Sou
um leitor assíduo dos ensaios que Luiz Felipe Pondé escreve toda
Segunda Feira no caderno de cultura ―ILUSTRADA ―, da Folha de São Paulo.
O Pernambucano Pondé, para quem ainda não conhece, é escritor, filósofo, psicanalista, ensaísta e professor da PUC – SP e da USP.
O Pernambucano Pondé, para quem ainda não conhece, é escritor, filósofo, psicanalista, ensaísta e professor da PUC – SP e da USP.
Suas duas últimas
obras publicadas pela Editora LeYa. “Contra
Um Mundo Melhor” e o “Guia
Politicamente Incorreto da Filosofia” são uma coletânea de primorosos
ensaios que levam o leitor a refletir de forma profunda sobre a condição humana
na pós-modernidade.
O ensaio
por ele escrito na Folha de São Paulo,
nessa última segunda feira (dia 05), faz uma ponte entre o mal estar que
extravasa dos escritos de Nietzsche e o pasteurizado ensino
universitário da atualidade. “O
Filósofo do Martelo na Academia”, é o titulo desse maravilhoso texto de
Pondé,
inspirado em um fragmento reflexivo de Nietzsche. Com os devidos créditos, nesse meu recanto do
Google, republico-o para degustação dos leitores amigos e amantes da boa literatura.
O Filósofo do Martelo
na Academia
“Eu
lamento agora que naqueles dias eu ainda não tinha coragem (ou imodéstia?) para
permitir a mim mesmo, de todas as formas, minha própria língua individual...”
“Estas palavras são de Friedrich
Nietzsche (1844-1900), em tradução livre, do seu "Tentativa de Autocrítica", opúsculo escrito por ele como
autocrítica, em 1886, ao seu livro "Nascimento da Tragédia" (primeira
edição em 1872). A edição de 1886 ganhou como acréscimo ao título o subtítulo "Helenismo e Pessimismo".
Nietzsche
foi minha primeira paixão na faculdade de filosofia da USP. Na época,
recém-saído da medicina e em formação para ser psicanalista, o que nunca
aconteceu, eu colocava em diálogo Nietzsche e Freud.
O filósofo do martelo me é inesquecível e continuo pensando com o martelo até hoje. Vocação é destino. Este trecho
específico carrega em si muito do que Nietzsche significa para um filósofo
profissional como eu, em constante mal-estar com o que a vida universitária se
transformou, em épocas de produtividade industrial do ensino superior.
A fala de Nietzsche vai de encontro ao modo como somos formados, não sem
razão, nas boas faculdades de filosofia: somos formados para não sermos
originais. Hoje, entendo que qualquer originalidade possível em filosofia é algo
conquistado a duras penas, assim como a santidade ou os movimentos precisos de
uma dança --metáfora cara ao filósofo do martelo.
Lembro-me de uma das primeiras aulas em
que um dos grandes professores que tive nos disse algo assim: "Você não
está aqui para achar nada, antes de achar algo estude, e descobrirá que muita
gente já pensou o que você pensa, e muito melhor do que você, antes de
você."
Esta dureza acaba por fazer de nós
pessoas menos opinativas e mais rigorosas, e isso é sem dúvida fundamental. Esta
é a diferença entre pensar filosoficamente e pensar como senso comum. Vale
lembrar que do ponto de vista da filosofia, as ciências humanas em geral são
senso comum.
Rigor nada tem a ver com o que a
academia se tornou com o passar dos anos: um antro de política lobista e de
burocracia da produtividade a serviço da morte do pensamento. A universidade
está morta e só não sente o cheiro do cadáver quem tem vocação para se
alimentar de lixo. Fosse Kafka vivo e escrevesse um conto
sobre nós, acadêmicos, nos colocaria com cara de ratos.
Imaginem Nietzsche preenchendo o
currículo Lattes, uma plataforma informática que supostamente democratiza o
acesso à produtividade da comunidade acadêmica, ao mesmo tempo em que normatiza
e quantifica esta produtividade. Na prática, o Lattes serve para nos tomar
tempo (sempre dá pau) e acumular platitudes e repetições que visam a
quantificação de um quase nada de valor.
Agora imaginem Nietzsche às voltas com
relatórios anuais da Capes, que junto com o Lattes, institucionaliza e
quantifica esta mesma produtividade de um quase nada de valor.
Não existiria filosofia se nossos
patriarcas, de Platão a Nietzsche (para citar dois grandes),
tivessem que preencher o Lattes, fazer relatórios Capes ou serem
"produtivos". Todos seriam o que, aos poucos, nos transformamos:
burocratas mudos da própria irrelevância. Analfabetos do pensamento.
Uma das formas de sobreviver a este
processo de produtividade de massa é obrigar nossos alunos a pesquisar aquilo
que não querem, de uma forma que não querem, a fim de garantir verbas
institucionais de pesquisa em grande escala. Esmagamos a criatividade e as
intenções dos alunos fazendo deles uma infantaria estatística. A universidade
mente: quer formar rebanhos dizendo que defende a liberdade de pensamento.
Lutamos dia a dia para conseguirmos
sobreviver aos montes de formulários e demandas do mundo dos ratos. A
universidade aos poucos sucumbe aos efeitos colaterais de um mundo que, como
diria Nietzsche, vomita "ideias modernas". Os processos de
democratização do saber, como suspeitava nosso filósofo, são processos de
produção de nulidades em grandes quantidades.
Mais do que nunca é urgente sermos
corajosos e imodestos para acharmos nossa própria língua individual”.
Luiz Felipe Pondé,
pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em
epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap,
discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência.
Autor de vários títulos, entre eles, "Contra um mundo melhor" (Ed.
LeYa). Escreve às segundas na versão impressa de "Ilustrada".
3 comentários:
Grande Levi e grande Pondé! Realmente o mundo acadêmico padece de inteligências maiúsculas, de pessoas que de algum modo conseguem pensar por si próprias, remando contra a maré da mediocridade conveniente e covardemente segura.
Abraço!
É, nobre Isaías
Quando será que a elite universitária ficará liberta do seu acomodado maniqueísmo, como esse de querer impor aos alunos, regras técnicas e normas intocáveis que mais parecem receitas prontas de bolo? (rsrs).
Mas algumas janelas estão sendo abertas, por gente de lá de dentro mesmo, como é o caso do “rebelde” Luiz Felipe Pondé. (rsrs)
Abçs
fantástico artigo, Levi.
Li por esses dias o "Guia Politicamente incorreto da filosofia" e degustei cada artigo do Pondé que me obrigou a pensar e refletir bastante. Como sugere o texto, pensar é algo que a universidade não quer mais que os alunos façam, voltadas que estão a um tecnicismo como você bem disse, parecido mais receita de bolo.
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