29 agosto 2012

O Filosoficamente Ateu




Na Gastronomia é comum se dizer:  “o melhor fica para o fim!”. E isso eu comprovei em minha infância, quando nos almoços festivos dos domingos na casa de minha mãe, sempre deixava a moela e as gemas cozidas de galinha caipira para serem degustadas no final da refeição. Por sinal, a minha primeira neta, Ana Gabrielle, de 6 anos de idade,  já incorporou esse costume ancestral de nossa cultura.

 Dito isto, trago o ditado em pauta, para ser inserido no campo da Literatura, uma vez que é bastante comum, os ensaístas colocarem o melhor de seus textos no desfecho do livro, como se estivessem guardando para o final o melhor de sua lavra para apreciação do leitor.

Foi lendo a coletânea de ensaios reunidos no livro “Contra Um Mundo Melhor” (Editora LeYa) ― do filósofo, psicanalista e colunista da Folha de São Paulo — Luiz Felipe Pondé, que pude corroborar o aforismo gastronômico, “Do Melhor Fica Para o Fim”.

Achei todos os ensaios do autor, maravilhosos. Ele nada contra a maré das fórmulas e manuais de felicidades tão em voga na mídia, quando diz no prefácio do seu livro: “Sou cético e carrego comigo uma sensibilidade trágica. Por que? Porque o que nos humaniza é o fracasso. Tenho medo de pessoas muito felizes”. 

Como que confirmando o ditado popular aqui ventilado, foi o último dos seus ensaios, com o título — “No Sinai” —, que despertou em mim uma maior empatia. Ele se encontra dividido em três partes e, dentre os três capítulos, de novo, em harmonia com o adágio popular, “fiquei com a última parte”, que passo a reproduzir, para a degustação daqueles que amam a boa literatura.

NO SINAI (parte III)

Nunca deixei de ser filosoficamente ateu. A passagem da condição de ateu para a de não ateu (não sou propriamente religioso) se deu assim como quem sai de casa num dia ensolarado e é apanhado por uma tempestade. Mas, apesar de ser uma tempestade tão concreta quanto a chuva, só aprendi a nomear sua substância quando fui á tradição: trata-se daquilo que muitos místicos chamaram de misericórdia. Às vezes, preciso fugir para um abrigo para respirar. Quando olho à minha volta, vejo estranha misericórdia sem causa a escorrer pelo céu. E por alguma razão que desconheço, o cético e trágico que sou é obrigado a contemplar isso contra todas as faculdades intelectuais e volitivas que me constituem. Sou apenas alguém que, sem  até hoje saber a razão, passou a ser constantemente visitado — no sentido mais comum que a expressão tem, por exemplo, na tradição do cristianismo ortodoxo — pela sensação de que o mundo é sustentado pelas mãos de uma beleza que é também presença que fala.

Passei a estudar textos místicos para entender o que acontecia comigo. No fundo, para não me sentir só. Nesse sentido é que, dentro da sorte que sempre tem marcado minha história de vida, encontro pessoas, assim como eu, descontentes com seus “grandes números” e sua banalidade. Saúdo assim a voz de todas as pessoas de boa vontade à minha volta, como quem ouve a beleza da misericórdia, escorrendo por suas palavras e letras, que inunda o mundo. Vejo, com estes meus olhos feitos de pó, esta beleza contemplar meu vazio. Nesse momento, sinto-me no SINAI, o gosto do deserto na boca e nos elementos naturais à minha volta, que anunciam o fim de tudo que existe, e a força da graça que transforma o nada em matéria e espírito. (Luiz Felipe Pondé)

Por último, trago aqui uma palhinha de Felipe Pondé no programa Roda Viva da TV Cultura de São Paulo, onde ele fala sobre Preconceito, Religião, Moral, Fundamentalismo e conceito filosófico de Deus:




P.S.:
Por incrível que pareça, o vídeo postado tem no seu FINAL a parte mais empolgante, em consonância com o adágio que diz: “O melhor Fica Para o Fim”

Guarabira, 29 de agosto de 2012

Site da Imagem: luizfelipeponde.wordpress.com

22 agosto 2012

O “Amor” Idealizado no Cinema e na Literatura





Cursos de preparação para o casamento, dos quais pululam esperadas maravilhas, são destaques no mundo inteiro, principalmente nos EUA, onde terapeutas, padres, pastores e pesquisadores se reúnem com freqüência cada vez maior no sentido de manter os requisitos de tradição, família e propriedade, que constituem os pilares básicos dessa instituição secular.

