Foi no sexto dia de trabalho pesado, e em sua primeira semana, que extremamente cansado e debilitado, resolveu decretar o sétimo dia, como descanso, a fim de refazer as energias para os próximos seis dias de luta pela sobrevivência. Disse ele: “ninguém é de ferro, todo final de semana tirarei um dia para descansar, de preferência, em um recanto silencioso, deserto e bucólico do aprazível planeta”. Ali, enfim, a racionalidade desgastante do trabalho, daria lugar a sonhos e devaneios.
Na folga semanal, esse homem relaxava sobre as gramas macias de belíssimos jardins. De sons, só ouvia o cantar das variadas espécies de aves, que junto ao rumor das águas de uma cachoeira, formavam uma sinfonia surpreendentemente extasiante.
Depois de 365 dias de rotina em seu ofício, chegou à sábia conclusão de que após um período tão longo de trabalho, o certo, seria descansar por um mês completo.
Ao ouvir a voz de um tal de Kant que dizia “Aja de modo que sua conduta possa ser tomada por lei universal de comportamento”, não titubeou e assinou o decreto que dava o nome “férias” a esse período de repouso anual de trinta dias consecutivos. Tudo isso, foi muito antes de serem instituídos os qüinqüênios e o décimo terceiro mês de gratificação.
Sempre que se aproximava o fim de ano, tinha sonhos parabólicos, e se via num futuro longínquo, ouvindo a voz de Paulo: “acabei a minha carreira de trabalho anual, o que me resta, agora, é gozar as férias que um justo juiz me proporcionará por lei”.
Ah, era nas férias que terra e céu se confundiam. A cada ano, esse homem escolhia uma deserta e paradisíaca praia do imenso litoral inexplorado para se fundir espiritualmente com a natureza.
Hoje, passados dezenas de milhares de anos, multidões aflitas ainda “gozam” as férias decretadas nos primórdios pelo “homo-sapiens-primevo”. Apesar do espírito do decreto ter sido esquecido, a sua letra permanece para sempre.
A notícia de que as férias devem ser gozadas em praias e “resorts” se espalhou por todos os zoos de profissões do mundo, e não há como deter a manada que enfrenta engarrafamentos monumentais em direção à orla, a procura de paz, do silêncio e do descanso que um dia o seu criador gozou solitariamente. A verdade preciosa do fundador das férias, que na sua imaginação idílica via o céu se fundindo com a terra numa sinfonia única e irrepreensível, transformou-se em um caos, em um inferno ou em uma torre de Babel, onde seus habitantes comem o pão que o diabo amassou por não entender o que fazem. Só se ouve: “Vamos descer a serra!” Não importa que vidas estejam se arriscando, o que interessa é cumprir o ritual neurótico em homenagem ao seu criador.
A palavra “férias” permanece, mas seu sentido sofreu uma metamorfose igual ao de Gregor Samsa, personagem de Kafka, que para se adaptar ao imaginário surreal onde habitam os fantasmas da sociedade moderna, teve que se transformar em uma barata monstruosa e repugnante, como é o desordenado e sombrio lazer dos que à maneira de formigas insensatas descem a serra para o abismo de um litoral sinuoso e obscuro. Tão insensíveis são, que por ocasião da volta para casa, não vêem no espelho as suas faces cansadas e abatidas — castigo por terem contrariado o decreto do criador, que sabia o que era o “espírito das férias”, pois, sempre voltava delas, tranqüilo e revigorado para iniciar mais um ano de labuta.
Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 13 de janeiro de 2011
4 comentários:
Muito interessante esse ensaio meu amigo Levi... Realmente, férias, é mais que ir ao litoral para torrar ao sol do nosso Brasil tropical. Férias é pits top para a alma. Férias, está para além de um descanso para o corpo... É descansar a alma.
Abração.
olha levi, perfeita as suas observações sobre as férias. uma época em que você deveria desacelerar, deixar a frequência do corre -corre diário abaixar, e muitos se lançam em viagens estressantes enfrentando calor de rachar, engarrafamentos intermináveis, praias super-lotadas...
Jailson e Eduardo
A atração insensata pelas férias nas praias, faz com que muitos se sacrifiquem pelo caminho largo da perda da tranquilidade.
O congestionamento gigantesco de carros (na foto do topo) com famílias inteiras guiadas pelo hedonismo, é mais que uma prova insofismável da irracionalidade.
Abraços
Dificilmente tenho férias em que realmente descanso, qual o sentido disso? Sem mencionar que nas férias, principalmente as que intercarlam o ano e o seguinte, nossa cabeça fica ocupada de projetos vindouros e basicamente não consegue relaxar. Muito bem observado, e essa imagem é ótima, lembrou-me de um carnaval que passei na Região dos Lagos do Rio no ano passado, em que passei quase um dia inteiro num engarrafamento, praticamente toda a ponte Rio-Niteroi até Macaé. Como eu tava com a familia, relaxei, revesei o volante, comi, conversei, brinquei, fiz do caos minhas férias rssrs.
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