03 janeiro 2016

Canibalismo Terapêutico






No começo de 2012, quando se discutia intensamente a Lei do Aborto, me deparei com as preocupações de um líder religioso em seu blog. O Pastor, Daniel Batista, no artigo, A Lei do Aborto e Canibalismo Terapêutico, fez um interessante resumo histórico sobre a antropofagia, assinalando, inclusive, que os astecas eram os mais famosos canibais da História. Naturalmente expressou seu terror com essa prática nauseante, mas não rara, de nossos ancestrais. Em um trecho do artigo, assim se expressou:

Uma visão moderna disso. Imaginemos: parte ou várias partes da totalidade de um ser humano em estágio de desenvolvimento intrauterino (feto) transformado em pílulas para uso medicinal? A indústria farmacêutica desenvolvendo um medicamento diferenciado a base de cartilagem humana que seja eficaz contra certas doenças? A indústria de cosméticos confeccionando produtos de beleza e vitaminas com esta matéria-prima humana? A gravidez indesejada que realiza o sonho científico da elite global. A medicina mundial lucrando com a morte, para promover experiências científicas e tratamento com células-tronco”. [Daniel Batista]

O autor chega a citar, ainda, a "Sopa do Feto Humano". Nas redes sociais há uma farta exposição dessa prática, evidenciando que ela é mais comum entre os chineses. Vide link: O Prato Mais Horrível da China.. Um assunto de tal quilate é coisa para se recorrer aos fatos pitorescos de Nossa História. Da revista “Super Interessante” (Editora Abril Cultural), que é bamba em publicar curiosidades, trago trecho de um artigo de agosto de 1997, cujo sub-título é “O Sabor da Própria Carne… o Índio Selvagem”:

Um golpe na nuca rompia o crânio. Acudiam mulheres velhas, com cabaças para recolher o sangue. Tudo era consumido por todos. As mães besuntavam os seios de sangue para os bebês também provarem do inimigo. O cadáver era esquartejado, destrinchado, assado numa grelha e disputado por centenas de participantes ― que comiam pedacinhos. Se fossem muito numerosos, fazia-se um caldo dos pés, mãos e tripas cozidas. Os hóspedes retornavam às aldeias levando pedaços assados”.

E não é que no mês festivo de Natal do ano recém-findo, a atriz americana, Kim Kardashian, fez a alegria da indústria farmacêutica do canibalismo. O apelo chamativo “Atriz americana ingere a própria placenta e emagrece 8 quilos em 10 dias”, inundou as redes sociais (Vide link). A revista Veja desta semana (edição 2459) com a manchete ― “A Dieta da Placenta” , foi mais discreta.

A astuta indústria do canibalismo terapêutico avisa:

Se você deseja rejuvenescer mas torce o nariz quando se fala em comer placenta, creia, já existem no mercado pílulas de placenta humana sem sabor algum.

Segundo noticiário da própria imprensa, a famosa atriz americana durante a gravidez, já fazia planos de comer a própria placenta. E fico aqui a me perguntar com meus botões: Vivendo numa época em que o Mercado se tornou o Senhor de tudo, será que houve um entrosamento prévio entre a celebridade e o lobby farmacêutico?

Pelo que me consta, a famosa atriz ingeriu comprimidos de placenta e não placenta em estado natural. Aqui me detenho, pois este mistério que faz surgir, de repente, comprimidos para uma famosa empresária -modelo em vias de dar à luz, ainda não me foi revelado.

Fui no Google à procura de artigos acadêmicos sobre comprimidos de placenta, e nada encontrei que merecesse nota. Sobre placenta humana o que encontrei não é novidade para ninguém: “A Placenta humana é rica em células-tronco”. Sou um cidadão de pouca fé. A revelação de certos mistérios, fica a cargo da indústria de canibalismo terapêutico. 


Por Levi B. Santos
Guarabira, 03 de janeiro de 2016

6 comentários:

Eduardo Medeiros disse...

vivemos num tempo em que a juventude é glorificada, enquanto a velhice é desprezada e aviltada. Na busca por "rejuvenescimento", principalmente as mulheres, são capazes de fazer (quase) tudo. Acho que os canibais de outrora ficariam pasmos com nosso canibalismo terapêutico.

Levi B. Santos disse...

Com certeza, Eduardo, os índios canibais se sentiriam aviltados, com a comercialização de partes humanas do nosso louco mundo contemporâneo.

Os Tupinambás, nossos ancestrais que viviam no sudeste do país, eram canibais no bom sentido (rsrs). Eles não comiam a carne dos brancos porque acreditavam que eram filhos de deuses maus.

Quando um índio inimigo era devorado, a tribo rival se sentia até lisonjeada, pois se acreditava que no ritual antropofágico se estava incorporando algo de virtude, força e coragem do nativo deglutido.

Mas voltando ao caso da comilança de placenta (canibalismo terapêutico):

Como a placenta é rica em células-tronco, ao ingerir pedaços dela (crua, diga-se de passagem) o indivíduo estaria reforçando o seu sistema imunológico de defesa contra doenças mais graves, e consequentemente aumentando a expectativa de vida, que é um pouco diferente do rejuvenescimento que a mídia tanto exalta.

Mas os comprimidos de placenta alardeados pelo lobby da indústria farmacêutica, creio eu, não devem ter o mesmo efeito que a ingestão do produto in natura. Concorda?




Gabriel Correia disse...

O que cria sempre um receio é a tendencia "humana/moderna" de dar uso perverso a tudo que se tenta ou inventa!

Levi B. Santos disse...

É isso mesmo, Gabriel.

A tendência humana/moderna caminha para um abismo sem volta, na medida que passa a valorizar a mercantilização dos corpos, em detrimento da alma. A cultura ocidental está fermentando o mundo: o objetivo principal é fazer criações incessantes no sentido de dotar os corpos de uma consciência empresarial, naquilo que os analistas da Psique da pós-modernidade já denominam — “incitação mercantil da destruição”.

O corpo ideal, hoje, na era do Senhor Mercado, é aquele fetichizado, exposto diuturnamente na mídia publicitária. (rsrs)

Eduardo Medeiros disse...

Essa ideia dos canibais de que não estavam comendo só a carne do inimigo mas também sua virtude e força é muito interessante.
Comprimidos de placenta? Será que isso traria algum benefício? Não sei Levi. Mas comer placenta crua é doideira demais. Você resumiu bem o grande problema do Ocidente: "valorizar a mercantilização dos corpos, em detrimento da alma"

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Acho que, na atualidade, o que move o consumidor seria o resultado prático. Na tribo, porém, havia uma mistificação do ato canibal. O resultado pretendido, tipo adquirir a força do guerreiro morto, não guardava a mesma lógica científica que nos tempos de hoje.