O
lado cômico e trágico da História do Brasil, nunca me foi mostrado nos bancos
escolares que freqüentei. Só muito depois de minha formação acadêmica, através
de muitas releituras e pesquisas, é que entrei em contato com fatos risíveis e
pitorescos de nossa História. Por que os patrióticos professores de
História de décadas passadas não revelaram o avesso ou o outro lado da moeda? Queriam
eles, evitar macular os brios e a exaltação patriótica tão em voga naquele tempo?
Talvez, resida aí, a razão pela qual foi escondida de nós, alunos da década de
1960, o lado demasiadamente humano dos nossos míticos heróis.
Nos
tempos que estudava fatos de nossa História, jamais poderia imaginar que, para
dar um tom mítico a um suposto corte de laços de nossa colônia com Portugal, fosse
forjada a história do “Grito do Ypiranga”, dado por um D. Pedro I que, desidratado
por uma forte diarréia, mal podia falar e sair da posição incômoda em que se
encontrava. Também não sei por que cargas d’água, os velhos professores de nosso
passado histórico, não me contaram que Deodoro da Fonseca nunca foi um
republicano.
Foi
através da leitura da trilogia de Laurentino Gomes, que pude conhecer
o lado avesso ou a versão não oficial do velho Marechal, que foi tirado
abruptamente de um sofá, onde de camisola, se consumia em uma grave crise
asmática, sem forças para vestir a própria farda e encenar o que o seu coração
não queria: desrespeitar a Monarquia e o velho imperador a quem tanto devotava
respeito e admiração. Pouco mais tarde, com Floriano Peixoto, a república
que nunca houve, desembocaria em golpes militares, ditaduras e conchavos que
trariam os monarquistas de novo ao topo do poder.
Estamos
mais seguros ou mais inseguros com o desnudamento dos patrioteiros? Saudosos ou
realistas por saber que os patriotas são homens de carne e osso, que manejam
seu idealismo conforme a sua imagem e semelhança?
Pergunta-se:
quando o nosso sistema político não foi uma falácia? Nas palavras recentes do
Ministro Barroso (o novato do TRF ― segundo seu par, Marco
Aurélio), “o nosso
sistema partidário é um engodo”.
Só faltou ao ministro, dizer que isso não é novidade. Faltou dizer que essa herança
maldita vem sendo transmitida desde os tempos de Dom João VI que, ao
aportar em nossas terras, deu início ao “toma
lá dá cá”, eternizado entre nós? Faltou dizer que se mudam as roupagens dos
personagens, mas o cenário fisiológico permanece o mesmo.
As legendas de aluguel que inundam o país para
adquirir facilidades, ante um povo inerte, é uma prova de que nada mudou em nossa
república. Não custa nada avivar a nossa memória histórica: Conta-se que, para não serem dizimados pelas
tropas do imperador francês, dom João VI
e seus asseclas fugiram mar adentro, para nossos trópicos. A falta de reação do
órfão povo português foi tamanha, que em Abrantes
― cidade tomada de Portugal para erigir o quartel general de Napoleão Bonaparte ―, a quem
perguntasse como iam as coisas, respondia-se de forma bem tranqüila: “Está tudo como d’antes no quartel d’Abrantes.”
O
escritor de “Carlota Joaquina”, João
Felício dos Santos (1911 - 1989) e os historiadores/jornalistas,
Eduardo
Bueno e Laurentino Gomes,
entre outros, nos últimos anos, nos legaram um cabedal de informações não
oficiais que os professores técnicos e rígidos de nossas primeiras aulas de
civismo, talvez caíssem para trás, gritando “blasfêmia! Blasfêmia!” ―,
se tivessem a oportunidade de ao menos sonhar com o que sabemos, hoje, dos subterrâneos
da história da colônia “mãe gentil”.
Tenho
pra mim, que foi o defensivo ufanismo cívico do tempo de estudante ginasiano, a
causa de não se ter podido historiar aquilo que deu errado, os fracassos, as
situações cômicas, os casos pitorescos de nosso passado de povo submisso e
adepto daquilo que ficou em nosso passado recente, conhecido como a “Lei
do Gerson” (um comercial dos cigarros Vila Rica - da
Souza Cruz, transformado, internacionalmente, em sinônimo de fisiologismo): Nessa torpe propaganda, um famoso futebolista dá o matreiro conselho: “faça
como eu, que gosto de levar vantagem em tudo!”. Enfim, o famoso “jeitinho brasileiro” tão cantado e
decantado em conversas de botequim, crônicas jornalísticas, romances e rodas
políticas.
