25 abril 2009

A CARNE É FRACA




Nas inquietações e amarguras da vida, intercaladas por instantes de alegrias, tento me manter sóbrio e lúcido, tateando com a débil e ilusória luz do intelecto, o comando do meu próprio destino.


Às vezes tento uma saída desesperada para além dos meus limites. Tudo não passa de um esforço em vão. No meu sufocante delírio, busco desvendar o mistério da vida e da morte. E o que recolho? Recolho apenas as migalhas dos anseios da minha carne transitória.


Tento ir mais além, querendo suplantar o espaço e o tempo. E o que vejo: só miragens. Cada vez que forcejo para sondar o invisível, afundo ainda mais os pés na lama de minha própria ignorância.


Só posso dizer para minhas entranhas estremecidas: “Alma débil! Coração ingênuo, acalma-te, sujeita-te a pequenez do teu pobre e insensato universo. És criatura frágil vinda do barro em que pisas. De que vale golpeares o caos na marcha para o futuro, se arrancas somente sonhos e quimeras, que não passam de efêmeras centelhas de um cérebro incapaz”.


Posso ser livre? Em minha marcha, como posso seguir os ditames do meu pensamento, se ouço dentro do peito um grito? ─ “Por que te empenhas em seguir o Invisível através do desvario de teus próprios sentimentos?” “Chegarás sim, ao lugar de onde partiste, se reconheceres que nada és”.


Não tenho outro caminho. Meu primeiro dever é Te aceitar sem revolta. É reconhecer os limites de minha mente. É trabalhar sol a sol sem protestos e sem desfalecimentos. É viver constantemente desconstruindo-me e reconstruindo-me , em meio ao caos agitado da vida.


Então, para não vacilar e cair, ergo estacas, crio fortalezas, planto ervas para que elas possam mais tarde saciar as minhas graves necessidades. Contenho-me, pois na minha mente, só posso apreender o que a minha visão capta: a fumaça das aparências que escondem a Tua essência.


Mas dessa lama humana, algo me diz que pode jorrar canções divinas, superior a todos os meus propósitos de desvendar com a razão, os mistérios insondáveis que permeiam a minha alma. Reconheço que sou pusilânime, mesquinho e insignificante, mas algo me impele a prosseguir nessa marcha, combatendo dentro da pequena arena acanhada do meu coração. O que me anima, é ter a certeza de que um Deus em um corpo carnal como o meu, fez uma marcha em sentido inverso, descendo de seu trono para me trazer esperança e Paz, em meio ao caos de um mundo injusto e cruel. Esse Deus que encarnou em seu Filho, para me dizer: “[...] o espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Marcos 14 : 38)



Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 25 de abril de 2009







21 abril 2009

O VELHO DO ANDOR




É sempre na época em que se celebra a páscoa, que vem à tona, inusitados fatos dos tempos de minha meninice, que ainda guardo indelevelmente na memória.

Ainda hoje, aos sessenta e dois anos de idade, toda vez que visito a minha mãe, no tradicional feriado da Sexta Feira da Paixão, assisto ao mesmo ritual dos tempos dos meus verdes anos. A procissão do “Senhor morto” ainda faz o mesmo trajeto de décadas atrás. Como o velho bangalô dos meus pais fica encravado no topo da ladeira da longa e retilínea avenida central da cidade, fico como um expectador privilegiado de um dos mais antigos rituais da igreja católica.

Foi ali, na murada da sacada de minha casa, que eu senti os meus primeiros terrores, os meus primeiros medos, ao ver se aproximar lentamente, em meio a uma grande multidão, a imagem do Senhor morto carregado em um andor, por quatro homens impecavelmente trajados de branco. Era tão perfeita a estátua, que cheguei, por diversas vezes, a duvidar se aquilo não era um cadáver de verdade: A pele do corpo seminu com a palidez semelhante a dos mortos, os olhos esbugalhados como se estivessem querendo sair das órbitas. E não é que o temor e tremor que tomavam conta de mim naqueles momentos, na minha imaginação, me faziam ver os dedões dos pés do Cristo morto, se mexer!

De início, eu vedava os meus olhos com as mãos, visivelmente atemorizado com àquele fúnebre espetáculo, cujo fundo musical era uma espécie de ladainha lúgubre e chorosa. Mas com o tempo fui perdendo o medo.

Já rapazote, por ocasião das procissões, eu resolvi deixar o Senhor morto de lado, passando a me concentrar mais na figura de um alto e vigoroso homem garbosamente vestido com sua finíssima indumentária branca. Ele fazia parte da dupla da frente que carregava o andor do Senhor morto. A sua posição por ser sempre a do lado direito, fazia-me ver em mais detalhes as peculiaridades de sua fisionomia.

Passaram-se alguns anos. Eu estava na praça central de minha cidade participando com os crentes de todas as denominações, da comemoração do dia da Bíblia, quando ouvi o preletor oficial bradar em alta voz:

- Peço nesse momento, para todos que estão aqui reunidos, erguerem bem alto, o que de melhor vocês adquiriram em suas vidas!

