30 junho 2012

Hobbes, Rousseau, Erich Fromm e a “Natureza Humana”






Temos por hábito, chamar de “cordeiros”, os homens que se comportam de maneira politicamente correta, que são obedientes, influenciados a fazer o que lhes é dito ou ordenado. Em contrapartida, temos o costume de denominar de “lobos”, aqueles que nos prejudicam, ou destroem aquilo que temos como convicções inamovíveis.

No livro “O Coração do Homem” (pag. 17), Erich Fromm, diz algo interessante: “foi baseado nessa concepção de que os homens são cordeiros e, portanto, precisam de líderes para tomar decisões por eles, que surgiram os grandes inquisidores e os ditadores [...]”. “[...] Devemos supor que você, eu e a maioria dos homens somos lobos em pele de cordeiro, e que nossa verdadeira natureza se tornará evidente assim que nos descartarmos das inibições que até agora nos têm impedido de agir como feras. Os lobos querem matar; os cordeiros querem seguir. Daí os lobos levarem os cordeiros a matar, a assassinar, a estrangular, e os cordeiros obedecem não por gostarem disso, porém por quererem seguir”.

Vejamos a oposição entre “lobo/cordeiro” nas argumentações dos filósofos Hobbes (1578 – 1679) e Rousseau (1712 – 1778):

O filósofo, Luiz Felipe Pondé (professor de filosofia e religião da PUC - SP) resume bem o paradoxo da “natureza humana”, nas visões de Hobbes e Rousseau, ainda hoje, motivo de grandes polêmicas no meio acadêmico. Diz ele:

“Para Hobbes, a natureza humana é egoísta, amedrontada e traiçoeira. Por isso ele dizia que o homem é mau, e a sociedade o faz menos mau.

Para Rousseau, o homem nasce bom e a sociedade é que o estraga. Daí ele propor que devemos fazer uma sociedade em que os pobres mandem, porque eles tiveram menos sucesso com a sociedade corrompida existente. A chave de análise de Rousseau está na suposição de que nossa natureza ‘pura’ só deseja o que é necessário. Os ricos puderam desejar além do necessário, e foram corrompidos por eles, os pobres não”.

A tomada do poder na Rússia de 1917, pelo proletariado marginalizado (os bolcheviques) que depôs os ricos Czares, e a tomada do poder pelo proletariado petista recentemente no Brasil, são dois exemplos de que aqueles que se têm como pobres (cordeiros) podem ser tão “ruins” como os ricos (lobos). O que acontece do ponto de vista psicológico, com a descoberta do inconsciente, é que os pobres “cordeiros” terminam por fazer vir à tona o seu lado “lobo” reprimido ou escondido, quando sobem ao poder. Dir-se-ia que o poder tem o dom de tornar “nu” o “encoberto”. É ele que retira a pele de cordeiro (as vestes, o exterior) do homem para tornar visível ou evidenciar o lobo interior.  

O que as metáforas “lobo” e “cordeiro” parecem evidenciar?

Querem evidenciar que, por “natureza”, somos tanto lobos quanto cordeiros. A nossa natureza é ambivalente, paradoxal ou ambígua, como bem explicava Freud: somos dotados de pulsão de vida (Eros) e pulsão de morte (Tânatos). “Quando faço o bem, o mal está comigo” (apóstolo Paulo). É de Horácio (poeta romano – 65 a.C.) esse emblemático verso: “Mais na mente que no corpo jazem minhas dores / Tudo que me prejudica, com alegria eu busco / Tudo que me faz bem com horror eu vejo”.

O poeta Olavo Bilac, em uma de suas poesias, se expressou de forma brilhante e profunda sobre o dualismo dos nossos afetos paradoxais, simbolizados pelo “lobo” e o “cordeiro”. Se não vejamos:

Não és bom, nem és mau; és triste e humano...
Vives ansiando, em maldições e preces,
Como se, a arder, no coração tivesses
O tumulto e o clamor de um largo oceano.

Pobre, no bem como no mal padeces;
E, rolando num vórtice vesano,
Oscilas entre a crença e o desengano,
Entre esperanças e desinteresses.

Capaz de horrores e de ações sublimes,
Não ficas da virtude satisfeito,
Nem te arrependes, infeliz, dos crimes;

E, no perpétuo ideal que te devora,
Residem, juntamente em teu peito
Um Demônio que ruge e um Deus que chora.

