É em época de final de ano e começo do que está por vir que a grande maioria dos terráqueos da espécie
“homo sapiens” deixa as suas
atividades obrigatórias para o descanso e lazer. Não por acaso, o mito
ocidental da criação fala de um Criador que escolhe o final da semana para
descansar de sua árdua tarefa.
Theodore
Zeldin — um dos mais importantes pensadores da modernidade —,
em “Uma
História Íntima da Humanidade” já dizia: “Todos os seres humanos são, por sua origem, escapistas”.
Todos,
sem exceção, exercem a fuga da realidade dolorosa do trabalho. Até aqueles que
nas férias permanecem estáticos em seus lares, viajam em pensamento. Não deixam
de viajar os que têm na arte seu exercício diário: é que eles se abstraem da
realidade em seus mundos imaginários, mesmo sem sair do lugar. Sobre a fuga da realidade, o
filósofo grego, Heráclito (552 — 487 a.C.) já afirmava em seu ceticismo: “estando o Universo em constante mudança,
não há para onde fugir”.
Às
vezes, o refúgio das férias se transforma em dores da alma. A medicina, sempre
ela, já descobriu a “Síndrome do Lazer”: trata-se de um
quadro patológico em que crises de ansiedade severas, nas férias, assolam
indivíduos obsedados pela rotina de trabalho: a abstinência abrupta do emprego
por trinta dias é responsável por suas dores de cabeça, depressão e noites
insones. Para os portadores dessa síndrome, que não conseguem se desligar do
trabalho nas horas livres, a solução é levar para seu suposto ambiente de
lazer, alguma ferramenta (celular, laptop, etc) que possa simular o ambiente
laboral.
Como
o mundo anda passando por um estado tão frenético e caótico, o indivíduo ao
entrar de férias, pode estar simplesmente arranjando sarna para se coçar: na
ânsia de fugir do intolerável pode acabar caindo em um outro lugar igualmente insuportável.
Em
tempos de globalização, a sociedade
tecnológica pós-industrial com seu discurso racional vem subjugando os
indivíduos (peças de sua engrenagem) aos seus ditames: para ela, tanto o
trabalho quanto o lazer seguem uma lógica mecanicista ou mercadológica. Ao programar
o seu “lazer correto”, a mídia não leva em conta a subjetividade de cada pessoa.
Na era atual, o esforço dispensado na prevalência dos projetos consumistas é
acachapante, e o que menos importa são o descanso e o ócio criativo.
Dizem
que os que cultivam a arte já vivem em permanente fuga. Os artistas, penso, não
são acometidos da síndrome do lazer,
pois, vivem constantemente empenhados em fazer de sua ansiedade uma fonte
inesgotável de belas criações. É que eles, em sua longa experiência na arte de
fugir pela imaginação, quanto mais ansiosos ficam, mais produzem.
Alguns
dizem que o nosso desejo de tirar férias provém de um arquétipo que foi
implantado e adormecido em nossa psique desde tempos imemoriais: arraigada nas
camadas profundas de nossa mente existe uma parte secreta que nos estimula a
vagar pelo mundo. É que no curso da História fomos primeiramente nômades. Só
depois é que nos tornamos sedentários.
Domenico
de Masi, em seu best seller, “O Ócio Criativo”,
chega a afirmar que “para reencontrar a prazerosa
felicidade, os cidadãos se sentem, periodicamente, atiçados pelo demônio da
viagem”.
São
muitas as opções ou dicas de “férias
inteligentes” oferecidas
na internet. Há milhares de anúncios apelativos, tipo: O cronograma está muito
apertado, portanto, projete suas férias com urgência, e fuja da superlotação
nos transportes, da poluição sonora, do estresse, da violência, do
engarrafamento no trânsito.
Mas
o que há de se fazer, sabendo que os dias de dezembro e janeiro, os mais
tumultuados do ano são, de praxe, reservados para o lazer dos funcionários
municipais, estaduais e federais? Muitos
poderão pensar, com certo grau de congruência, que tudo não passa de despeito do
pobre ensaísta que, por ora, teima em nadar contra a corrente de um caudaloso
rio.
À multidão de resignados e corajosos que saem
de férias nessa época, só me resta desejar que voltem aos seus lares menos
cansados e mais revigorados para enfrentar mais um ano que se prenuncia carregadíssimo,
em todos os aspectos. Tudo faz crer que os dias de 2015 serão mais interessantes,
eletrizantes e decisivos em todos os setores de nossas vidas, que os de 2014 (ano
em que as falácias foram usadas com um despudor nunca visto).
Por Levi B. Santos
Guarabira, 29 de dezembro de 2014
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