De repente, sobre nossas cabeças surgiu um mar imenso de bíblias de todas as cores, formatos e volumes, tremulando como se fossem estrelas brilhando em plena luz do dia. Mas, algo atiçou a minha curiosidade para saber de quem era aquele braço levantado tão alto, que fazia sua bíblia sobressair sobre as demais. Grande foi a minha surpresa ao constatar, que o volumoso livro de capa preta com o nome Bíblia na cor prateada, era do velho do andor, que passava perto de mim, todo ano, carregando o senhor morto nos ombros e na sua mão direita. Era ele mesmo em carne e osso. Pensei comigo: “o velho finalmente tinha deixado a sua religião, para ser um crente”.

Decorreram alguns anos. Eu, agora estudante da quarta série ginasial, fora indicado junto com outro colega, para fazer uma entrevista com os alunos do Mobral ─ um programa instituído pelo Governo para alfabetização de idosos, que alguns mais afoitos diziam ser destinado unicamente para fins eleitoreiros, pois ensinavam só assinar o nome, para que a pessoa pudesse tirar o seu título de eleitor.

Ao adentrar a escola ─ um casarão velho cheirando a mofo, com extensas áreas das paredes com reboco caído ─, fui surpreendido de tal forma, que fiquei com as pernas trêmulas. Lá no canto direito da sala estava o velho do andor sentado em uma carteira colegial, vestido de branco, como sempre. A segunda surpresa que tive: ele estava sem o seu volumoso livro de capa preta. Sentindo uma vaga tontura, permaneci parado por alguns minutos, antes de esboçar qualquer reação. Apesar de minha enorme timidez, algo lá dentro me dizia: “Coragem! Entreviste o velho do andor!.”

Recebi a autorização da diretora, e me dirigi cambaleante em direção ao velho do andor, para a minha primeira e emblemática entrevista como estudante.

A sala estava abafada, pois só havia uma janela lateral para entrada da brisa do fim de tarde. Após saudá-lo com um “boa tarde”, perguntei o seu nome. Ele me respondeu com a voz arrastada e cansada, devido o peso da idade:

─ Me chamo de Tomaz da Cruz Pordeus ─ falou com a voz desgastada pelo peso da idade.
Pronto disse comigo mesmo: era só o que faltava ─ , o homem tem religião até no nome.
Parti então para minha segunda pergunta ─ um tanto mal educada:

─ Seu Tomaz! O que levou o senhor nessa idade a procurar aprender a ler e a escrever?

─ Meu filho, estou aqui para aprender a ler, a fim de poder examinar as Escrituras Sagradas, pois, acredito que elas testificam de Deus e seu Filho Jesus. Quero ter a minha própria experiência, para não andar só pela cabeça dos outros – concluiu o velho dando uma tossida rouca no final da locução.

A resposta do velho do andor me desnorteou por completo, levando-me irrefletidamente a perguntar:

─ Mas o senhor já é crente! Eu o avistei, com sua mão direita fortemente empunhando uma bíblia, numa concentração cristã, lá na praça!

─ Meu filho, entre pensar e ser, vai uma grande distância. Eu pensava que era crente. Para felicidade minha, descobri que eu tinha apenas trocado de andor, isto é, trocado de ídolos. Descobri que a sensação que eu sentia ao carregar o andor do Senhor morto, segurando-o arrojadamente na minha mão direita, era a mesma que sentia quando empunhava a minha Bíblia. O meu maior prazer era carregá-la como um amuleto. Por muitas vezes, cheguei a colocar debaixo do meu travesseiro, para ver se acordava mais crente.

O velho do andor despertara-me para enxergar o óbvio: eu estava vivendo, até então, pelo viés das aparências, seguindo um batalhão de mosqueteiros, caminhando para lugar nenhum.

Apesar de ter nascido num lar cristão, e ser um igrejeiro contumaz, tinha ali, naquela breve e significativa entrevista, recebido a maior lição de minha vida. Lição esta que fez desmoronar o falso e frágil alicerce do meu aparente mundo religioso.

Sai dali sozinho, tímido e fraco, mas aliviado do peso forte das certezas acabadas, livre da amarga água do poço, com que saciaram a minha débil e imatura sede de Deus.



Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 21 de abril de 2009

18 abril 2009

O ENSAIOS & PROSAS RECEBE PREMIAÇÃO






Este selo "melhores blogs da cristandade" foi um presente de primeiro aniversário do AMENIDADES DA CRISTANDADE, dedicado ao seu rol de blogueiros cristãos amigos. O parceiro de link Teóphilo Noturno do blog Este Mundo Jaz no Maligno ,foi quem me indicou para essa premiação, a quem agradeço de coração, nesse momento.

De acordo com as regras de premiação de selos, passo a indicar sete blogs para esse honroso distintivo. Aí vão eles:

Psicoterapeuta Cristão

Blog da Vanessa

Humor Cristão

Ministério Palavra de Esperança

Crônicas de Um Observador

Exejegues

Devocionais, Reflexões e Crônicas




Para receber o selo, se faz necessário seguir as seguintes regras:

1) Colocar o link do blog que ofereceu o prêmio ao seu blog;

2) Escolher outros sete blogs de conteúdo cristão (não importando a corrente ou denominação) para receber a premiação e colocar seus links no post que consta a premiação;

3) Comunicar os blogs premiados;

4) Colocar as regras e a imagem do selo no post de premiação.


