30 agosto 2013

CONTRADIÇÕES: Nossas e de Nossa Velha República

Deputado Donadon – ajoelhado no Congresso


Dois meses atrás, as ruas dos grandes centros do nosso país foram tomadas por protestos pedindo o fim da corrupção, o fim dos desvios de dinheiro público através de licitações fraudulentas, o fim da impunidade e do descaso no trato da coisa pública por parte dos dirigentes da nação. Os minguados orçamentos destinados à educação, à saúde e ao transporte público, em contraste com os gastos astronômicos que o Governo Federal torrou nas obras e reformas dos estádios de futebol para a Copa do Mundo de 2014, foram responsáveis pela explosão da indignação popular na recente Copa das Confederações (conhecida no mundo inteiro como a Copa das Manifestações).

Mas não é que o Congresso, nesta semana, deu um tapa na cara de todos que saíram às ruas na Copa das Confederações, ao absolver um deputado condenado pelo STF a 13 anos de detenção. Para o inepto Congresso o deputado com direitos políticos cassados e em regime de prisão fechada no presídio da Papuda, continua deputado (vide link: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=164960)

Para conhecer as raízes do paradoxo dos paradoxos de nossa republiqueta basta dirigir o olhar para trás, e revisitar fatos da História recente do Brasil: Alguns anos depois de derrubada a Monarquia pelo marechal alagoano, Deodoro da Fonseca (proclamador da República), Floriano Peixoto, seu vice e conterrâneo, mergulhou o país numa guerra civil de ponta a ponta.  O paradoxo republicano ficou bastante evidenciado também na Política do “Café com Leite” (1894 à 1930): através de um recurso, hoje, usado e abusado ― o tráfico de influência −, os governadores de São Paulo e Minas Gerais puseram no poder a mesma oligarquia dos tempos da Monarquia. Em pouco mais de cem anos de nossa história republicana, o que podemos observar é que o fisiologismo tem sido uma constante entre os donos do poder ― uma arma indestrutível para manter “tudo como dantes no quartel D’Abrantes”.

Voltando ao caso do “deputado-preso-mas-não-cassado”: até que um dos ministros do STF (corte escolhida pelos que estão no topo do poder republicano), numa estocada bem humorada, deu-me um pouco de alento, estimulando-me ao riso. Disse, risonhamente, o ministro Marco Aurélio: “Os reeducandos da Papuda estão homenageados”, numa clara alusão ao deputado que continua deputado, agora, com exercício no presídio da Papuda. Aliás, o deputado Donadon (de Rondônia) já fez reivindicações sérias para melhorar as condições dos presos, penso, como nunca tenha feito em sua vida de parlamentar. Disse ele: “a alimentação de lá é muito ruim” ― “a água do chuveiro acaba enquanto se está ainda ensaboado” (Jornal Correio Brasiliense)

 Façamos então, uma incursão pela Filosofia política de Noberto Bobbio (1909 – 2004) na tentativa de entender esta nossa herança “maligno-fisiologista-republicana”. O cientista político italiano, reconhecido mundialmente, no seu antológico livro – “O Filósofo e a Política”, sobre a arte de fazer política, faz menção à obra “O Príncipe” de Maquiavel: “aqueles que têm em mãos o destino do Estado precisam combinar as características do leão e da raposa, ou seja, força e astúcia. São duas características que nada têm a ver com a finalidade do bem público; referem-se exclusivamente ao objetivo imediato de conservar o poder, independentemente do uso público ou privado que o governante queira fazer deste poder.” (página 142).

Mas será mesmo que a astúcia (o lado raposa da política) tem o poder de intuir em nós, a piedade ou a comoção? Digo isto, porque fiquei tocado lá dentro de mim, quando pela televisão ví o deputado Donadon mostrar as marcas ainda não cicatrizadas de algemas que foram impostas em seus punhos. Emocionei-me no final da sessão que o livrou da cassação, quando, esboçando um olhar de reverência, ajoelhado e de mãos postas para cima, disse trêmulo em sua prece: “agradeço a Deus que a justiça está sendo feita nesta casa.”


