Sei que alguns amigos do mundo real
e virtual ficarão desapontados pelo fato de, aqui em meu espaço do
Google, admitir que em certas noites de insônia, tenho ousado
dirigir o controle remoto de minha TV para os canais do Senado e da
Câmara. Não sei o que me atrai tanto ficar por longo tempo
observando as “Nossas Excelências” excitadas como se
estivessem em transe, a distilar suas eloquentes e exageradas
retóricas noite adentro.
Interessante é que a repetição
modorrenta da expressão “Vossa Excelência” para cá e
para lá ocorre tanto nos afagos quanto nos destemperos. Por mais
incrível que pareça, chego a vibrar, quando os parlamentares de
caráter impulsivo e os sonsos intelectuais, abandonando o velho
costume de ler laudas e mais laudas de uma trama urdida por
terceiros, sobem a tribuna para falar de improviso, com as mãos
livres para os mais extravagantes gestos teatrais.
Tem aqueles imprudentes que, por
exagerarem tanto na sua simplicidade fabricada, provocam risos em
seus pares. Tem aqueles que levantam as mãos para os céus e,
tomados pelo espírito exprimem-se através de vozes dissonantes ou
línguas estranhas, como se estivessem engolindo pastel sem
previamente mastigá-lo. Tem uns que sem convicções próprias,
através do jargão “questão de ordem presidente!”
são persuadidos a voltar à tribuna para brilhantemente se desdizer
do que tinham minutos antes ardorosamente defendido. Tem aquele que
sobe sóbrio à Tribuna com a cara de quem não tem a menor dúvida de
que é um gênio ─ exprimindo uma “certeza” que jamais consigo
mesmo um dia chegou a conjecturar. Tem os mais dotados (ou mais
espertos) que consumidos pelo desejo de ser o mais original, chegam
em seus arroubos patrióticos a exalar honestidade, justiça e
verdade. Tem aqueles que por não terem nascidos na roda da fortuna,
de uma forma compensatória, apregoam que tiveram berço pobre e, por
pertencer a uma família honrada, sem beira nem eira, foram jogados
no limbo da indiferença. Tem o imediatista ou oportunista que na
ânsia de se agarrar a sua prazerosa vantagem particular ignora tudo
que é regra ou norma, sem se importar com as consequências do mal
que está provocando à sua volta. Tem aquele idealista de ocasião
que está sempre a se derramar em queixas, nominando os culpados,
pelas crises do dia a dia. Esse, imita o personagem bíblico
Jeremias que, por
destilar
diuturnas
lamúrias e
ressentimentos contra o seu povo atolado em uma situação
de cruel decadência,
foi denominado “o
profeta das lamentações”.
No Palácio do Congresso Nacional
― local destinado a se
legislar com justiça e sobriedade ―,
paradoxalmente, a locução “Vossa Excelência” (que
embute auto grau de respeito), tanto pode vir acompanhada de elogios
e palavras bondosas, quanto dos mais torpes termos, como: mentiroso,
capanga, corrupto, usurpador, pau mandando, etc. É nesse recinto,
que o aparentemente puro e sublime aparece ao lado do lixo familiar.
―“Vossa Excelência extrapolou
seu tempo!” ― grita o
presidente da mesa, lá do alto de seu trono.
Responde o parlamentar que da tribuna, de forma lenta e truncada, pedia
socorro para seu Estado, segundo ele, vítima da maior seca dos
últimos cem anos:
―“Vossa Excelência está sendo injusto e parcial não dando o tempo que me é devido para expor questões que requerem medidas urgentes do Governo!”.
―“Vossa excelência acaba, de forma indireta, de me chamar de mentiroso! Me respeite, eu trato todos aqui de forma igual, e não sou seu capanga para ser tratado dessa forma!” ─ dispara o presidente da Casa, com voz artificialmente irada. Alguns da plateia, chegam a atiçar a briga, mas o grupo do abafa faz sinal para que os dois atores participantes encerrem o ato de uma comédia re-esquentada. Como se sabe, lá fora, tudo termina em risos, abraços e convites para “comes e bebes” madrugada adentro.
―“Vossa Excelência está sendo injusto e parcial não dando o tempo que me é devido para expor questões que requerem medidas urgentes do Governo!”.
―“Vossa excelência acaba, de forma indireta, de me chamar de mentiroso! Me respeite, eu trato todos aqui de forma igual, e não sou seu capanga para ser tratado dessa forma!” ─ dispara o presidente da Casa, com voz artificialmente irada. Alguns da plateia, chegam a atiçar a briga, mas o grupo do abafa faz sinal para que os dois atores participantes encerrem o ato de uma comédia re-esquentada. Como se sabe, lá fora, tudo termina em risos, abraços e convites para “comes e bebes” madrugada adentro.
Nem
tudo é confusão no grande teatro do Congresso. Não podemos deixar
passar em branco ou negar as peças de grandiloquência que beiram a
perfeição ─
àquelas exaustivamente
ensaiadas com o intuito de
serem trocadas entre parlamentares amigos da mesma base parlamentar,
na forma de antológicos apartes:
―“Vossa excelência me
concede um aparte?” ―
acena o
senador, remexendo-se em sua
confortável cadeira.