[Olavo Bilac, 1885 – 1918]



Por Levi B. Santos
Guarabira, 30 de junho de 2012

22 junho 2012

Luiz Gonzaga ― A Cara do São João Nordestino




Viva São João!  Estamos no ano do centenário do maior sanfoneiro do Brasil ― Luiz Gonzaga (1912 ― 1989), natural de Exu – Pernambuco. 

Vi na minha meninice, esse monstro sagrado da sanfona tocando em praça pública no centro de minha cidade natal – Alagoa Grande – PB, tendo  a um lado o Zequinha no triângulo e do outro lado o Catamilho no zabumba.

 Eu ali, embevecido, não via as horas passarem. Extasiava-me encostado ao lastro de um caminhão sem as grades, todo ornamentado, que servia de palco para o trio do baião varar a noite com suas belas modinhas, ainda hoje muito executadas em todo o Nordeste. Quem do meu tempo não se lembra das antológicas canções: Asa Branca (1947) Juazeiro (1948) Qui nem Jiló (1949) Paraíba Masculina (1950)?

Luiz Gonzaga, no período de 1950 à 1960, se apresentava nos comícios do interior da Paraíba, contratados por  candidatos a cargos eletivos de prefeito e deputado estadual. De sua música Paraíba Masculina, conta-se, que José Américo de Almeida, paraibano, autor do clássico nordestino “Menino de Engenho”, ficou revoltado, pois, em sua opinião achava que o Luiz estava debochando da mulher paraibana. O lançamento desse emblemático forró na famosa praça da Bandeira em Campina Grande, terminou em tragédia onde três pessoas foram mortas e dezenas foram pisoteadas e  alguns feridos  por tiros  no tumulto da campanha eleitoral de 1950 em que José Américo de Almeida, era candidato a governador da Paraíba. A música foi lançada como jingle do candidato a senador, pela Paraíba, José Pereira  que foi derrotado pelo senador, também paraibano, Rui Carneiro. Nesse tempo os dois maiores partidos eram o PSD e a UDN.

Mas Luiz, junto a seus comparsas, logo saíu em defesa do baião “Paraíba Masculina”, alegando que ele evocava a bravura da Paraíba nos eventos políticos da Revolução de 1930, nos quais se destacaram os paraibanos, ao lado dos mineiros e gaúchos.

Lá em casa, éramos todos pessedistas (Partido Social Democrático), e eu vibrava em passeatas, carregando bandeiras de cor azul celeste, contra os que portavam as bandeiras vermelhas diabólicas dos udenistas (União Democrática Nacional). No fundo tudo era a mesma coisa, pois, os coronéis de um lado e de outro dominavam com afinco os seus currais eleitorais.

Mas deixemos os entreveros políticos de lado, para ouvir esse belo baião de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, feito em homenagem à Paraíba (gravado também na voz de Gilberto Gil e Marisa Monte) que, ainda hoje, é muito executado nas noites juninas em quase todas as residências de minha cidade natal:



Imagem: Jornal Integração Brasil

19 junho 2012

Rei e Rainha em Clima de São João





Um dos encontros mais esperados na Rio+20 (que vai até o dia 22 de junho) será o de Lula com o novo presidente da França ― o socialista François Hollande. Já a presidenta Dilma oferecerá um coquetel aos diversos mandatários no dia 20 na Arena da Barra. Enfim, um ambiente festivo para tratar do desenvolvimento sustentável, bem à moda das festas juninas que nesse mês pipocam pelo Brasil afora e, de sobra, mostrar aos estrangeiros o paraíso que é essa Terra Prometida, denominada Brasil.

Foi por volta de 1808 na Bahia de São Salvador, que um clima, em tudo semelhante ao da Rio + 20 recendia, para receber a trupe do imperador Dom João VI e de sua amada Carlota Joaquina, que fugia das garras de um imperador francês — Napoleão Bonaparte —, que invadira Portugal. 

Contrariamente ao que ocorreu com o Imperador português, que fugiu desabaladamente para a Terra Brasilis, a fim de não ser morto pelas tropas napoleônicas, Lula, apesar de deposto, mas ainda reinando, é quem irá agora acolher calorosamente a maior autoridade francesa da atualidade em solo brasileiro, em meio a um clima juninamente festivo.

No livro “Carlota Joaquina ― a Rainha Devassa” —, do historiador João Felício dos Santos, há uma descrição fantástica: O autor, também numa atmosfera inebriante de festas juninas, expõe a chegada das esquadras de Dom João VI à São Salvador, depois de dois meses de navegação marítima a céu aberto.