Guarabira, 18 de abril de 2009

16 abril 2009

O SONHO QUE ABRIU MEUS OLHOS



..........Tudo não passara de um sonho que tive acordado. Deixei-me, por um instante, ficar cego para o mundo exterior, para que os olhos da minha alma pudessem ver e sondar as profundezas, até então, indevassáveis do meu ser.

No sonho, eu via duas células se juntando. Logo depois elas davam origem a um embrião, que por sua vez se transformava em feto. De repente, uma mulher me apareceu em dores de parto. Percebi após um momento de silêncio, um choro forte de um bebê. Ouvi vozes ao longe: “Nasceu o filho da virgem Maria”. Num segundo, lá eu estava vendo cenas da curta infância do Filho do carpinteiro José. De repente, ele me apareceu aos doze anos, corpo franzino, desengonçado, tinha a cabeleira vasta e desalinhada. Ainda tão criança já estava cuidando das coisas de seu Pai: discutindo religião com os mestres no Templo. Vi-me mergulhado no pequeno mundo dessa tenra criança. Emocionei-me ao vê-Lo aos trinta anos, começando um breve e marcante ministério. Pude ver cenas de verdadeiros milagres. Vi muitas pessoas humildes reunidas ao seu redor, ouvindo em silêncio as suas interessantes lições sobre um Reino muito diferente daqueles que os fariseus preconizavam. Vi também homens que o perseguiam, e, eram esses homens, justamente, os sucessores de Moisés, que tinham a função de zelar pela Lei. Pela maneira que esses homens se comportavam, dava para perceber que estavam fazendo ali um “conchavo” de natureza política. Deu para notar sobre quem falavam. “É melhor que Ele morra, para que não percamos os nossos cargos” , deu para ouvir claramente.

Via-O agora aos trinta e três anos de idade, diante de uma corte de juízes. Ouvi ecoar o brado do veredicto: “será condenado à morte de cruz” , pena máxima para o horrendo pecado de blasfêmia.

Vi depois, um túmulo vazio. Vozes diziam: “ele não está mais aqui”.

Fui transportado para um outro plano. Tinha chegado ao topo de uma colina, com o coração batendo forte, lutando bravamente para impedir a fuga do tempo, que teimava em avançar na sua corrida implacável, deixando dias, semanas, meses e anos para trás.

A uma distância de poucos metros, estava agora diante de dois homens. A certeza veio num estalo: estava presenciando um encontro inusitado entre um Pai e seu Filho. Cheguei mais para perto deles, pisando em lã, para não fazer barulho e não atrapalhar o significativo diálogo entre eles. Pena, que tenha perdido o começo da história que o Filho contava para o Pai, de maneira entusiástica.

Agucei bem os meus ouvidos para escutar a maravilhosa prestação de contas entre o Filho e seu querido Pai. Sentei-me de costas para uma escarpa, cuidadosamente, para não romper com o encanto daquele esplêndido quadro.

No oculto de minha doce solidão, transformei-me num expectador privilegiado de um diálogo, que mais tarde, me abriria os olhos para uma evidência maravilhosa. O diálogo emblemático, assim transcorreu:

─ Corri o risco de nunca mais voltar ─ disse o Filho para o Pai de olhar circunspeto.

─ Não havia outra alternativa para resgatar os filhos da minha maior obra da criação ─ respondeu o Pai ao seu Filho, em tom resignado. ─ Já estava cansado de tantas guerras contra os inimigos do povo que escolhi com tanto amor. Abrão, Moisés, Jacó, Davi foram grandes líderes, mas falharam na hora “H”. Todos foram tentados em seus próprios desejos, e, em maior ou menor grau, sucumbiram às artimanhas da geração daquele que, apesar de ser o mais belo e formoso dos anjos da minha corte, rebelou-se e quis usurpar o meu trono, motivo pelo qual foi lançado nas profundezas caóticas da terra.

 Compreendemos que, o maior inimigo do homem não era o seu semelhante  afirmou o Pai para o seu Filho.  A maior guerra, na verdade, estava sendo travada dentro do próprio indivíduo, entre as forças do mal e a sua consciência regida pela moral e ética que os ditames da minha Lei requeriam. Tornar esse fato, consciente, foi a razão maior do pacto que fiz contigo  concluiu o Pai, pousando suavemente a sua mão direita sobre a cabeça do Filho.

─ Não foi fácil meu Pai  disse o Filho franzindo o cenho. ─ Instintos medonhos habitam o oceano tenebroso da alma humana. Mergulhei profundamente no abismo profundo desse mar, onde dormem monstros terríveis que não podem ser despertados. Que pude comprovar, senão que a carne é fraca? Todas as vicissitudes e desejos humanos moeram-me por dentro. Doei–me de corpo e alma para viver a tragicidade da condição humana. Por isso mesmo me dispus perante Ti, a ser advogado de todos que me aceitaram como teu Filho, para perdoá-los em suas fraquezas. Está escrito que o servo não sabe o que faz o seu Senhor. Não poderia entendê-los se o meu relacionamento fosse dentro de uma relação “Senhor  escravo”. Eram escravos e eu os transformei em amigos, para que vissem em mim um irmão, e não um senhor. Fiz-me igual a eles para ganhar a sua confiança, afim de que pudessem crer em Ti, através de mim. Desejos atrozes quiseram me dominar. Angustiei-me muitas vezes. Indignei-me com os que fizeram da Tua casa um covil de ladrões. Fui surpreendido com a fé de alguns que não eram judeus. Comovi-me com os que sofreram a perda de parentes próximos. Chorei sobre Jerusalém. Amei e intercedi pelos saudosos discípulos que me deste, os quais, foram uma parte de mim na nobre missão que me confiaste.

