28 janeiro 2011

DARWINISMO TRÁGICO



O Axioma Darwiniano diz: “Só os animais mais preparados ou bem dotados é que sobrevivem, através de sua capacidade de se adaptar ao meio em que vivem” — é a lógica determinista da seleção natural.

Mas a estética desse pressuposto é trágica quando se olha a história das civilizações. Por acaso, a história do homem não é um cemitério das grandes culturas que tiveram fins catastróficos em virtude da sua incapacidade de vencer os desafios?

Hoje, as pessoas mais propensas a absorver as exigências do meio social, são àquelas que têm caráter tipo mercantil; enquanto àquelas que têm dificuldade de se adaptar ao “modus vivendi” da modernidade são as que vão morrendo aos poucos. As que conseguem se adaptar ao imperativo do TER em detrimento do SER sobrevivem com mais facilidade, e são essas que, por sinal, têm pouco interesse em questões filosóficas e religiosas, como a de saber a razão por que estamos indo numa direção e não em outra.

Estudar ou tentar conhecer os sentimentos e afetos humanos mais profundos vai de encontro à “mega-máquina-civilizatória” na qual uma simples “peça” não pode fazer perguntas.

Sobre essa seleção (do Darwinismo pelo avesso), assim disse o discípulo de Freud, Erich Fromm, em seu livro “Ter ou Ser” (pág, 148):

“Os indivíduos com caracteres mercantis não têm apego profundo algum a si mesmos ou a outros, não têm outras preocupações no sentido profundo da palavra, não porque sejam egoístas, mas porque suas relações com outros e consigo mesmos são bastante superficiais. Isso também pode explicar porque eles não se preocupam com os perigos iminentes de catástrofes ambientais ou ecológicas”.

Foi não menos que o cientista Charles Darwin, quem demonstrou as conseqüências trágicas de um intelecto puramente científico e alienado. Escreveu ele em sua autobiografia, que até os trinta anos, gostava intensamente de música, poesia e artes, mas que por muitos anos depois perdeu todo o gosto por essas coisas. Foi o escritor e pensador Britânico E. F. Schumacher (1911 — 1977) quem captou de Darwin, essa afirmação: “Meu espírito parece ter-se tornado uma máquina para captar leis gerais de grandes conjuntos de fatos...”

Tudo indica que Darwin sofreu muito com esse processo de separação entre a razão e o coração, pois a supremacia do pensamento manipulativo cerebral parece correr junto com uma atrofia da vida emocional.

Versando sobre a paixão por Darwin, o filósofo, professor da PUC de São Paulo e ensaísta da Folha de São Paulo, Luiz Felipe Pondé, assim se expressou em seu ensaio - “Sobrevivente”:

“Dizem os especialistas que quando restam poucos exemplares de uma espécie é porque eles são o que de melhor ela produziu ao longo do tempo em que resistiu à violência do demiurgo cego que seleciona seus miseráveis mais adaptados [...]. Portanto, se um dia você encontrar pela frente o último representante de uma espécie, cuidado. Sua evidente extinção é prova de que ele faz parte do que melhor já habitou sobre a terra. Respeito seria indicado diante de tal infeliz.”

Aí está uma verdade Darwiniana: o ser humano que não se adaptar ao modelo atual de sobrevivência, parece mesmo estar condenado a ser uma espécie em extinção.

A esperança de salvação que resta para essa espécie, é que o darwinismo, pelo menos em questão de “alma”, possa estar errado em seu pressuposto básico.


Levi B. Santos

Guarabira, 28 de janeiro de 2011

Imagem: http://opinionshakers.blogspot.com/2009_01_01_archive.html

23 janeiro 2011

Somos Babélicos por Natureza



Mitos são verdades ancestrais que nos ajudam a compreender melhor a vida. Um deles, para mim, se reveste de crucial importância: o Mito de Babel, descrito no livro do Gênesis, que simboliza antes de tudo, a utópica idéia humana de que a felicidade pode ser construída e desfrutada racionalmente ou através da razão. Erigir uma “torre” que toque os “céus” é a metáfora representativa daquela vontade premente de ter, um dia, autonomia e capacidade de criar um paraíso com nossas próprias mãos.

