através de tuas infinitas e fantásticas informações, me seguirão todos os dias de minha vida; e habitarei em Tua Casa por longos dias.

uma paródia do Salmo 23  (do rei e poeta Davi)

Site da Imagem: reinoesacerdote.com

03 dezembro 2012

Fundamentos Psicológicos da Conversão de Saulo de Tarso ― Segundo Jung





Dentre todos os estudiosos da Psique, Carl Gustav Jung, foi quem analisou mais a fundo o fenômeno religioso.

Frank McLynn ― autor de sua mais vasta e profunda biografia ― narra que o menino Jung, filho do pastor protestante, Paul Jung e sua esposa Emile, criado numa atmosfera mórbida, era muito introvertido. A sua mãe foi forçada a deixar o filho no período em que iniciava a adolescência para se internar em um hospital de Basiléia – Suíça, a fim de se tratar de depressão e ansiedade neurótica.

 Diz o autor, que Jung bebeu da mãe o leite e a superstição; e do pai, herdou a melancolia e a introversão. O certo é que o sofrido passado de Jung viria mais tarde fazer com que ele se interessasse pelo o estudo dos fenômenos religiosos.

Em seu volumoso livro ― “A Natureza da Psique” (Editora Vozes) ―, ele evoca um passado misterioso e fascinante que influenciou toda sua vida, e que ainda está muito presente em si, como prova esse trecho colhido na página 241 desta sua emblemática obra:

“Se lançarmos um olhar para o passado da humanidade, encontraremos, entre muitas outras convicções religiosas, uma crença universal na existência de seres aeriformes ou etéreos que habitam em volta do homem e exercem sobre ele uma influência invisível e poderosa. Em geral esta crença é acompanhada da idéia de que esses seres são espíritos ou almas de pessoas mortas”.

Jung, diz o autor da biografia, “...ficava traumatizado ante a visão dos padres de batinas pretas descendo cabisbaixos nos cortejos fúnebres. A fobia familiar projetada na religião, por volta dos quatro anos de idade desenvolveu nele uma fascinação mórbida pela morte e por cadáveres. Andava pela casa às escuras, altas horas da noite, imaginando fantasmas e outras emanações emergindo do quarto da mãe”.

Já adulto, e participando do grupo de psicanálise criado por Freud, Jung nunca deixou de ligar os fenômenos descritos na Bíblia à complexos psíquicos, inconscientes, que os denominou de arquétipos. Um exemplo excelente desse complexo ele narra no livro “A Natureza da Psique” (página 247):

A psicologia da conversão de Paulo:

“Embora pareça que o momento da conversão tenha sido absolutamente repentino, contudo, sabemos por longa e variada experiência que uma transformação tão fundamental exige um longo período de incubação". 

O livro 'Atos dos Apóstolos' dá a entender que Paulo vinha resistindo a algo dentro de si: Vide o ‘... é duro para ti recalcitrar contra os aguilhões de Deus!’  (grifo meu). 

"E só quando está preparação está completa, isto é, quando o indivíduo está maduro para a conversão, é que a nova percepção irrompe com violenta emoção. Saulo já era inconscientemente cristão desde muito tempo, e isto explicaria seu ódio fanático contra os cristãos, porque o fanatismo se encontra sempre naqueles indivíduos que procuram reprimir uma dúvida secreta. É  por isto que os convertidos são sempre os piores fanáticos. A aparição de Cristo no caminho de Damasco assinala apenas o momento em que o complexo inconsciente de Cristo se associa ao eu de Paulo. O fato de Cristo lhe ter aparecido, então, de modo quase objetivo, como visão, se explica pela circunstância de que o cristianismo de Saulo era um complexo inconsciente. Por isto é que este complexo lhe aparecia sob a forma de uma projeção, como não pertencente a ele próprio. Ele não podia ver-se a si mesmo como cristão. Por isto ficou cego, em conseqüência de sua resistência a Cristo e só pode ser curado de novo por um cristão. Sabemos, por experiência, que a cegueira psicógena em questão é sempre uma recusa (inconsciente) a ver. Ele perseguia os cristãos como representantes deste complexo de que ele não se dava conta [...]. [...] Vemos este fenômeno repetir-se constantemente em nossa vida cotidiana: encontramos indivíduos que não hesitam o mínimo em projetar suas próprias opiniões sobre pessoas e coisas, odiando-as ou amando-as com a mesma facilidade. Como a análise e a reflexão são processos complicados e difíceis, eles preferem julgar tranquilamente sem dar-se conta de que simplesmente estão projetando algo que trazem dentro de si e deste modo não percebem que são vítimas de uma estúpida ilusão”.

Uma prova de que o apóstolo Paulo lutava consigo mesmo está nessa ambivalente afirmação: “Porque nem mesmo compreendo o meu modo de agir, pois não faço o que prefiro e, sim, o que detesto (o mal).”