O psicanalista Jurandir Freire, em seu livro, Sem Fraude Nem Favor, desmonta o ideal platônico que permeia o casamento, ao afirmar: “Renunciem a ser o Príncipe e a Cinderela, destinados a viverem felizes para sempre, e encarem as trapalhadas que vierem”.

O psicanalista, Contardo Calligaris, num artigo publicado na Folha de São Paulo em junho de 2001, discorre sobre o ideal do amor romântico exibido no cinema. Hollywood, como vocês todos sabem não pára de explorar o lado romântico idealista. Claro que a mega usina cinematográfica americana tem aí, o seu maior filão ― ser o receptor de nossas identificações narcísicas.

Quem não se lembra do filme Casablanca, em que o público inteiro se identificou com Bogart, que como “bom macho” renunciou a viver seu grande amor, para entrar na resistência clandestina? Quem não se lembra de Titanic, onde um DiCaprio salva sua bela princesa ao custo da própria vida ― a eterna namorada Kate Winslet ―, essa, idealista de um amor que nunca teve tempo de vingar? Quem não se lembra de Love Story, mediado por um casal intensamente apaixonado, onde embutido na trama cinematográfica estava explícita uma morte anunciada?

 Calligari, sobre os grandes filmes românticos que encantam o público, deixa um veredicto no ar: “O que, finalmente, se extrai da essência desses filmes são o sacrifício, o luto e a idéia de sobreviver como lembrança indelével na memória de quem fica; em suma o que é idealizado nunca é o convívio, mas a perda, a saudade, o luto ou, no máximo, a procura”.

Interessante é que quando a história termina bem, o filme acaba, como na história tão repisada de Cinderela. O que a história de Cinderela inocula nas mentes infantis? Ela atiça ou reaviva na mente da menininha o desejo de completude ou a crença de que existe um homem perfeito (príncipe) que um dia vai fazê-la feliz para sempre.

Fausto Motta, em seu livro, Contos e Lendas Interpretados pela Psicanálise (Editora Vozes ― página 10), sobre a história de Branca de Neve, faz uma constatação muita significativa: “A psicanálise nos permite entender que a neurose de Branca de Neve era tão grave, que a garota foi induzida a fugir de seu lar, por ódio à sua rival (a mãe), terminando por coabitar simultaneamente com sete homens, que, por fim, comparados ao seu ideal amoroso (o pai), eram tão inferiores que se assemelhavam a anões...”

Mas você, caro(a) leitor(a), já reparou que a felicidade tão almejada da história de Cinderela e seu príncipe encantado, representada pelo convívio cotidiano entre os consortes na maioria dos filmes românticos, nunca acontece na tela? Talvez não seja tão rentável, o filme mostrar o óbvio, ou seja, a insatisfação e a falta que estão sempre escritos nos corações dos príncipes e das princesas da modernidade, até que a morte os separe.


Por Levi B. Santos
Guarabira, 22 de agosto de 2012
Site da imagem: gilbertocarlos-cinema.blogspot.com

19 agosto 2012

Pena de Morte Lá e Aqui




Nas sociedades tradicionais, como a dos países árabes, a punição máxima (pena de morte) é decidida por uma autoridade superior. É um deus absoluto ou um texto sagrado que dá a sanção antecipada: quem roubar, matar ou assaltar será enforcado ou terá a mão cortada, sendo as execuções festejadas pelo público ante um soberano que se encarrega da aplicação da pena.

No mundo ocidental sob o pano de fundo da “democracia”, são os cidadãos comuns a fonte de toda autoridade jurídica e moral.