Eu ouvia tudo isso com o coração contrito, mas algo na minha imaginação, não encontrava eco em minha própria consciência. Sabia de antemão que Deus por ninguém é tentado. Como compreender que Ele entregara o seu único filho para ser tentado pelo veneno dos desejos pervertidos da milícia de anjos caídos que tinham como poderoso chefão, o ex-anjo de Luz, e agora Rei das trevas?

Ao ouvir atentamente toda a conversa entre eles, a minha mente, que até então estava obscurecida, abrira-se para a compreensão de que Cristo tinha inaugurado uma nova aliança, com o ser humano sob a égide da fraternidade. Fizera nascer o amor entre os irmãos. A barra transversal da cruz onde ficaram estendidos os seus braços na horizontalidade, passou a ser o símbolo maior dessa comunhão entre irmãos.

O inusitado diálogo do meu sonho acordado, trouxe-me à tona o “porquê” de Deus ter abandonado o seu Filho na cruz, a sua própria sorte. Por ter vivenciado todas as vicissitudes do drama humano, sem pecar, coube a Ele, assumir as conseqüências do pecado do homem, sacrificando-se até a morte, para religá-lo com o seu Criador.

Um clarão assomou a minha mente, fazendo-me lembrar do que estava escrito em Hebreus 4: 15: “Pois não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se de nossas fraquezas, porém um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado”.

Antes de despertar do meu sonho acordado, vi o Pai levantar-se do seu trono e dar um forte abraço no seu Filho único.

Antes de se retirar, tive a impressão de ver o Filho dirigir o seu olhar até onde eu estava. Não tive dúvida de que foi para mim que ele falou, encerrando o maravilhoso diálogo.

 Agora meu Pai, entendendo que a guerra interior entre a carne e o espírito é cruel e ininterrupta, toda vez que o homem fraquejar, Eu intercederei por ele, para que a Tua misericórdia o alcance  finalizou o Filho.

Foi essa frase conclusiva que me despertou do sonho acordado, abrindo os meus olhos interiores para enxergar que não estava só na minha caminhada , havia um amigo e irmão sempre ao meu lado, em qualquer situação.



Ensaio por Levi B. Santos

Guarabira, 16 de abril de 2009


10 abril 2009

“O PAI NOSSO” ─ MODELO EMPRESARIAL GOSPEL



Pai nosso, que estais nos céus,
Comercializado seja o vosso Nome.
Venha a nós muito dinheiro.
Seja feita a nossa vontade:
Mansões na terra e um lar no céu.




O milhão nosso de cada dia, nos dai hoje.
Perdoai as nossas dívidas,
Assim como nós as cobramos dos nossos devedores.
Não nos deixeis cair em nossas armações,
Mas livrai-nos do fiscal.




Porque este reino, e este poder,
São a nossa glória para sempre.
AMÉM.




Por Levi B. Santos
Guarabira, 10 de abril de 2009

07 abril 2009

EU DUVIDO DESSE "DEUS"




Não tenho dúvida da existência de Deus. Mas duvido dos discursos atuais acerca de Sua existência.



Não tenho dúvida de que Deus fala através do homem. Mas duvido do que profetizam em nome desse Deus.



Não tenho dúvida de que Deus tem poder. Mas duvido dos poderes que são atribuídos a Ele.



Não tenho dúvida de que Deus deu o seu Filho de graça em sacrifício por nós pecadores. Mas duvido do Deus que faz exigências extravagantes e ameaças de castigo para que se possa segui-Lo.



Não tenho dúvida de que Deus se manifesta no coração humano. Mas duvido das manifestações absurdas que dizem partir Dele.



Não tenho dúvida de que Deus se fez carne para ser o maior amigo do homem. Mas duvido de um Deus que se fez carne para nos fazer de súditos.



Não tenho dúvida de que quem O aceita, já tem vida eterna. Mas duvido dos que O aceitaram, e ainda não tem vida eterna.



Não tenho dúvida de que Jesus foi tentado em seus próprios desejos. Mas duvido da pregação de um Jesus insensível, sem desejos carnais.



Não tenho dúvida de que Deus ama o pecador e aborrece o pecado. Mas duvido do evangelho daquele que aborrece o seu irmão e secretamente morre de amores pelo que o mundo oferece.



Não tenho dúvida de que Deus não nos deu espírito de medo. Mas duvido desse Deus que semeia o terror para aprisionar almas.