A concepção de um Deus transcendental, magnânimo e onipotente, tornava a existência do mal inexplicável, mas isto, para Jung, era devido à cabeça dura dos teólogos, que tentavam purificar ao extremo a noção de divindade, decantando-a dessa misteriosa força das trevas chamada Satã” — descreveu o biógrafo no capítulo: Jung O Teólogo (página 497).


Por Levi B. Santos
Guarabira, 03 de dezembro de 2012

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Obras consultadas:

1.     Frankl McLynnJung – Uma Biografia - Editora Record
2    2.     C. G. Jung – A Natureza da Psique – Editora Vozes
3    3.  Epístola de Paulo aos Romanos – Novo Testamento
      4.   Livro de Atos dos Apóstolos  ― Novo Testamento

            Site da Imagem: spinorbitalatomico.blogspot.com

29 novembro 2012

O HÁBITO DA EXCLUSÃO




Nada há mais emblemático para representar o “desejo humano de exclusão” do que a alegoria do Livro de Gênesis, em que um Deus resolve excluir de seu séquito àquilo ou àquele que mais o aborrecia.

Ficamos desconcertados quando àquilo que tentamos expulsar de nós o vemos escancaradamente no outro. Não gostamos quando o outro se despe e mostra nele a nossa vergonha. A expulsão do casal primevo do paraíso no mito da Criação relatada no Gênesis tem um significado metafórico: evidencia a exclusão ou desejo de expulsar algo intrínseco ou indissociável da natureza humana para tentar projetá-lo no outro. Querendo ver–se livre do “mal” que habita em si, o homem esconde dos outros, algo doloroso que lhe é inerente. Esse ato não deixa de ser, no imaginário psíquico, uma forma de exclusão.

O desejo de exclusão no alegórico relato do Gênesis também quer mostrar a repressão dos desejos considerados “profanos” ou inconfessáveis. O tempo todo, o homem procura se defender dele mesmo. O homem é um ser reativo e, na reação esboçada exerce uma espécie de auto-exclusão dos afetos que ele considera inadequados. Na reação ou ato humano de excluir há, no fundo, um desejo de esconder uma parte de si aos olhos dos outros.

Já dizia o filósofo Paul Valèry: “Os homens se diferenciam pelo que mostram e se parecem pelo que esconde.”

Mas será que o “hábito da exclusão” é coisa só do passado? Politicamente falando, passamos pelo período “negro” da ditadura militar, em que esse “hábito” foi exercido de forma escancarada, com toda sua força.

Mas depois da ditadura veio a “democracia” que, aparentemente, não deveria rimar com exclusão. Muita gente do meu tempo, acredito, deve ter ainda na memória o primeiro teste da democracia pós-ditadura, em 1985, quando só se falava em pluralismo. Exatamente quando renascia das cinzas a democracia, eis que o ranço do velho “hábito da exclusão” se fez presente, gerando uma grande polêmica: o Rock in Rio serviu de desaguadouro para esse afeto que nos é muito particular. Os patrulheiros ideológicos de dentro da intelectualidade democrática brasileira entraram em um efervescente atrito: uns diziam que o Rock in Rio era uma invasão indevida à terra do samba. Só depois é que entenderam que o hábito da exclusão deveria ter uma nova leitura: nem o rock acabou com o samba, nem o samba acabou com o rock.

O desejo de exclusão que muitos pensam ser um atributo da ditadura renasce através do velho mecanismo de censura até mesmo em regime que se diz democrático. A Nova República, só para começar, estreou enganando a todos: excluíram a verdade dos boletins médicos sobre a doença grave que levou Tancredo à morte.

Aí, muito depois, veio o PT com um discurso de moralização: “Nós não somos iguais a eles”. O grande comandante da nave do partido dos trabalhadores veio com o discurso de transparência total em contraposição aos malfeitos realizados pelos que o antecederam. O lema era: “O PT não rouba, nem deixa roubar”. E aí a história todo mundo já sabe de cor e salteado: o hábito da exclusão sob a forma de se esconder o ilícito foi, como nunca, exercido em toda sua plenitude, até que um de lá de dentro, se sentindo “excluído” da elite do “politicamente correto”, resolveu entregar de bandeja ao Ministério Público todo um sistema criminoso de dilapidação dos bens públicos.

No desejo de purificação da política brasileira pelo antes, sagrado PT, estava embutido um pacto no reino do toma-lá-dá-cá. Os parceiros desse grupo, pela via dolorosa do hábito da exclusão, em secreto, queriam um pódio para se eternizar no poder.

O hábito de esconder dos outros as partes ou sentimentos ruins, não é de hoje. Essa é uma realidade psíquica que choca. O homem se choca diante de seus afetos destrutivos. No dizer de Chesterton, esse choque “é comparável ao indivíduo que acaba de descobrir um quarto interno no recesso mais íntimo de sua própria casa, de cuja existência nunca se suspeitara”.


Por Levi B. Santos
Guarabira, 29 de novembro de 2012

Site da Imagem: edsonmelosintonia.blogspot.com