P.S.:

Acho que Freud, vivo fosse, saberia muito bem explicar o “porquê” de nossa alma ser tão republicana. (rsrs)


Por Levi B. Santos
Guarabira, 30 de agosto de 2013



6 comentários:

Eduardo Medeiros disse...

Levi, é isso mesmo: foi um tapa na cara, principalmente para quem foi para a rua. É inacreditável tamanha cara de pau dos nossos legisladores.

Levi B. Santos disse...

Edu


O ministro Marco Aurélio pode falar e fazer humor diante da decisão estapafúrdia do Congresso.

É que no caso anterior de cassação do senador Ivo Cassol, Marco Aurélio foi voto vencido, em que Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Roberto Barroso e Teori Zavascki, Rosa Weber e Carmen Lúcia juntos deram vitória a tese de que só o Congresso é quem pode deliberar sobre a cassação de mandatos.

Aí deu no que deu, não é?

Venceu quem exercitou o seu lado “raposa”(o da astúcia).

RESULTADO:

Congresso 1 X STF 0 (rsrs)

Vide link:

http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/direto-ao-ponto/o-deputado-presidiario-e-uma-aberracao-com-mae-pai-quatro-padrinhos-e-duas-madrinhas/

Levi B. Santos disse...

Muito antes desse imbróglio vergonhoso, já se falava pelas redes sociais em manifestações gigantes no próximo dia 7 de setembro, por ocasião dos defiles.

Esse "tapa na cara" dado nos que saíram às ruas há 60 dias, foi mais do que um estímulo para que se intensifique os protestos que estão anunciando para o dia da comemoração de independência da "Casa da Mãe Joana" (kkkkkkkk)

Altamirando Macedo disse...

Levi,

O povo brasileiro não tem honra, sua base histórica é podre. Uma mestiçagem entre corruptos portugueses, índios de evolução atrasada e africanos escravizados não pode gerar notáveis políticos éticos. São todos farinha do mesmo saco. Os líderes têm a mesma essência de seus comandados. 7 de Setembro vem aí e a chuva vai cair no mar.

Levi B. Santos disse...

Ao ler seu comentário, Altamirando, lembrei-me de uma frase do ensaísta Roberto Pompeu Toledo, se eu não me engano, escrita há uns 20 anos em sua coluna de última página da revista Veja:

“Hoje sabemos que a corrupção faz parte de nosso sistema de poder tanto quanto o arroz e o feijão de nossas refeições” (uma tirada que é a sua cara - rsrs)

A independência do Brasil foi uma farsa, assim como a proclamação da República, que ninguém mais comemora. Em pouquíssimo tempo a República mostrou que era tudo uma farsa: Floriano Peixoto, vice de Deodoro deu-lhe um golpe, tornou-se ditador para colocar no poder os antigos monarcas. E assim continua a nossa história...

A expressão que os nossos colonizadores importaram de Portugal para nos definir, já diz tudo:

“Casa da Mãe Joana”significa o lugar ou situação onde vale tudo, sem ordem, onde predomina a confusão, a balburdia e a desorganização. Sua origem remonta ao século XIV. (Tá lá na Wikipédia) - rsrs

Rodrigo Phanardzis Ancora da Luz disse...

Acho que os deputados que protegeram o Donadoni querem mesmo que a crise política-institucional seja perpetuada, haja mais insatisfação e isso tudo acabe respingando no Poder Executivo. Afinal, temos aí o Sete de Setewmbro, o Carnaval e a Copa do Mundo que poderão atrair milhões às ruas novamente. Ou então estão testando para ver se as massas reagirão. Ou ainda na expectativa de que as pessoas desanimem com os protestos já que uns três meses depois as coisas estão retornando como eram antes. Enfim, não estão agindo da mesma maneira como fizeram para derrubar a PEC 37...