Os eternos construtores dessa torre têm, todos, um mesmo interesse: corrigir o que seria uma injustiça cósmica ou divina.

Segundo Jacques Derrida, em seu livro Psyché (1987), “a tradução desse emblemático mito bíblico diz muito do projeto humano que visa uma comunicação clara e direta com os homens, e também mostra um Deus poderoso que impõe a sua própria língua, que fragmentada em miríades de línguas humanas — será para sempre estranha e estrangeira para os homens, que estarão irremediavelmente condenados à falibilidade e incompletude, além de necessitarem de uma sempre falha tradução. [...] Mais ainda, o nome de Deus é uma metáfora na própria língua para simbolizar o enigma da origem de tudo — nosso anseio de paternidade, nós, pobres homens órfãos, condenados à vida sem sabermos o porquê”.

Luiz Felipe Pondé, filósofo e professor da PUC – SP, em seu recente livro “Ensaios do Afeto”(página 159), a respeito da metáfora — Babel, diz o seguinte: “Sobretudo, o que nos faz babelianos e descendentes de Adão e Eva é nossa revolta banal contra a evidente infelicidade da vida. Com isso não quero negar, como alguns críticos babelianos mal informados suporiam, o direito de superarmos a dor no que for possível, quero sim apontar o necessário fracasso de toda empreitada humana de perfeição (assaltar o paraíso)”

Os modernos teólogos de Babel que sentem a necessidade de um discurso comum, vêem Deus como um usurpador, e se vêem como desprestigiados. O que o babeliano não sabe é que a torre cientificamente erguida tem dias contados, pois, ao se tentar entender o conhecimento do ser em si, por meios racionais, o que se experimenta é simplesmente uma confusão de línguas. É que ao se atingir certa altura no soerguimento da torre em direção ao “céu”, entra-se numa zona de grande turbulência, onde forças obscuras falam línguas totalmente diferentes daquela que conscientemente usamos.

O fato, é que o paraíso é subjetivo e não se resolve ou se disseca com as equações da engenharia humana.

Goethe (em Educação e Formação Orgânica da Natureza) diz que “todo ser vivente não é simples, mas uma multiplicidade; embora nos pareça um indivíduo, “permanece sendo uma ‘reunião’ de seres vivos autônomos [...] [que] se separam – e se procuram novamente”. Nessa dimensão polilógica, o multilingüismo possui muitas valências e muitos destinos: riqueza e multiplicidade, mas também confusão e perda (p. 312)”.

Mas o que este mito nos remete, senão à evidência da passagem da natureza humana para a cultura. Na linguagem mítica, Deus, como metáfora do inconsciente, permanece em sua essência o mesmo, variando apenas a Sua interpretação por cada povo. A variedade de línguas é a solução, quando se deseja particularizar o Indefinível e Insondável, dando-lhe um nome.

Quanto à Torre de Babel, o “ato de destruição” de Deus significa que não podemos erradicar a ambivalência que em cada cultura existe, com seu próprio pano de fundo lingüístico.

A atmosfera pesada de Babel, só se tornará mais respirável quando nos dermos conta de que estaremos reprimindo a nossa própria heterogeneidade psíquica, toda vez que quisermos impor, sobre todas as formas, a nossa razão sobre a do outro, fazendo valer a nossa língua em detrimento da linguagem expressa pelo outro.

O uno (de uma única torre com uma única língua) seria uma maldição, ao passo que a diversidade de pensamentos e línguas é sinal de riqueza. É por isso, que hoje, podemos dizer: a internet é uma babel (divina confusão), e não poderia ser diferente, uma vez, que ela reflete a nossa “babel interior”.