No
tempo em que me esforçava para decorar fatos da história do Brasil, uma afirmação,
como a que o Ministro do Supremo, Joaquim Barbosa, fez recentemente, seria
coisa totalmente impensável: “A independência do Brasil foi um
conchavo entre as elites portuguesas e elites brasileiras; a proclamação da
República foi um movimento em que o povo esteve completamente excluído, sem
saber que tinha havido “mudança de regime” ―
disse o Presidente do STF para uma plateia de estudantes. (Vide
vídeo).
O
Jornalista Eduardo Bueno, no seu livro ― “Uma História”
―, para evidenciar que o brasileiro não tem memória, faz uma emblemática observação:
“Lula
se anunciando como o pai do povo no horário eleitoral é uma repetição de
Getúlio Vargas.”
Hoje, a desmitologização não atinge só o campo da
religião. O brasileiro da pós-modernidade deseja também que esse fenômeno
ocorra com seus supostos heróis de 200 anos atrás. Uma prova disso foi a
tiragem de 2.000.000 de exemplares de “1808”,
primeiro volume da Trilogia (“1808” ― “1822” ― “1889”),
lançado em 2010 por Laurentino Gomes ― obra que permaneceu durante dois anos como o
livro mais lido, numa lista de best-sellers
que incluía as maiores livrarias do país.
P.S.:
Estou terminando a leitura do
antológico “1889”
― último livro da trilogia de Laurentino Gomes ―, lançado em Julho
de 2013, que discorre sobre os bastidores da Proclamação de uma República que
nunca houve.
Para editar as suas três obras, o
autor leu cerca de 200 livros. Caso o leitor(a) queira ter uma idéia do
mergulho meticuloso empreendido por ele dentro de Nossa História, que lhe consumiu
anos de um árduo trabalho, é só clicar nos links dos quatro blocos de vídeos,
abaixo relacionados, que compõem a sua recente entrevista (dia 09 de setembro) concedida
ao programa “Roda Viva” da TV
Cultura:
Por Levi B. Santos
3 comentários:
Levi, nossa história oficial está cheia de farsas. É muito interessante e decepcionante, descobrir o lado humano e até pitoresco dos nossos herois brasileiros, como eu fiz também a um tempo com o intocado e "celestial" Zumbi dos Palmares.
Vou colocar na minha lista de leitura, o “Zumbi dos Palmares”, Eduardo.
Parece que o outro lado dessa história, pelo que pouco li, diz que Zumbi era um sujeito mão de ferro e tinha escravos domésticos.
Como o artigo que escrevi tem um viés desmistificador dos nossos supostos heróis, fica aqui a pergunta:
Será que o Zumbi dos Palmares não era um “revolucionário” , em sua natureza e seu idealismo, igual a elite monárquica-republicana (Princesa Izabel, D. Pedro I e II, Deodoro, Floriano, entre outros)? (rsrs)
O ensino tradicional de História sempre fez dos nossos personagens históricos heróis mitologizados afim de que se tornassem arquétipos. Tratava-se das necessidades ideológicas dos regimes passados em épocas em que a informação era pouca e o grau de alfabetização menor. Assim, formatava-se com maior facilidade a mente de um povo
Vale lembrar, no entanto, que o suposto heroísmo de Tiradentes ficou aguardando por um século para sair da geladeira tendo em vista que, no Brasil imperial, o alferes era um bandido político segundo as leis criminais da época. E aí fico a indagar se os republicanos não o teriam mitologizado em excesso a partir de 1889?
Quanto ao Zumbi, apesar de não ser grande conhecedor de sua história, penso que o seu movimento possa ter sido uma resistência à escravização, sem alcançar o status de uma revolução do ponto de vista científico,digamos assim. Assim, ele organizou seu quilombo como faziam as tribos africanas que viviam num estágio mais primitivo e ainda distante dos regimes democráticos dos tempos atuais.
Certamente que, se entrássemos numa máquina do tempo, mas preservando os valores morais e políticos que temos, não encontraríamos surpresas ainda maiores? Mas se olharmos pelo lado humano, entenderemos que tais pessoas poderiam ter agido iguais a nós. Ou talvez nem tivéssemos feito tanto se ocupássemos os lugares deles. Até porque nossas ações nem sempre acompanham aquilo que pensamos.
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