Não tenho dúvida de que Deus pediu para se dar de graça àquilo que de graça se recebeu. Mas duvido de um Deus que pede para vender aquilo que de graça se conseguiu.


Não tenho dúvida de que Deus trouxe Cristo para bem pertinho de nós. Mas duvido desse Deus que desviou Cristo para bem distante de nós.



Não tenho dúvida de que o Filho de Deus veio romper a tradição dos nossos pais. Mas duvido desse Deus, quando Ele conclama seguir a tradição paterna.



Não tenho dúvida de que o “Ide” do Filho de Deus foi para pregar e ensinar. Mas duvido de um Deus que manda pregar e realizar “shows da fé”.



Não tenho dúvida de que os discípulos do Filho de Deus ao invés de terem ouro e prata, tinham fé e eram cheios do Espírito. Mas duvido dos modernos discípulos que além de ter o ouro e a prata, ainda dizem ter a “unção”.



Não tenho dúvida de que a oração da fé cura o doente. Mas duvido das curas da “oração da fé” com horário previamente marcado na televisão.



Não tenho dúvida de que os discípulos deixaram tudo que tinham para seguir a Cristo. Mas duvido de certos discípulos que ganham fortunas por servir a Cristo.



Não tenho dúvida de que Deus não quer que ninguém se perca. Mas duvido daqueles que em Seu Nome ganham almas, para depois, as fazerem duas vezes filhos do inferno.



Não tenho dúvida de que o Filho de Deus afirmou: “basta a cada dia o seu mal”. Mas duvido do Deus que alardeia: “tenha a cada dia mais prosperidade econômica”.


Não tenho dúvida de que os evangelhos falam verdadeiramente de Cristo. Mas duvido das “supostas verdades cristãs” que são expostas, aos montes, nas prateleiras das livrarias gospel.





Por: Levi B. Santos
Guarabira, 07 de abril de 2009

01 abril 2009

A FANTÁSTICA ABERTURA DE UMA CONVENÇÃO


........


Chega afinal
, a esplendorosa e tão sonhada noite da Convenção Geral. São precisamente 19.30 horas. Os guardas de trânsito, apressados, abrem caminho dentro da multidão alvoroçada, para dar passagem às importantes autoridades convidadas. Alguns afoitos teimam em não sair da frente do portão principal do estádio. Os policiais, a muito custo, e só com um cordão de isolamento, é que conseguem afastar os mais humildes que queriam a todo custo, tomar assento no interior do ginásio já praticamente superlotado. O alto-falante repete insistentemente: “atenção, atenção, não entra mais ninguém para o início da abertura do evento. Por favor, dirijam-se aos telões de fora do Ginásio”.


A multidão furiosa e curiosa força os portões, querendo ver, pelo menos, a ornamentação belíssima do interior do Ginásio. A polícia é obrigada a intervir por mais de quatro vezes, arrastando alguns teimosos que tentavam pular os muros do estádio, havendo até ameaças de prisões.


Os dois candidatos ao posto supremo da Instituição, com seus fraques deslumbrantes de tons acetinados e furta-cores, da “Armani”, preparam-se para entrar no engalanado prédio, em uma imponente carruagem puxada por quatro treinadas ovelhas. O séquito desliza suavemente sobre um tapete cor de púrpura, desviando-se para o portão principal do Ginásio. Seguindo o cortejo, uma Banda Marcial de 600 componentes toca o “Aleluia de Haendel”. A ovação que se iniciara na rua, se intensifica. Todos os ministros participantes da Convenção Geral da Instituição estão estupefatos com tamanha pompa. Dois canais de TV filmam algumas partes do desfile para o Jornal local do dia seguinte.


A carruagem finalmente pára no interior do Centro de Convenções completamente lotado de fiéis, sob um intenso barulho de palmas e estridentes sons de apitos e buzinas. Repentinamente, todas as luzes se apagam sob um grande estrondo, provocado por gritos de espanto. Alguns chegam a desmaiar, outros entram em crise histérica. A emoção chega aos píncaros, quando labaredas de fogos coloridas caem sobre o belíssimo altar. Em questão de segundos, aparecem luzes multicoloridas piscando incessantemente, ao ritmo de uma orquestra suspensa no ar. A carruagem então se movimenta lentamente na direção do púlpito, que estava localizado à cerca de dez metros. Nesse ínterim se ouve um “Oooooh”, de surpresa ─ ocasião em que é acionado um controle remoto, fazendo os dois candidatos serem ejetados do assento do carro, para num mergulho preciso, caírem suavemente em suas respectivas cadeiras especiais, previamente colocadas no altar ricamente ornamentado. Foi um momento eletrizante e de extraordinária precisão eletrônica.


De repente, sem que desse tempo para se respirar, um vasto pano azul celeste estende-se acima de todos, bem rente ao teto, desenrolando-se de ponta a ponta, até o portão de entrada do estádio. Por entre as frestas quase imperceptíveis do tecido, podiam-se ver estrelas cintilantes descendo, subindo e circulando no imenso espaço. Parecia mais um céu límpido e estrelado em noite de lua cheia.


Os fiéis já não agüentavam mais de tanta emoção. Olhando para cima, tinha-se a impressão de que o Ginásio estava com o teto aberto, e com o céu a despejar estrelas no seu interior.