Ensaio por Levi B. Santos

Guarabira, 23 de janeiro de 2010

19 janeiro 2011

Pode Ficar Pior para Nós




O velho aforismo, “Pior do Que Tá não Fica”, usado por Tiririca, hoje deputado federal por São Paulo, foi por água abaixo. Notícias dão conta de que a CPMF tem data marcada para voltar a fim de cobrir o rombo no orçamento do governo Dilma (faltam quarenta bilhões para fechar a conta).

Mas os do circo do Congresso sobre a batuta do palhaço Tiririca estão radiantes: Antes do primeiro mês de trabalho (ops!) já receberam 61% de aumento.

E o que falar da elite da Esplanada (os Ministros) que terão em seus holerites, 148% de aumento a partir do mês da “tragédia anunciada” do Rio de Janeiro. Segundo J.R. Guzzo — em seu ensaio As ‘Cotas’ de Brasília na recente revista Veja (Edição 2.200) “os cargos (Ministérios) que têm impacto direto na vida dos cidadãos, e que obviamente exigem de seus ocupantes experiência, talento e aptidão profissional para ser exercidos com um mínimo de eficácia, são entregues de “porteira fechada” a esta ou àquela turminha”.

Notícias recentes dão conta de que dos 37 ministros, dez já confirmaram, sem nenhuma parcimônia, que terão assentos remunerados (o por fora) em conselhos de estatais (vide reportagem veiculada na Veja dessa semana, com o título: Marajatina Ministerial).
A coisa chegou a um nível total de desmoralização, que segundo o ensaísta da última página da Veja, “discute-se abertamente o valor do posto, sem nenhum disfarce, como se disputa pontos de tráficos de drogas nas favelas. Negócios de 10 e 20 bilhões de reais são debatidos em plena luz do dia.”

Quero, como cidadão brasileiro, ante essa encarniçada luta partidária pelo butim público, apresentar minha sugestão ao novo governo da presidente Dilma:

Ao invés de distribuir benesses a gente que não se sabe se tem ou não competência, por que não submeter todos os ministros e assessores a uma espécie de vestibular (não o do ENEM, que vaza demais). Evitaria em muito o desgaste que está ocorrendo logo no início do seu governo, em que caciques do PMDB já ameaçam boicotá-lo, se a sua cota for menor que a do PT. Segundo J.R. Guzzo — colunista da Veja, “essa foi uma das equipes mais cinzentas que um chefe de estado brasileiro já conseguiu reunir em torno de si [...]. O ministro da Previdência Social diz que não entende nada de previdência social. A ministra da Cultura diz que não entende nada, de direitos autorais”. E por aí vai...

Mas, a indolência do brasileiro servil parece vir mesmo de sua herança cultural. O historiador e Ph.D em Economia — Júlio Senna, sobre essa passividade, assim disse em seu livro “Parceiros do Rei” (página 167): “Talvez por termos nos acostumado, desde os anos iniciais de nossa formação, a obedecer sempre ao poder central, a seguir as suas instruções, a lhe pagar impostos sem muito discutir, tenhamos deixado de nos preocupar com o interesse de coletividade. Aprendemos a nos ocupar apenas das questões individuais. Os demais problemas deveriam ser resolvidos pelo Estado, que sempre se imiscuiu em tudo”.

Era assim que os nossos antepassados portadores de sentimentos de inferioridade se dirigiam aos portadores de poderes quase divinos (os governantes): “A nossa esperança está primeiramente em Deus, e depois em Vossa Excelência”, e achavam bonito, quando o povão dizia: “Ele rouba, mas faz”, a respeito de um outro emblemático e famoso político que fez das suas nas décadas de 1940 e 1950 — Ademar de Barros de São Paulo.

Quando os que administram o “gigante adormecido” denominado Brasil, privilegiam abertamente os funcionários da elite política com mordomias e aumentos extorsivos de salários em época de inflação quase zero, é hora de fazer nossa a célebre frase de Shakespeare: “há algo de podre no reino da Dinamarca”.



Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 19 de janeiro de 2011

16 janeiro 2011

Um Fiel Amigo na Tragédia

Clique na FOTO


Nos últimos dias, tenho visto pela internet imagens estarrecedoras da “tragédia anunciada” que se abateu sobre o Estado do Rio de Janeiro, especificamente em Teresópolis e Nova Friburgo. Imagens que relembram em tudo a devastação provocada por um forte terremoto ou tsunami. Entre muitas fotos de corpos sendo retirados debaixo da terra e de destruição quase que completa da cidade histórica de Teresópolis, uma imagem me tocou profundamente: a de um cachorro de aspecto triste velando a cova de sua dona.

Alguém poderá dizer: Como pode um cronista deixar de lado o sofrimento humano, para falar de um cão sem dono?

Só quem nunca viu uma história de devoção e fidelidade de um cão a seu dono é que pode pensar que animal não tem sentimentos.

Ecos do romance “Vidas Secas” de Graciliano Ramos, que fez parte de minhas primeiras incursões no mundo da literatura, talvez tenha pesado muito na escolha dessa foto entre outras mais representativas da calamidade que se abateu sobre Teresópolis e cidades circunvizinhas. Tanto a miséria provocada pela seca nordestina que é o centro da narrativa desse antológico romance, como a calamidade provocada pelas chuvas torrenciais do Estado do Rio de Janeiro, fazem parte de tragédias previamente anunciadas e nunca tratadas com seriedade.

Vidas Secas”, talvez seja o livro que contém maior sentimento da terra nordestina, que apesar de ser dura, áspera e cruel, nunca deixou de ser amada pelos que estão a ela ligados.

Tinha meus 17 anos quando li esse memorável livro, no qual, pela primeira vez, pude perceber que pessoas podem ser animalizadas, e animais podem se tornar humanos. Um dos aspectos que mais me impressionaram no romance foi o descaso do governo com problema da seca no nordeste. Associei essas lembranças de minhas leituras antigas, ao estado de sofrimento dos nossos irmãos que habitam as encostas dos morros sujeitos a deslizamentos causados por chuvas previsíveis nessa época do ano, ante o olhar displicente dos governantes que irresponsavelmente autorizam ou toleram construções de moradias em locais totalmente inviáveis.

Mas, o personagem de “Vidas Secas” que me arrancou lágrimas, não foi nenhum ser humano do romance, e sim, uma cadela humanizada, apelidada de “Baleia”. Talvez, quem sabe, o inconsciente, tenha me influenciado a trazer um animal humanizado como contraponto à insensibilidade dos que são bem pagos para cuidar do bem estar da população brasileira, e não o fazem.

A foto do cão humanizado (veja a tristeza em seus olhos) ao lado da cova da sua dona, uma moradora de Teresópolis, fez evocar em mim um trecho emocionante de “Vidas Secas”, onde seu autor de forma especial, revela os sentimentos da cadelinha “Baleia” — que na historia é também uma impotente vítima das circunstâncias.

Trago abaixo, a narrativa sobre essa cadela, que por hora, associo à dor do cão, à beira da cova de sua dona, no cemitério de Teresópolis:

“Tinha havido um desastre, mas Baleia não atribuía a esse desastre a impotência em que se achava, nem percebia que estava livre de responsabilidades. Uma angústia apertou-lhe o pequeno coração. Precisava vigiar as cabras: àquela hora, cheiros de suçuarana deviam andar pelas ribanceiras, rondando as moitas afastadas. Felizmente os meninos dormiam na esteira, onde sinhá Vitória guardava o cachimbo. [...]Baleia respirava depressa, a boca aberta, os queixos desgovernados, a lingua pendente e insensível. Não sabia o que tinha sucedido. O estrondo, a pancada que recebera no quarto e a viagem difícil do barreiro ao fim do pátio desvaneciam-se no seu espírito.

Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. A pedra estava fria, certamente, sinhá Vitória tinha deixado o fogo apagar-se muito cedo.

Baleia queria dormir. Acordaria feliz num mundo cheio de preás...”

(Trecho do Romance, Vidas Secas, de Graciliano Ramos)


Por Levi B. Santos

Guarabira, 16 de janeiro de 2011

Imagem: http://oglobo.globo.com/rio/fotogaleria/2011/13566 (foto Nº 11)

13 janeiro 2011

O Homem Que Criou as Férias

De férias para Guarujá – SP


Foi no sexto dia de trabalho pesado, e em sua primeira semana, que extremamente cansado e debilitado, resolveu decretar o sétimo dia, como descanso, a fim de refazer as energias para os próximos seis dias de luta pela sobrevivência. Disse ele: “ninguém é de ferro, todo final de semana tirarei um dia para descansar, de preferência, em um recanto silencioso, deserto e bucólico do aprazível planeta”. Ali, enfim, a racionalidade desgastante do trabalho, daria lugar a sonhos e devaneios.

Na folga semanal, esse homem relaxava sobre as gramas macias de belíssimos jardins. De sons, só ouvia o cantar das variadas espécies de aves, que junto ao rumor das águas de uma cachoeira, formavam uma sinfonia surpreendentemente extasiante.

Depois de 365 dias de rotina em seu ofício, chegou à sábia conclusão de que após um período tão longo de trabalho, o certo, seria descansar por um mês completo.

Ao ouvir a voz de um tal de Kant que dizia “Aja de modo que sua conduta possa ser tomada por lei universal de comportamento”, não titubeou e assinou o decreto que dava o nome “férias” a esse período de repouso anual de trinta dias consecutivos. Tudo isso, foi muito antes de serem instituídos os qüinqüênios e o décimo terceiro mês de gratificação.

Sempre que se aproximava o fim de ano, tinha sonhos parabólicos, e se via num futuro longínquo, ouvindo a voz de Paulo: “acabei a minha carreira de trabalho anual, o que me resta, agora, é gozar as férias que um justo juiz me proporcionará por lei”.

Ah, era nas férias que terra e céu se confundiam. A cada ano, esse homem escolhia uma deserta e paradisíaca praia do imenso litoral inexplorado para se fundir espiritualmente com a natureza.

Hoje, passados dezenas de milhares de anos, multidões aflitas ainda “gozam” as férias decretadas nos primórdios pelo “homo-sapiens-primevo”. Apesar do espírito do decreto ter sido esquecido, a sua letra permanece para sempre.

A notícia de que as férias devem ser gozadas em praias e “resorts” se espalhou por todos os zoos de profissões do mundo, e não há como deter a manada que enfrenta engarrafamentos monumentais em direção à orla, a procura de paz, do silêncio e do descanso que um dia o seu criador gozou solitariamente. A verdade preciosa do fundador das férias, que na sua imaginação idílica via o céu se fundindo com a terra numa sinfonia única e irrepreensível, transformou-se em um caos, em um inferno ou em uma torre de Babel, onde seus habitantes comem o pão que o diabo amassou por não entender o que fazem. Só se ouve: “Vamos descer a serra!” Não importa que vidas estejam se arriscando, o que interessa é cumprir o ritual neurótico em homenagem ao seu criador.

A palavra “férias” permanece, mas seu sentido sofreu uma metamorfose igual ao de Gregor Samsa, personagem de Kafka, que para se adaptar ao imaginário surreal onde habitam os fantasmas da sociedade moderna, teve que se transformar em uma barata monstruosa e repugnante, como é o desordenado e sombrio lazer dos que à maneira de formigas insensatas descem a serra para o abismo de um litoral sinuoso e obscuro. Tão insensíveis são, que por ocasião da volta para casa, não vêem no espelho as suas faces cansadas e abatidas — castigo por terem contrariado o decreto do criador, que sabia o que era o “espírito das férias”, pois, sempre voltava delas, tranqüilo e revigorado para iniciar mais um ano de labuta.


