Dentre
todos os estudiosos da Psique, Carl Gustav Jung, foi quem analisou mais a fundo o fenômeno religioso.
Frank
McLynn ― autor de sua mais vasta e profunda biografia ― narra
que o menino Jung, filho do pastor protestante, Paul Jung e sua esposa Emile,
criado numa atmosfera mórbida, era muito introvertido. A sua mãe foi forçada a
deixar o filho no período em que iniciava a adolescência para se internar em um
hospital de Basiléia – Suíça, a fim de se tratar de depressão e ansiedade
neurótica.
Diz o autor, que Jung bebeu da mãe o leite
e a superstição; e do pai, herdou a melancolia e a introversão. O certo é que o
sofrido passado de Jung viria mais tarde fazer com que ele se interessasse pelo o estudo
dos fenômenos religiosos.
Em
seu volumoso livro ― “A Natureza da
Psique” (Editora Vozes) ―, ele evoca um passado misterioso e fascinante que
influenciou toda sua vida, e que ainda está muito presente em si, como prova
esse trecho colhido na página 241 desta sua emblemática obra:
“Se lançarmos um olhar para o passado
da humanidade, encontraremos, entre muitas outras convicções religiosas, uma
crença universal na existência de seres aeriformes ou etéreos que habitam em
volta do homem e exercem sobre ele uma influência invisível e poderosa. Em
geral esta crença é acompanhada da idéia de que esses seres são espíritos ou
almas de pessoas mortas”.
Jung,
diz o autor da biografia, “...ficava
traumatizado ante a visão dos padres de batinas pretas descendo cabisbaixos nos
cortejos fúnebres. A fobia familiar projetada na religião, por volta dos quatro
anos de idade desenvolveu nele uma fascinação mórbida pela morte e por
cadáveres. Andava pela casa às escuras, altas horas da noite, imaginando
fantasmas e outras emanações emergindo do quarto da mãe”.
Já
adulto, e participando do grupo de psicanálise criado por Freud, Jung nunca
deixou de ligar os fenômenos descritos na Bíblia à complexos psíquicos, inconscientes,
que os denominou de arquétipos. Um
exemplo excelente desse complexo ele narra no livro “A Natureza da Psique” (página 247):
A psicologia da conversão de Paulo:
“Embora pareça que o momento da conversão tenha sido
absolutamente repentino, contudo, sabemos por longa e variada experiência que
uma transformação tão fundamental exige um longo período de incubação".
O livro 'Atos dos Apóstolos' dá a entender que Paulo vinha resistindo a algo dentro de si: Vide o ‘... é duro para ti recalcitrar contra os aguilhões de Deus!’ (grifo meu).
"E só quando está preparação está completa, isto é, quando o indivíduo está maduro para a conversão, é que a nova percepção irrompe com violenta emoção. Saulo já era inconscientemente cristão desde muito tempo, e isto explicaria seu ódio fanático contra os cristãos, porque o fanatismo se encontra sempre naqueles indivíduos que procuram reprimir uma dúvida secreta. É por isto que os convertidos são sempre os piores fanáticos. A aparição de Cristo no caminho de Damasco assinala apenas o momento em que o complexo inconsciente de Cristo se associa ao eu de Paulo. O fato de Cristo lhe ter aparecido, então, de modo quase objetivo, como visão, se explica pela circunstância de que o cristianismo de Saulo era um complexo inconsciente. Por isto é que este complexo lhe aparecia sob a forma de uma projeção, como não pertencente a ele próprio. Ele não podia ver-se a si mesmo como cristão. Por isto ficou cego, em conseqüência de sua resistência a Cristo e só pode ser curado de novo por um cristão. Sabemos, por experiência, que a cegueira psicógena em questão é sempre uma recusa (inconsciente) a ver. Ele perseguia os cristãos como representantes deste complexo de que ele não se dava conta [...]. [...] Vemos este fenômeno repetir-se constantemente em nossa vida cotidiana: encontramos indivíduos que não hesitam o mínimo em projetar suas próprias opiniões sobre pessoas e coisas, odiando-as ou amando-as com a mesma facilidade. Como a análise e a reflexão são processos complicados e difíceis, eles preferem julgar tranquilamente sem dar-se conta de que simplesmente estão projetando algo que trazem dentro de si e deste modo não percebem que são vítimas de uma estúpida ilusão”.
