Nada
há mais emblemático para representar o “desejo
humano de exclusão” do que a alegoria do Livro de Gênesis, em que um Deus
resolve excluir de seu séquito àquilo ou àquele que mais o aborrecia.
Ficamos
desconcertados quando àquilo que tentamos expulsar de nós o vemos
escancaradamente no outro. Não gostamos quando o outro se despe e mostra nele a
nossa vergonha. A expulsão do casal primevo do paraíso no mito da Criação
relatada no Gênesis tem um significado metafórico: evidencia a exclusão ou desejo
de expulsar algo intrínseco ou indissociável da natureza humana para tentar
projetá-lo no outro. Querendo ver–se livre do “mal” que habita em si, o homem
esconde dos outros, algo doloroso que lhe é inerente. Esse ato não deixa de
ser, no imaginário psíquico, uma forma de exclusão.
O
desejo de exclusão no alegórico relato do Gênesis também quer mostrar a
repressão dos desejos considerados “profanos” ou inconfessáveis. O tempo todo, o
homem procura se defender dele mesmo. O homem é um ser reativo e, na reação
esboçada exerce uma espécie de auto-exclusão dos afetos que ele considera
inadequados. Na reação ou ato humano de excluir há, no fundo, um desejo de
esconder uma parte de si aos olhos dos outros.
Já
dizia o filósofo Paul Valèry: “Os homens se diferenciam pelo que mostram e
se parecem pelo que esconde.”
Mas
será que o “hábito da exclusão” é
coisa só do passado? Politicamente falando, passamos pelo período “negro” da
ditadura militar, em que esse “hábito”
foi exercido de forma escancarada, com toda sua força.
Mas
depois da ditadura veio a “democracia” que, aparentemente, não deveria rimar
com exclusão. Muita gente do meu tempo, acredito, deve ter ainda na memória o primeiro
teste da democracia pós-ditadura, em 1985, quando só se falava em pluralismo.
Exatamente quando renascia das cinzas a democracia, eis que o ranço do velho “hábito da exclusão” se fez presente, gerando uma grande polêmica: o Rock in
Rio serviu de desaguadouro para esse afeto que nos é muito particular. Os
patrulheiros ideológicos de dentro da intelectualidade democrática brasileira
entraram em um efervescente atrito: uns diziam que o Rock in Rio era uma invasão
indevida à terra do samba. Só depois é que entenderam que o hábito da exclusão
deveria ter uma nova leitura: nem o rock acabou com o samba, nem o samba acabou
com o rock.
O desejo de exclusão que muitos pensam
ser um atributo da ditadura renasce através do velho mecanismo de censura até
mesmo em regime que se diz democrático. A Nova República, só para começar, estreou
enganando a todos: excluíram a verdade dos boletins médicos sobre a doença
grave que levou Tancredo à morte.
Aí,
muito depois, veio o PT com um
discurso de moralização: “Nós não somos iguais a eles”.
O grande comandante da nave do
partido dos trabalhadores veio com o discurso de transparência total em contraposição
aos malfeitos realizados pelos que o antecederam. O lema era: “O PT
não rouba, nem deixa roubar”. E aí a história todo mundo já sabe de cor
e salteado: o hábito da exclusão sob
a forma de se esconder o ilícito foi, como nunca, exercido em toda sua
plenitude, até que um de lá de dentro, se sentindo “excluído” da elite do “politicamente correto”, resolveu entregar
de bandeja ao Ministério Público todo um sistema criminoso de dilapidação dos
bens públicos.
No
desejo de purificação da política brasileira pelo antes, sagrado PT, estava embutido um pacto no reino
do toma-lá-dá-cá. Os parceiros desse grupo, pela via dolorosa do hábito da exclusão, em secreto, queriam um pódio para se
eternizar no poder.
O
hábito de esconder dos outros as partes ou sentimentos ruins, não é de hoje. Essa
é uma realidade psíquica que choca. O homem se choca diante de seus afetos
destrutivos. No dizer de Chesterton,
esse choque “é comparável ao indivíduo que acaba de descobrir um quarto interno no
recesso mais íntimo de sua própria casa, de cuja existência nunca se suspeitara”.
Por Levi B. Santos
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