Quem sabe se as ressonâncias desse delirante desembarque imperial não estão ainda a emitir reverberações em ocasiões como essa, da festiva Rio + 20?. São tão parecidos os ecos juninos daquele tempo com os de hoje, se não vejamos:

“Assim, anoiteceu de todo. Fanfarras e luminárias refletiam de todos os lados a alegria popular [...]. [...] E eram foguetes, bombas, rojões, nos altos e no porto; tiros de salvas, estouros pelos quintais, nas praças, nas ladeiras, nos adros, fogos-de-bengala nos arredores, nos sítios, nas chácaras. As mais pesadas festividades grandemente anunciadas com retretas, lanternas chinesas e queima de mais fogos-de-vista.

João Felício, em seu livro, descreve uma inusitada fala da rainha louca Maria I, mãe de dom João VI, que veio de Portugal à força na esquadra imperial para a paradisíaca colônia.  Ao avistar, de longe, a costa da Bahia, a velha rainha começa a delirar:

— Estamos no Brasil? Sim...sim... e os franceses? Onde estão os tiranos desalmados? Os infiéis? — pergunta a rainha-mãe à sua baronesa, que tinha a função de pentear os cabelos da imperatriz.

— Quais franceses, Majestade?. No Brasil não temos inimigos. O Brasil é melhor —, responde a baronesinha.

— O Brasil é melhor?! Como então o Brasil é melhor? — torna perguntar a louca, arrematando: — Agora, quer dizer que Portugal já não presta?

A rainha louca fitando o horizonte e, ao que tudo indica, imaginando que teria saído do inferno napoleônico, esbraveja:

— É bonito...é! Mas meninas, por cá não há diabos? E aquilo acolá, são igrejas? Igrejas de Deus?

De súbito, a louca Maria I entristeceu-se como se principiasse a chorar.

Valha-me São João! Mas o que me deu na cabeça de juntar o desembarque da elite imperial em Salvador ―1808, à festiva Rio + 20 de 2012?.


Por Levi B. Santos
Guarabira, 19 de junho de 2012

16 junho 2012

O Porão Esquecido





Abri no peito, o entravado e velho portão,
Entrei no tempo passado, até então escondido.
Adentrei o subsolo do frio e escuro porão,
Vi os empoeirados fragmentos esquecidos,
Pedaços de brinquedos revoltos pelo chão.
Restos de memória de um tempo bem vivido.


Meus olhos de idoso, pelo tempo, esmaecidos,
Brilharam como antes, quando ainda era criança.
Senti por um momento os olhos umedecidos,
Pressenti no coração, um rasgo de esperança,
Um sentimento gostoso, de rever algo querido,
Renovou a minha alma, de força e de pujança.


Num canto da parede, um cavaquinho de madeira,
Que alçou na minha mente uma bela e velha cantiga.
Noutro canto uma bola murcha coberta de poeira,
Relembrou-me as peladas na ruazinha antiga.
Me vi correndo ofegante, subindo a velha ladeira,
Os pés vermelhos queimando das pisadas em urtiga.


Durante uma noite inteira caminhei pelo passado,
Revirando no porão, meu baú de brincadeiras,
Me vi brincando de novo, a cada artigo encontrado.
E encontrando na bagunça, uma surrada baleeira,
Revivi minhas caçadas pelo mato encantado,
Atirando nas rolinhas, debaixo das pitombeiras.


Ai que saudades que tenho desse porão esquecido,
Desse recanto da alma que ficou em mim gravado,
Desse museu de brinquedos que me deixou entretido,
Desse saudoso lugar, meio triste, e abafado.
E nessa noite de sonhos, eu me sinto agradecido,
Ao voltar a ser menino no porão abandonado.



Versos por: Levi B. Santos
Guarabira, 24 de Abril 2008

10 junho 2012

Nossa Tendência Masoquista




O Indivíduo é marcado pela finitude, pelo imprevisível.  Ele não tem qualquer garantia absoluta de segurança. O vazio assombroso ou abismal está de forma permanente sob os seus pés.

Freud partiu do desamparo da angústia de morte, para formular suas teorias. É na posição masoquista que o indivíduo se agarra ou se cola a um outro, oferecendo a este em contrapartida, seu corpo como objeto de gozo, para assim evitar a tragicidade da experiência do desamparo e da solidão.

O psicanalista Joel Birman, faz ver que o que caracteriza a subjetividade do masoquista não é o desejo primário de ser humilhado ou de sentir dor. Estes são desejos ou derivações secundárias. Por trás desse desejo está a impossibilidade de suportar o desamparo. Todo masoquismo, advém de uma reação em que o indivíduo procura inconscientemente suprir seu desamparo.