Ensaio por Levi B. Santos

Guarabira, 13 de janeiro de 2011

09 janeiro 2011

Sobre Egos Inflados




A Paulista Betty Milan formou-se em psicanálise em Paris, com o renomado professor Jacques Lacan (que fez a releitura das obras de Freud). Entre sua vasta publicação destaca-se: Sexophuro (1981), O Papagaio e o Doutor (1998), O Amante Brasileiro (2003). Atualmente, escreve, mensalmente, um artigo para a revista Veja.

Sinto prazer ao ler seus ensaios, talvez por serem simples, inteligíveis, e não terem em demasia termos técnicos. Eles sempre se referem a fatos do cotidiano do seu consultório sentimental.

Achei conveniente trazer à baila trechos do pequeno ensaio “Nem Tudo se Pode Ver, Ouvir e Dizer”, que ela escreveu para a revista Veja que saiu hoje nas bancas de todo o país (Edição N°2199)

No intuito de mostrar como é extremamente difícil se livrar do “ego”, e aceitar que o “inconsciente” existe, e que nós é que somos resistentes ao racionalizar que somos donos de nós mesmos, a autora relata uma carta emblemática que recebeu de um músico:

“Um músico me escreve que pertence a uma grande orquestra, mas não tem prazer no trabalho por causa dos colegas. Não suporta o despotismo, a vaidade, a prepotência, a arrogância e a mania e grandeza de alguns. O convívio com “egos inflados” é demasiadamente penoso, e ele me pergunta o que fazer”.

Para abordar a queixa masoquista do músico, Betty Milan, se vale da máxima que foi introduzida no Japão por um monge budista do século VIII que diz: “não ver, não ouvir, e não dizer nada de mau. Essa máxima, representada por três macaquinhos (um cego, um surdo e outro, mudo) foi adotada por Gandhi. “Eles ensinam a não enxergar tudo o que vemos, não escutar tudo o que ouvimos, e não dizer tudo o que sabemos”.

Diz ainda a psicanalista: “egos inflados estão em toda parte, e a luta contra eles não leva a nada. Evitar a luta de prestígios é um bem que nós fazemos a nós e aos outros”.

Na verdade, essa idéia não é tão nova assim. Freud, já via que a pessoa adulta possuía, como aliado, um “ego” mais forte do que tinha quando criança, e, a psicanálise, pensava ele, trazia em seu bojo esperanças de superação ou de restrição dos impulsos inconscientes.

O ego, por sua parte, é aquele sempre desconfiado que trata de atacar ou contra-atacar, invadindo o território dos instintos. Seu propósito é colocar os instintos permanentemente fora de ação por meio de medidas defensivas que garantem as suas próprias fronteiras.

Betty Milan encerra seu ensaio, dizendo: “o nosso ego sempre é compelido a focalizar o que nos prejudica [...], sobretudo numa sociedade como a nossa, que tanto valoriza, e não condena a vaidade, a prepotência e a arrogância. Pelo contrário, estimula-as para se perpetuar".

Ao músico ressentido da história, só lhe resta continuar tocando em sua orquestra, pelo menos, até que os outros do mundo da música reconheçam nele uma peça importante. Ou será que para poder se sentir um homem bom, o ressentido precisa acreditar que os outros são maus?


Por Levi B. Santos

Guarabira, 10 de janeiro de 2011

07 janeiro 2011

A “SOMBRA” NOSSA DE CADA DIA



Há que se rever os fundamentos do “humanismo” maldito de nossa civilização que elaborou o maniqueísmo de que devemos ser luz e não trevas, de que devemos valorizar a claridade em detrimento das sombras.

