Temos
por hábito, chamar de “cordeiros”,
os homens que se comportam de maneira politicamente correta, que são obedientes,
influenciados a fazer o que lhes é dito ou ordenado. Em contrapartida, temos o
costume de denominar de “lobos”,
aqueles que nos prejudicam, ou destroem aquilo que temos como convicções
inamovíveis.
No
livro “O Coração do Homem” (pag.
17), Erich
Fromm, diz algo interessante: “foi
baseado nessa concepção de que os homens são cordeiros e, portanto, precisam de
líderes para tomar decisões por eles, que surgiram os grandes inquisidores e os
ditadores [...]”. “[...] Devemos supor que você, eu e a maioria dos homens
somos lobos em pele de cordeiro, e que nossa verdadeira natureza se tornará
evidente assim que nos descartarmos das inibições que até agora nos têm
impedido de agir como feras. Os lobos querem matar; os cordeiros querem seguir.
Daí os lobos levarem os cordeiros a matar, a assassinar, a estrangular, e os
cordeiros obedecem não por gostarem disso, porém por quererem seguir”.
Vejamos
a oposição entre “lobo/cordeiro” nas
argumentações dos filósofos Hobbes (1578 – 1679) e Rousseau
(1712 – 1778):
O
filósofo, Luiz Felipe Pondé (professor de filosofia e religião da PUC -
SP) resume bem o paradoxo da “natureza humana”, nas visões de Hobbes
e Rousseau,
ainda hoje, motivo de grandes polêmicas no meio acadêmico. Diz ele:
“Para Hobbes, a natureza humana é egoísta,
amedrontada e traiçoeira. Por isso ele dizia que o homem é mau, e a sociedade o
faz menos mau.
Para Rousseau, o homem nasce bom e a sociedade é
que o estraga. Daí ele propor que devemos fazer uma sociedade em que os pobres
mandem, porque eles tiveram menos sucesso com a sociedade corrompida existente.
A chave de análise de Rousseau está na suposição de que nossa
natureza ‘pura’ só deseja o que é
necessário. Os ricos puderam desejar além do necessário, e foram corrompidos
por eles, os pobres não”.
A tomada
do poder na Rússia de 1917, pelo proletariado marginalizado (os bolcheviques)
que depôs os ricos Czares, e a tomada do poder pelo proletariado petista recentemente no Brasil, são
dois exemplos de que aqueles que se têm como pobres (cordeiros) podem ser tão “ruins”
como os ricos (lobos). O que acontece do ponto de vista psicológico, com a
descoberta do inconsciente, é que os pobres “cordeiros” terminam por fazer vir à tona o seu lado “lobo” reprimido ou escondido, quando
sobem ao poder. Dir-se-ia que o poder
tem o dom de tornar “nu” o “encoberto”. É ele que retira a pele de cordeiro
(as vestes, o exterior) do homem para tornar visível ou evidenciar o lobo
interior.
O
que as metáforas “lobo” e “cordeiro” parecem evidenciar?
Querem
evidenciar que, por “natureza”, somos
tanto lobos quanto cordeiros. A nossa natureza é
ambivalente, paradoxal ou ambígua, como bem explicava Freud: somos dotados de
pulsão de vida (Eros) e pulsão de morte (Tânatos). “Quando faço o bem, o mal está comigo” (apóstolo Paulo). É de Horácio (poeta romano –
65 a.C.) esse emblemático verso: “Mais na mente que no corpo jazem minhas
dores / Tudo que me prejudica, com alegria eu busco / Tudo que me faz bem com
horror eu vejo”.
O poeta Olavo Bilac, em uma de suas poesias,
se expressou de forma brilhante e profunda sobre o dualismo dos nossos afetos
paradoxais, simbolizados pelo “lobo”
e o “cordeiro”. Se não vejamos:
Não és
bom, nem és mau; és triste e humano...
Vives
ansiando, em maldições e preces,
Como
se, a arder, no coração tivesses
O
tumulto e o clamor de um largo oceano.
Pobre,
no bem como no mal padeces;
E,
rolando num vórtice vesano,
Oscilas
entre a crença e o desengano,
Entre
esperanças e desinteresses.
Capaz
de horrores e de ações sublimes,
Não
ficas da virtude satisfeito,
Nem te
arrependes, infeliz, dos crimes;
E, no
perpétuo ideal que te devora,
Residem,
juntamente em teu peito
Um Demônio que ruge e um Deus que chora.
Por
Levi B. Santos
Guarabira,
30 de junho de 2012