Indagado por uma leitora que incisivamente perguntou “o que um psicanalista, pensava sobre a pena de morte?”, por ocasião do hediondo crime de Santa Tereza – Rio de Janeiro (maio de 2001), Contardo Calligaris, psicanalista e colunista da Folha de São Paulo teceu considerações bastante interessantes, das quais trago à tona trechos imperdíveis:

“[...] Matar um condenado à morte (em nossa sociedade) não é uma festa, pois é difícil celebrar o triunfo de uma moral que é tecida de perplexidades. As execuções (aqui) acontecem em lugares fechados, diante de poucas testemunhas: há uma espécie de vergonha. Essa discrição é apresentada como um progresso: os povos civilizados não executam seus condenados nas praças. Lá, a lei bíblica de Talião (olho por olho e dente por dente) é exemplarmente aplicada. Aqui, passamos à recomendação de Cristo: ‘Quem estiver sem pecado atire a primeira pedra’. Numa versão laica e psicanalítica, convencidos de carregar em nós mesmos os germes da depravação, não ousamos punir de maneira radical se, punindo, não estamos reprimindo nos outros algo que queremos de fato reprimir em nós mesmos”.

O colunista recorre a Freud para responder a pergunta sobre pena de morte, de sua leitora e, por tabela, do público que lê os seus artigos:

[...]Freud descobriu que, toda vez que somos levados a desistir de alguma satisfação, a raiva de ter de renunciar se transforma em vontade de policiar e de reprimir os outros. A obediência às regras de comunidade nos pesa: consolamo-nos e vingamo-nos tanto mais nos tornamos repressores. Por exemplo, já queimamos ou degradamos homossexuais e sodomitas como medida de proteção contra nossos próprios desejos homoeróticos, que julgávamos perigosos para a constituição de “saudáveis” comunidades cristãs. Em suma reprimimos em nós desejos e fantasias cuja atuação nos parece ameaçar o convívio social. Logo, frustrados, zelamos pela prisão daqueles que não se impõem as mesmas  renúncias. Até aqui, tudo bem: reprimir é mesmo parecido com prender — a vida social pede que confinemos desejos e pessoas. Mas a coisa muda quando a pena é radical, pois há o risco que a morte do culpado sirva para nos dar a ilusão de liquidar, com ele, o que há de pior em nós[...]. [...] Em geral, a justiça sumária é isto: uma pressa em suprimir desejos inconfessáveis de quem faz justiça”.

Foi dessa forma que Contardo Calligaris, em resposta a sua leitora, como psicanalista, expôs seu pensamento de que gostaria que a morte dos culpados não servisse para exorcizar nossas piores fantasias ― sobretudo, porque o exorcismo seria ilusório.

No final, o autor faz uma alusão emblemática, convidativa a nossa reflexão: a de que, talvez, seja possível a existência de crimes hediondos, nos quais, não reconhecemos nada de nossos desejos reprimidos.

De tudo que foi escrito pela pena de Contardo Calligaris em seu ensaio, uma coisa, não podemos negar: a de que a pena de morte, lá, nos países de religião muçulmana existe de forma escancarada, enquanto aqui, no mundo “cristão”, ela é envergonhadamente escondida nos porões do sub-mundo.


Guarabira, 19 de agosto de 2012

Site da imagemmigalhas.com

16 agosto 2012

Adeus Velha Guerreira!




Nas quatro vezes que a vi em minhas visitas na UTI do Hospital Regional de Guarabira – Pb, pude perceber que a fuga do tempo havia parado para ela. Um relógio na parede marcava as horas para mim, não mais para ela. Para minha mãe que exibia um aspecto tranqüilo, como nunca tinha visto nas últimas semanas, aquele relógio de parede andava inutilmente. Ela, pouco tempo antes de morrer, ante a minha fala sussurrada ao pé do seu ouvido, disse um tremulante “Não, em resposta a minha pergunta, “se queria voltar para casa”. Nessa hora solene não havia canção, nem arpejos de qualquer instrumento musical. Só silêncio. Foi naquele ensurdecedor silêncio que pude perceber que dali ela não mais sairia para o seio da família.

Ali, de pé, olhando seu corpo quase inerte, pude perceber pelo seu semblante que o amargo poço das coisas passadas tinha evaporado, e aquilo que mais desejava em seu íntimo estava bem perto de acontecer. Subitamente senti que seus terrores antigos tinham caído por terra; os pesadelos enfim afrouxaram, abrindo espaço para os sonhos sublimes que por tanto tempo alimentaram a sua alma.

Seu semblante, ali, no ambiente frio e silencioso da UTI falou mais alto como se estivesse a revelar que nada mais absolutamente lhe interessava. A tranqüilidade que irradiava em seus últimos momentos fazia-me entender que já não tinha mais pressa de retornar à velha casa em sua querida cidade.