Por último, um barulho ensurdecedor toma conta da multidão, ao mesmo tempo em que aparecem, não sei de onde, anjos artificiais reluzentes, numa imitação perfeita dos anjos relatados na Bíblia, descendo através do tecido azul celeste. Os anjos apresentam movimentos de asas, de lábios, e de pálpebras, e dão vôos rasantes de um lado para outro, em várias direções, soltando uma fina poeira de cor prata-incandescente sobre os fiéis emocionados. Muitos com medo de serem atingidos pelos seres angelicais, se abaixam, outros chegam a se deitar. Vindo de uma abóbada incrustada de pedrarias amarelo-ouro ─ por sobre o púlpito ─ uma voz estereofônica se fazia ouvir: “este é o meu filho em que me comprazo”. Tudo isso ao som sublime de uma bela sinfonia de “Schubert”. Por trás do púlpito pipocam girândolas de raios multicores, deixando uma fumaça vermelho-azulada com cheiro de jasmim, recendendo no ar.


Para esse milionário “show”, fora contratada uma equipe especializada de técnicos da Disney em Orlando – EUA, responsável pela montagem de toda a parafernália eletrônica, que constava de vinte sofisticados sistemas de roldanas, rodeadas por um montão de fios ligados a uma central de computação instalada em cima do teto do Ginásio. Todo o trabalho fora efetuado sigilosamente, sem que ninguém suspeitasse. Comentava-se “à boca pequena” que fora esta mesma equipe que montara o show de abertura das Olimpíadas de Atlanta em 1996.


Antes de ser iniciada a votação de cartas marcadas, os ministros agradecem em fervorosa oração, por tudo ter saído maravilhosamente bem. O grandioso espetáculo de abertura da convenção ocorrera sem uma falha sequer.


A maioria dos convencionais estava imensamente satisfeita. Se alguma dissidência havia, com relação à chapa da “situação”, ela foi desfeita pela ousadia dos que conseguiram com maestria incomum, trazer as delícias deslumbrantes do céu para dentro do Centro de Convenções.



Ensaio-ficção (ou realidade futura) por Levi B. Santos
Guarabira, 1° de abril de 2009


27 março 2009

A CHATICE DAS CONVENÇÕES




Os congressos e CONVENÇÕES,
..Com a melhor das INTENÇÕES
....Deixam os nervos em TENSÕES;
........Deixam a mil, .os ..CORAÇÕES,
..........Ao mostrar mais .INVENÇÕES,
..........,....Tal qual insossas REFEIÇÕES
....................Fornecidas ..nas ..PENSÕES.




....Tudo é coisa muito CHATA,
.......Que irrita a gente PACATA,
..........E que por educação ACATA
.............A discussão - INSENSATA.
................Recebe então uma - LATA,
...................Que tem por dentro a NATA,
......................Se comer, ela o MALTRATA.




..........Acabada a BRINCADEIRA,
.............Após muita FALADEIRA,
..................Ele enrola a BANDEIRA.
...................Levantando da CADEIRA,
.....................Se espreguiça de CANSEIRA,
........................Sai sentindo uma ZONZEIRA
............................De escutar tanta BESTEIRA.



Prosa por Levi B. Santos
Guarabira, 27 de março de 2009





24 março 2009

A BÍBLIA DE JUDAS ISCARIOTES






Todo mundo conhece de cor e salteado a história de Judas Iscariotes ─ personagem marcante, que fazia parte do grupo seleto dos doze que Cristo escolhera para o seu ministério aqui na terra. Judas estava no meio dos discípulos, mas o seu projeto visava mais o reino daqui de baixo, cujo deus se chama “Mamon”. Foi ele o articulador do mais audacioso plano religioso-comercial daquela época ─ o da venda de Cristo por trinta valiosas moedas de prata”.


Jesus escolheu Judas, para ser o contraponto da mensagem de um Reino que não era desse mundo, justamente por saber que o seu futuro traidor, era por demais, ligado a área monetária, e porque não dizer: a área do enriquecimento ilícito. Judas, o discípulo da prosperidade terrena, deve ter considerado Simão Pedro um otário ou imbecil, pois, realizara a tolice de deixar a sua empresa de pesca para seguir o Mestre dos mestres.


Judas, ao vender o seu Mestre, naturalmente deve ter imaginado: “Puxa, fiz um grande negócio ao trocar Jesus por estas trinta moedas. Ele não é bobo, quando estiver às vésperas da condenação, como Filho de Deus, fará o maior milagre de todos os tempos: fulminará todos os seus algozes instantaneamente ─ e assim, eu terei unido o útil ao agradável ─ além de rico, participarei como mentor maior de um futuro reino, em Jerusalém”.


Raffaele Mertes, diretor do filme lançado em 1999, sobre a história do traidor, mostra um Judas frustrado e visivelmente abalado, ao constatar que Jesus, em seus últimos momentos de vida, não usara os seus poderes Divinos para libertar-se dos seus algozes. Judas ao ver seu sonho terreno cair por terra, desesperançado, toma a decisão trágica de se enforcar.