Nosso desafio maior é compreender como essa “dualidade psíquica” foi deformada pela cultura. Luz”, “trevas” e “sombras” são metáforas que traduzidas revelam muito de nossas funções estruturantes. Estas três instâncias não são inconciliáveis ou inimigas, por isso mesmo, devem ser reintegradas, e não rejeitadas.

Detemo-nos, aqui, sobre a “sombra” — que na realidade nada mais é, que aquele nosso lado oculto não atingido pela “luz”. Um emblemático hino cristão tão ouvido em nossa infância, mas pouco analisado do ponto de vista psicológico, prenuncia um encaminhamento para a síntese entre luz e escuridão — trata- se do significante hino: Deus está nas Sombras”.

O mito das origens, no livro de Gênesis, desenvolve uma dinâmica permeada por um desejo latente de se jogar para fora, o lado escondido ou oposto da moeda que simboliza o humano. No entanto, é nos evangelhos que se pode observar um movimento contrário ao realizado no mito do gênesis, onde um Homem vai em busca do outro lado da moeda que foi perdida ou jogada fora no início de nossa formação bio-psíquica: “Eu vim buscar o que se havia perdido” — disse Jesus. O livro de Isaias fala, figuradamente, das duas faces dessa moeda que foram separadas, mas que devem ser reintegradas: “O Lobo habitará com o Cordeiro” ( Isaias 11:6)

Cristo, profundo conhecedor da alma humana, em suas parábolas sempre evidenciava que não se devia separar os dois pólos aparentemente opostos de nossa psique — vide história do “Joio e do Trigo” —, na qual o Mestre dos mestres deu mostras de que esses dois elementos deviam viver juntos. Há uma tendência inata do homem querer separar o que é “mal” (joio) do que é “bem” (trigo). Nunca poderemos expulsar de nós os afetos indesejados ou contraditórios, e, quando pensamos que o fazemos, estamos simplesmente a projetar aquilo que racionalizamos como “o mal” (o joio) no outro diferente de nós; e isso, está na raiz de todo o preconceito e de toda intolerância. Infelizmente, no meio evangélico, o que se vê pregar como santificação e salvação não passa de uma esdrúxula tentativa (anticristã) de ficar livre do lado profano (eu estou salvo e os outros condenados). Tentar separar o “joio” do “trigo”, antes de tudo, significa projetar no nosso semelhante, partes de nossa obscuridade rejeitada.

A história registra que alguns antigos ao reconhecerem a dualidade existencial, simbolizada pelo joio (metáfora do mal) e pelo trigo (metáfora do bem), imaginavam que o ser humano fosse possuidor de duas almas: uma boa e outra má. Assim, é que Xenofonte em sua obra: “A Vida de Ciro”, sobre certo nobre persa de nome Araspe, o qual teve conduta errônea para com Pantéia, uma bela escrava, assim declamou: “Ó Ciro, estou convencido que tenho duas almas; quando a alma boa domina passo a praticar ações nobres e virtuosas; mas quando a alma má predomina sou constrangido a praticar o mal. Tudo quanto posso dizer quanto ao momento é que minha alma boa é encorajada pela tua presença, tendo assim obtido o domínio sobre minha alma má”.

Ao temermos aceitar esses dois pólos, como partes intrínsecas e inseparáveis de nossa natureza paradoxal, estaremos, de certa maneira, evitando o que é primordial ou necessário: a SÍNTESE entre esses dois arquétipos estruturantes de nossa personalidade. E fazer a síntese dessas duas instâncias é tornar-se íntimo de sua “sombra”. O psicanalista, Jung, uma vez disse: “A Sombra é a pessoa que preferiríamos não ser”.

Muitas vezes, para que o outro não tenha acesso às nossas vulnerabilidades, inconscientemente, erguemos muros imaginariamente indevassáveis, numa tentativa vã de negar ou sufocar a nossa “sombra” de cada dia.