O livro 'Atos dos Apóstolos' dá a entender que Paulo vinha resistindo a algo dentro de si: Vide o ‘... é duro para ti recalcitrar contra os aguilhões de Deus!’ (grifo meu).
"E só quando está preparação está completa, isto é, quando o indivíduo está maduro para a conversão, é que a nova percepção irrompe com violenta emoção. Saulo já era inconscientemente cristão desde muito tempo, e isto explicaria seu ódio fanático contra os cristãos, porque o fanatismo se encontra sempre naqueles indivíduos que procuram reprimir uma dúvida secreta. É por isto que os convertidos são sempre os piores fanáticos. A aparição de Cristo no caminho de Damasco assinala apenas o momento em que o complexo inconsciente de Cristo se associa ao eu de Paulo. O fato de Cristo lhe ter aparecido, então, de modo quase objetivo, como visão, se explica pela circunstância de que o cristianismo de Saulo era um complexo inconsciente. Por isto é que este complexo lhe aparecia sob a forma de uma projeção, como não pertencente a ele próprio. Ele não podia ver-se a si mesmo como cristão. Por isto ficou cego, em conseqüência de sua resistência a Cristo e só pode ser curado de novo por um cristão. Sabemos, por experiência, que a cegueira psicógena em questão é sempre uma recusa (inconsciente) a ver. Ele perseguia os cristãos como representantes deste complexo de que ele não se dava conta [...]. [...] Vemos este fenômeno repetir-se constantemente em nossa vida cotidiana: encontramos indivíduos que não hesitam o mínimo em projetar suas próprias opiniões sobre pessoas e coisas, odiando-as ou amando-as com a mesma facilidade. Como a análise e a reflexão são processos complicados e difíceis, eles preferem julgar tranquilamente sem dar-se conta de que simplesmente estão projetando algo que trazem dentro de si e deste modo não percebem que são vítimas de uma estúpida ilusão”.
Uma
prova de que o apóstolo Paulo lutava consigo mesmo está nessa ambivalente
afirmação: “Porque nem mesmo compreendo o meu modo de agir, pois não faço o que
prefiro e, sim, o que detesto (o
mal).”
“A concepção de um Deus transcendental, magnânimo
e onipotente, tornava a existência do mal inexplicável, mas isto, para Jung,
era devido à cabeça dura dos teólogos, que tentavam purificar ao extremo a noção
de divindade, decantando-a dessa misteriosa força das trevas chamada Satã” — descreveu o biógrafo no capítulo: Jung –
O Teólogo (página 497).
Por Levi B. Santos
Guarabira, 03 de dezembro de 2012
***********************************
Obras consultadas:
1. Frankl McLynn – Jung – Uma Biografia - Editora Record
1. Frankl McLynn – Jung – Uma Biografia - Editora Record
2 2.
C. G. Jung – A Natureza da
Psique – Editora Vozes
3 3. Epístola de Paulo aos
Romanos – Novo Testamento
4. Livro de Atos dos Apóstolos ― Novo Testamento
3 comentários:
Levi, essa biografia no Jung está na minha lista de "desejos literários" para o ano que se aproxima.
A explicação de Jung para o acontecimento que iria mudar de uma vez por todas a história do cristianismo(a conversão de Saulo) é de fato, interessante do ponto de vista psicológico.
Mas nossa amiga Guiomar não iria gostar nenhum pouco dessa explicação..rss
Mas como se abre as cortinas para um espetáculo não antes percebido por uma leitura literalista dessa passagem bíblica: o espetáculo do inconsciente!!
Você deveria levar esse tema à nossa Igreja...rs
Caro confrade e Pastor Eduardo de Jesus
Com certeza esse seria um bom tema para quatro dias de estudos lá na igreja Logos e Mithos.
Fica aqui com meus botões imaginando o título da postagem.
“A Cegueira Psicológica de Paulo” ― seria um título , bem à luz da ciência atual. Que achas?
Espero a tua opinião, depois de consultar a pastora Guiomar, é claro. (rsrs)
Levi, desculpe a demora em responder-te. O título sugerido está ótimo. Mas aconselho não consultar a nossa querida pastora Guiomar antes, não. Vamos lhe fazer uma surpresa...rsss
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