Bazinha (26/06/1926 — 13/08/2012) partiu porque não havia mais estrada a percorrer, deixando somente a imorredoura saudade nos corações dos filhos, noras, genros, netos, bisnetos e amigo(a)s.

Adeus, Velha Guerreira...

Guarabira, 14 de agosto de 2012

12 agosto 2012

Eu Não Olhei Sinhá




Do CD lançado recentemente por Chico Buarque de Hollanda em parceria com João Bosco, uma canção me tocou profundamente. No dolente samba quem narra suas dores é o próprio escravo que, sentenciado a ter o corpo talhado, pede clemência ao seu senhor. Na última estrofe de "Sinhá", Chico, o artista de olhos claros, herdeiro dos Buarques de Hollanda, e ao mesmo tempo sogro de Carlinhos Brown, avô de netos sarará, como que fundindo-se com a ficção poética, faz uma magnífica construção introspectiva:

E assim vai se encerrar/ o conto de um cantor/ com voz de pelourinho/  e ares de senhor/  cantor atormentado herdeiro sarará/ do nome e do renome/  de um feroz senhor de engenho/  e das mandingas de um escravo/ que no engenho enfeitiçou sinhá.


O escravo, coitado, que chora em Iorubá mas ora por Jesus, na descrição do escritor e jurista pernambucano Joaquim Nabuco tinha a sua moral estribada no medo e, não podia venerar seus deuses africanos, rendendo-se a exterioridade dos ritos católicos impostos a ferro e fogo, cujo Deus era o barro, cujo Jesus era o crucifixo, e o tronco do pelourinho o inferno sagrado de seus suplícios.

A historieta musicada e magistralmente  inspirada do velho Chico merece ser escutada. Tudo começa quando Sinhá, mulher enérgica de um ciumento marido/senhor, no seu banho de açude  é surpreendida pelo olhar "involutário" do seu negro capataz de "confiança". 

Guarabira, 12 de agosto de 2012
Site da imagem:  metamorfoseonline

04 agosto 2012

Frases Que Marcaram os Dois Primeiros Dias do Julgamento do Mensalão






O maior julgamento da história do STF brasileiro começou ante ontem, e foi matéria de destaque nas capas dos jornais de todo o mundo.

Como era de se esperar, emoções foram extravasadas, ânimos foram reavivados entre os juízes ministros. Frases emblemáticas que escapam para além do ritual estabelecido não devem ser esquecidas e, como pérolas, devem ser bem guardadas para uma reflexão aprofundada, como a fala de um juiz e a tréplica de outro membro da suprema corte, sobre “urbanidade e seu significado real e imaginário.

Seguem, algumas dessas pérolas captadas da transmissão do julgamento ao vivo, pela TV, e veiculadas pela imprensa escrita:


"- Me causa espécie Vossa Excelência se pronunciar pelo desmembramento do processo, quando poderia tê-lo feito há seis, oito meses. Vossa Excelência poderia ter pedido, eu traria em questão de ordem" - declarou Joaquim Barbosa


“Isso é deslealdade!” – disse Joaquim Barbosa à Lewandowski.


- Vi que muitas pessoas estão preocupadas com quem está vendo, com quem não está vendo (o julgamento do mensalão) e quero dizer que o julgamento do mensalão, nesta fase em que está, é para jornalista assistir e para aqueles que não têm absolutamente mais nada para fazer e tal das suas vidas...” ― declarou Lula à imprensa


"- Não gostei (do primeiro dia), pela falta de urbanidade do relator. Será que ele se arvora censor dos colegas? Fiquei pasmo, inclusive com as adjetivações impróprias, em se tratando de colegas. Isso é muito ruim, a instituição é que fica prejudicada. Espero que não haja novos incidentes" - disse Marco Aurélio.


“Em qualquer atividade humana, urbanidade e responsabilidade são qualidades que não se excluem. Mas, às vezes, a urbanidade presta-se a ocultar a falta de responsabilidade. A propósito, é com extrema urbanidade que muitas vezes se praticam as mais sórdidas ações contra o interesse público.”
“Ministro Joaquim Barbosa”
“Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal”


“Alguns dos saques feitos pela quadrilha impuseram que carros-fortes fossem contratados, tamanha era a magnitude dos valores” (Roberto Gurgel – Procurador Geral)




Guarabira, 04 de agosto de 2012