Diz Joel Birman: “Enfim, no masoquismo o sujeito busca o senhor e o mestre para se colar e se fundir com o intuito de evitar a dor do desamparo, mesmo que para isso se transforme em servo do outro. Mas no masoquismo, o querer se fundir com a outra pessoa poderosa, faz com que o sujeito não suporte a diferença do outro.”

 Baumann chegou a citar em uma de suas obras: “O homem civilizado trocou o quinhão das suas possibilidades de felicidade por um quinhão de segurança”.

Parece haver um pacto (inconsciente) masoquista na pós-modernidade . Todos nós, sujeitos, nos submetemos à posição masoquista subjetiva em nome da proteção contra o desamparo. Submetemo-nos aos outros na busca incessante pela segurança. E isso é o que causa um mal estar na civilização. Em nome de uma suposta proteção servil terminamos por permitir que se legitime a destrutividade sádica e ilimitada da pós-modernidade.

“O masoquismo faz do indivíduo participante da massa, um escravo.  “As situações de pânico mostram que a essência da multidão se vincula ao masoquismo, pois o pânico nada mais é que a conseqüência do desmoronamento da crença no poder do amor atribuído ao líder”. (Renato Mezan)

No “Mal Estar na Cultura”, Freud fala de um superego coletivo que tem a função de reprimir a agressividade que ameaça destruir a vida social, desde que todos se agreguem em rebanhos — uma espécie de masoquismo moral:

“...a diferença existente entre uma extensão inconsciente da moralidade e o masoquismo moral. Na primeira, o acento recai sobre o sadismo intensificado do superego a que o ego se submete; na última incide no próprio masoquismo do ego que busca proteção, quer do superego, quer dos poderes parentais externos.”  [Freud, 1924/1980, p. 210]

“Uma das mensagens do masoquismo é que se deve sofrer acompanhado, em vez de ficar sozinho. O inimigo não é o sofrimento, mas a falta de conexão ...”
[Anita Phillips — A Defesa do Masoquismo1998]



Por Levi B. Santos
Guarabira, 10 de junho de 2012

01 junho 2012

“Eu Queria Escapar Dessa Imagem” — Phan Thi Kim Phuc





Estará completando 40 anos, no próximo dia 8 de junho, a foto de uma garotinha vietnamita de 9 anos de idade que circulou por todo o mundo e ficou reconhecida como símbolo dos horrores de uma guerra insana travada pelos “cristãos” americanos contra “comunistas” no Vietnam.

O fotógrafo Nick Ut captou o exato momento em que Phan Thi Kim Phuc, fugia das chamas de uma bomba de Napalm jogada pelos americanos em seu povoado. 


Alguns, que já foram presidentes dos EUA ainda acham que a guerra foi justa, para evitar a propagação do comunismo naquela região. Os EUA chegaram a manter cerca de 550 mil militares no Vietnam, e saíram de lá derrotados, quando o governo de Saigon (Vietnam do Sul) se rendeu aos vietcongs

Depois de vários enxertos de pele e cirurgias, Phuc foi finalmente autorizada a deixar o hospital, 13 meses após o bombardeio. Ela tinha visto foto de Ut, que até então tinha ganhado o Prêmio Pulitzer, mas ainda não sabia do alcance e poder da imagem.
"Fico muito feliz em saber que ajudei Kim", disse Ut, que ainda é fotógrafo da Associated Press. "Eu a chamo de minha filha", brinca.
"A maioria das pessoas conhece minha foto, mas sabe pouco sobre minha história", diz Phuc. “Fico agradecida por poder aceitar essa foto como um presente. Com ela, eu posso usá-la para a paz."
Não há como deixar de sentir um frio na espinha, ao rever o vídeo da destruição de vidas em defesa de uma ideologia.
A garota de 9 anos de idade fugindo nua com o corpo todo queimado, ficou como marco do instinto de destruição de uma nação que, ainda hoje, se arvora como a mais poderosa do planeta em defesa de princípios que nada tem a ver com a religião que diz professar — o cristianismo.


P.S.: Phan Thi kim Phuc e seu esposo Bui Huy Toan se conheceram em Cuba para onde Phuc foi enviada em 1986 para ser cuidada por médicos cubanos. Os dois, hoje, residem no Canadá.

Guarabira, 01 de Junho de 2012