Ensaio por Levi B. Santos

Guarabira, 07 de janeiro de 2010

02 janeiro 2011

A Alma Sofredora do Ensaísta


Encontrar uma “pedra” no meio do caminho é sempre bom: a gente PÁRA, e senta sobre a mesma, descansa um pouco e, mais relaxado inicia uma breve reflexão sobre o mundo das palavras ditas e ouvidas. Não dá para se demorar nesse repouso, porque o lado mecânico que a civilização nos impõe, exige uma caminhada célere, sem interrupções. Quanto ao recanto oferecido como sombra para a escrita dos nossos ensaios, alguns, querem submetê-lo às regras rígidas da sociedade mercantilista.

Estou a escrever, e ao mesmo tempo, ligadíssimo, no que está registrado nas “escrituras sagradas” da blogosfera (não sei o capítulo e o versículo): “Queres ser lido? Tenhas agilidade para dizer tudo em frases curtas ou condensadas ao máximo. Quanto ao objetivo do teu pensamento, não importa que fique incompleto ou ininteligível”.

Mas a intenção do ensaísta não é a de exaurir e tirar o fôlego do leitor?

Como fazer isso, sem pressa, na fauna exuberante em que se vive? Como realizar tal façanha, se as pedras existentes no caminho não fazem deter as pessoas que, à maneira de “insetos”, correm assustadas pelos canais ou escoadouros dos “guetos” globalizados? Como ser ouvido, se a maioria não consegue parar, pois, se encontra como um bando de crianças amedrontadas, batendo-se umas nas outras num quarto escuro?.

Como atrair para a leitura, àqueles que estão sempre com pressa, sempre fazendo contas, falando ao celular, preso em seu carro em um engarrafamento?

Infelizmente, o ensaísta está fadado ao ostracismo. O homem “pós-moderno” não irá lê-lo, é quase impossível ele desligar o motor que o move, para ver a pedra que está no seu caminho; ele fatalmente a contornará.

Cabe ao ensaísta se reinventar e esboçar uma filosofia do cotidiano, para que, assim, possa acompanhar o indivíduo energizado pelo comando midiático da sociedade de consumo. Faz-se necessário encontrar um meio de acompanhá-lo em seu movimento contínuo e inexorável pela sobrevivência. Se esse homem nunca se encontra disponível para um intercâmbio no campo das idéias, que encontremos uma fórmula para cooptá-lo no trabalho, no comércio, no hospital, no avião, no celular, no shopping, no hospital, ou até na cama (onde, se supõe, esteja mais solto e leve).

Quem sabe, poderíamos até tomar aulas com os grandes empresários da rede "fast food". Não foram eles que, finalmente, encontraram a solução mágica para alimentar as massas com refeições tão rápidas, que não permite pensar no que se está a deglutir?! Ah, ia esquecendo que a internet já dispõe de sistemas de intercâmbio, tipo "fast food", tendo a frente esse importante aviso: “não ultrapasse os 140 caracteres” (para não causar indigestão?!)

Não! Não irei aceitar esse tipo de engessamento no campo da escrita. Ainda guardo no meu peito um fio de esperança que os blogs não venham adotar tal forma de aprisionamento.

Mesmo que me atrase na jornada que me foi predeterminada, sempre que encontrar uma pedra no caminho, não me furtarei em sentar sobre ela, a fim de poder escrever fragmentos do meu pensar, em esboços ou rascunhos, sem me preocupar com o número de palavras que irei usar. Essa será a trincheira de resistência da minha alma ensaísta, que não quer se render a um mundo obcecado pela “felicidade enlatada”. Se por acaso fracassar, o aforismo do filósofo e ensaísta, Luiz Felipe Pondé, me consolará: O Que Nos Humaniza é o Fracasso”.

P.S.: Perdão, caro usuário do Facebook ou do Twitter, por este ensaio ter ultrapassado os 140 caracteres.


Ensaio por Levi B. Santos

Guarabira, 02 de Janeiro de 2011