Hoje, num momento conturbado de nossa história, alguns discípulos interesseiros estão resgatando a mensagem e o projeto de Judas, ao expor nas prateleiras das livrarias gospel do nosso país, bíblias de preços exorbitantes, com títulos reluzentes, como algodão-doce-colorido que faz a festa da criançada, para enganar as incautas ovelhas que não examinam as Escrituras Sagradas. Estão usando o mesmo método de Judas: vendendo o produto “cristo”, para engordar os seus paraísos terrenos.


Comentários, que são verdadeiros atos de profanação, estão sendo acrescentados nos rodapés das páginas do Livro Sagrado, com o mesmo propósito espúrio de que foi movido Judas: fazer de Cristo um produto para uso e abuso dos marajás de um reino terreno e fugaz.


Essa bíblia de cunho financeiro, que muito bem poderia ser denominada “Bíblia de Judas Iscariotes”, tem elementos e caracteres básicos para ser diferenciada das demais. Senão vejamos:



............Ela não estimula pregar a Palavra, e sim vendê-La.


Ela não estimula a ser mais crente, e sim a ter mais crentes.


Ela não estimula a ser mais prudente, e sim mais astuto.


Ela não estimula o crescimento interior, e sim o exterior.


Ela não estimula a pacificação, e sim a competição.


Ela não preconiza o sofrer por amor da justiça, e sim a gozar com o fruto da injustiça.


Ela não preconiza a transparência, e sim a aparência.


Ela não oferece jugo suave, e sim juros pesados.


Ela não promete aflição, e sim comissão.


.......


É preciso que fiquemos de prontidão, pois, o anticristo sutil que deturpa a Palavra para fins mundanos, já está entre nós, como foi predito lá em I João 4 , 3: “[...] Este é o espírito do anticristo, do qual já ouvistes que há de vir, e agora já está no mundo”.




Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 24 de março de 2009

17 março 2009

O PODER SEDUTOR DA MÍDIA GOSPEL



Desde os anos sessenta, os EUA, como capital mundial das celebridades e como pátria da fabricação de imagens em quantidade e velocidade nunca vista, vêm exportando para nosso país o movimento gospel neo-pentencostal. Esse tipo de manifestação tomou um impulso extraordinário nos últimos dias, tanto lá como aqui, nas terras de D. João VI, encontrou terreno fértil para propagar as suas ideias, e, como uma epidemia incontrolável, vem se alastrando, contaminando os não vacinados, com o vírus maléfico da sedução, que transformou o símbolo da cruz, em passaporte para o “reino interno”.


Essa indústria de entretenimento religioso tem anestesiado as massas, e sobre elas, tem causado um impacto assustador. O seu objetivo (está claro), não é de pregar e ensinar as verdades existentes na mensagem de Cristo, e sim, o de fazer unicamente a propaganda da fé.


Os programas empacotados trazidos dos EUA empanturram e saturam as almas que procuram apoio espiritual para suas agruras. Nunca se viu tantas celebridades e estrelas gospel, subindo e descendo dos palcos dos templos, para dar o seu recado mercadológico de diversão, conforto, e conveniência ou prazer, que mais parecem emanações fantasmagóricas.


Eu me pergunto: Como é que tantos, passam horas e horas escutando mentiras, promessas de prazeres rasteiros num grau sem precedentes?


Ah! Como esses líderes midiáticos sabem tão bem amarrar as suas vítimas nas engrenagens mortais de suas máquinas. Será que a única coisa que consola o sofrimento desse povo, é a diversão? Na mídia gospel se sabe que o entretenimento forma hábitos. Na busca de excitação, as pessoas podem tolamente imaginar que a posse de objetos, as tornarão mais felizes. E o que fazem: deixam de ver o único caminho possível para a salvação ─ a devoção cristã.


Lembro-me agora, do que li sobre o famoso cantor e compositor Americano, Bruce Springsteen. Acostumado a fazer shows para centenas de milhares de pessoas, ele sempre falava esse refrão gospel diante da multidão em delírio: “Não posso lhe prometer a vida eterna, mas posso lhe prometer a vida bem AGORA”. Eis aí, a nobre promessa da mídia gospel. Quando Bruce, através de seu ministério do “rock’n’roll”, gritava para uma imensa platéia enlouquecida, os seus fãs respondiam com um trovão de vozes, retribuindo-o no mesmo espírito. O vínculo do fã com a estrela gospel é o mesmo do torcedor fanático com o seu time.


Eu me pergunto: Por que eles nomeiam de “poder divino” ou “avivamento do alto”, esses excessos de sentimentos que raiam à beira da loucura? Por que não ser fã de um ídolo gospel, hoje, é o mesmo que nadar contra a maré? Maré essa, constituída por congressos e reuniões onde se debatem os últimos sermões e obras das celebridades importadas, todos usando devidamente suas estrelas no peito, como marcadores de distinção.


Eu me pergunto: Onde está o senso crítico dessa gente? Como é que se deixa ser levada por essa espúria “facticidade sacrossanta”? Como é que eles se realizam, absorvendo os produtos de ilusão dessa fábrica de manufaturas “inspirituais”? Como se deixam ser subjugados pela lengalenga vazia dos pesadelos gospel? Como se deixam passivamente ser sugados pelos “vampiros de almas” que assolam as igrejas de nosso país?