“Com a maior honra, venerado amigo”
―
responde o aparteado todo orgulhoso lá da tribuna. ―“Vossa
Excelência fique certo de que acaba de descrever uma de suas mais
belas ações. Confesso que entre as inumeráveis e decerto
contagiantes falas que tive a oportunidade de ouvir
nesta honrada casa, jamais vi fluir tanta grandeza de espírito em
defesa do tão sofrido povo do nordeste. Sou testemunha cabal
de que Vossa Excelência passou ao largo do mercantilismo exalado por alguns, ao fazer
de toda sua vida um sacerdócio em defesa dos despossuídos”
― conclui
elegantemente
o aparteador, cumprindo o trato
do “eu te elogio/tu me
elogias”, previamente
acertado entre
eles.
Aqui, em toda sua espetacular
grandeza, o pecador e o santo trocam de lado
constantemente. Aqui, os santos profissionais sob o pretexto de
defender o povo, perdem-se em bizarras e egoísticas reparações.
Como crianças, flagradas pelos pais, fazendo o malfeito, partem para
a NEGAÇÃO defensiva temendo sofrer o castigo. São muitas as
desculpas esfarrapadas, tipo: “Não sou como eles, sou melhor!”
“Nunca me desviei da verdade!”. “Sou inocente, eu
não sabia!”. “Sou um exemplo a ser seguido!”. E por aí
vai.
Penso cá comigo, que o leitor(a)
eleitor(a) ganharia mais se pudesse trocar sua novela do horário
nobre da noite, pelo drama burlesco, mais íntimo e educativo das TVs
Senado e Câmara, patrocinada pela nossa “Pátria Educadora - Mãe
Gentil”. O expectador, assim o fazendo, sairia, de uma visão
ilusória do real para a fantástica realidade nossa de cada dia.
Mesmo que parecesse um sonho aterrador, um pesadelo, ou uma loucura,
o ouvinte, na troca de seu canal predileto, iria ter a grande
vantagem de experimentar o cômico trágico atormentadoramente real e
angustiosamente verdadeiro na pele de nossos representantes, a
reverberar em nós. Dizemos:
“Que coisa
feia, as excelências se xingando, brigando, falando mau do colega,
etc”,
sem saber que a nossa estranheza se deve mais ao fato de racionalizar
que
isso
não
é coisa para ser
exposta
publicamente. Na
verdade, eis o que lá no fundo tencionamos dizer:
“temos ética,
pois no nosso padrão de comportamento familiar, essas coisas, só
são ditas baixinho em casa, sem ninguém estranho por perto a
escutar”.
Dou a mão à palmatória: não é
fácil a vida de nossos representantes. Eles correm perigo a toda
hora, voando semanalmente de seus Estados para Brasília, e
vice-versa, sem contar as horas angustiadas que passam presos em
aeroportos deste vasto mundão brasileiro, para legislar em nosso
favor. E não venham me dizer que eles não são o espelho que, nas
altas esferas, estão a refletir toda a gama de nossos mais
paradoxais afetos! O apóstolo Saulo de Tarso, fundador
do cristianismo, em sua carta dirigida aos Romanos deixou registrada
a célebre constatação: “Quando faço o BEM o MAL está
comigo”. Pergunto eu, agora,
ao leitor: Como seres humanos forjados no caldo cultural comum
a todos, somos ou não somos
a imagem e semelhança de
Nossas Excelências?
Reprovações a mim dirigidas em uma
das noites de insônia, levaram-me a refletir sobre o “por quê”
do baixo índice de audiência dos canais que transmitem as sessões
do Congresso Nacional, de terça a quinta feira:
― “Puxa, você está
assistindo essa porcaria de canal!” ─ disparou uma pessoa do
meu convívio. ─ “Como
você suporta ver essa podridão?!” ─ concluiu, e saiu
apressado da sala onde no sofá eu estava bem acomodado assistindo a
TV Senado pulando de vez em quando para a TV Câmara e vice-versa.
Que sentido metafórico eu poderia
colher das palavras –
“porcaria” e “podridão” –
sacudidas instantaneamente na minha cara? Lembrei-me vagamente do
desafio feito por Erasmo, em “O Elogio da
Loucura”: “Remova a parcialidade louca de cada homem por
si próprio, e ele federá nas suas próprias narinas!”. Meu
amigo demonstrara irritação ao considerar nojeira o que eu
estava a assistir pela televisão naquele momento. É a tal coisa:
caímos numa espécie de auto-engano ao pensar que o mal cheiro é
sempre o excremento do outro.
Desliguei a televisão e, depois de
pensar e muito refletir, saí triste para conciliar o sono em meu
quarto. As vísceras da sociedade desse vilipendiado país que
estavam ali sendo expostas em toda sua crueza na TV, provocaram asco
em meu parente e fizeram revolver as minhas próprias entranhas, sob
a forma de cólicas e náuseas.
Antes de cair no sono, veio a minha
mente a expressão atribuída a Jó, personagem bíblico
que se tornou paradigma dos nossos afetos tão humanamente
paradoxais:
“De
sorte que o homem se consome como uma coisa podre” [Jó 13:
28]
Por Levi B. Santos
Guarabira, 26 de novembro de 2015