Uma constatação triste assoma a minha mente nesse instante: Os discursos gospel com seus estilos sanguinário, explosivo e dilacerador têm, indubitavelmente, um poder de atração fora do comum para entorpecer as massas. Não foi à toa, que os filmes “Duro de matar 1, 2, 3 e 4; Máquina mortífera 1, 2, 3 e 4”, tiveram um sucesso imenso de bilheteria em todo o mundo.
Diante de tudo isso, como então admitir que os “Rambos” da mídia gospel, possam um dia, arrefecer o seu poder de sedução sobre as multidões, para que enfim, Cristo apareça?



Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, l7 de março de 2009

13 março 2009

A MULTIFACE DE DEUS




A inapreensível e inconquistável apresentação do Deus dos Judeus, nas suas múltiplas formas de revelação, incíta-nos a repensar o nosso “discurso”. A cada apreensão que fazemos, conhecemos umas de suas “faces”, sem chegarmos nunca a entender as inúmeras outras faces desse Deus.


Como um paradoxo de linguagem, o lado obscuro de Deus, às vezes denominamos de “diabólico”, como diabólico é tudo que foge a pequenez do nosso mundo de saberes, a que rotulamos de “princípios”. Então, na busca de preencher o vazio do Sagrado, exterioriza-se em nós a “resistência”, que sob uma forma emocionalmente agressiva, nos faz extrair pérolas como esta: “É diabólico porque foge aos nossos princípios”. E, em defesa destes princípios ficamos presos a nossa “parentela”. Deixamos de caminhar, de conhecer outras paragens, outros rostos, outras faces de um Deus que é movimento e recriação.


Para conhecermos mais este Deus, precisamos sair do fosso que construímos com muros tão indevassáveis, como é a nossa resistência ao que é novo, ao que é diferente. Tenhamos a coragem de Abraão que, contra tudo e contra todos, resolveu romper com o seu pequeno mundo e abrir-se para o desconhecido, preferindo o nomadismo de um Deus de “passagem” (palavra que está na raiz do nome Judeu), a ficar entranhado no aconchego do Lar, de horizontes tão curtos. Abraão não recusou, como não considerou “diabólico”, conhecer um Deus fora dos seus domínios.


O que devem ter imaginado alguns amigos do patriarca, vendo-o partir repentinamente rumo a um mundo desconhecido, em busca de um Deus revelado só a si. Naturalmente, devem ter cogitado o que qualquer um de nós, em tais circunstâncias, pensaria, se tivéssemos que nos defrontar com uma pessoa íntima, fugindo do nosso convívio sem nenhuma explicação. Racionalizaríamos tratar-se de um caso de “loucura” ou “coisa do diabo.”


É, às vezes não compreendemos atitudes aparentemente estranhas, tomadas pelo nosso próximo. E por não entendermos a razão de suas súbitas decisões, acabamos denominando de “diabólico”, uma das múltiplas faces de Deus.


Ao refletir sobre a odisséia de Abraão, talvez, no nosso imaginário, possamos vislumbrá-lo partindo para o desconhecido. Lágrimas para todos os cantos, e certos amigos, esperando ele desaparecer no horizonte, para sussurrarem de ouvido a ouvido, como se Deus não pudesse ouvir: “Isto só pode ser coisa do diabo!”.



Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 13 de março de 2009

11 março 2009

QUE CRISTIANISMO É ESSE, MEU IRMÃO!!!




O que Cristo tem a ver com esse cristianismo que, no tempo da igreja primitiva se entregou ao Imperador Constantino em troca de cargos e isenção de impostos -, costume esse, que felizmente para uns e infelizmente para outros, ainda hoje reina?

O que Cristo tem a ver com esse cristianismo que, no tempo do imperador Justiniano fomentou perseguições, revoltas e guerras por causa do culto às imagens de esculturas, ─ que ainda hoje, alguns praticam para gáudio de seus próprios “egos”?

O que Cristo tem a ver com esse cristianismo que, para cristianizar e escravizar os povos do Ocidente fez do Rei Carlos Magno, seu chefe espiritual ─, cujo ideário ainda se mantém intacto na esdrúxula politicagem atual?

O que Cristo tem a ver com esse cristianismo que introduziu as Cruzadas, para em duzentos anos de guerra, praticar roubos e crimes em nome de Deus ─, semelhante a nossa história de D. João VI para cá?

O que Cristo tem a ver com esse cristianismo que promovia execuções públicas para concretizar sua intenção de intimidar o povo no tempo das grandes inquisições ─, que de forma escamoteada ainda predomina entre nós?

O que Cristo tem a ver com esse cristianismo que fez do judeu convertido Tomás de Torquemada um sanguinário implacável, o qual em defesa da fé jogou dez mil à fogueira. ─ Fogueira essa, hoje, representada pelo submundo dos desvalidos e marginalizados do nosso imenso país?

O que o Cristo tem a ver com esse cristianismo que prendeu e torturou Galileu, só porque ele afirmou, com comprovação científica, que o sol e não a terra, era o centro do nosso sistema planetário ─ fato que ainda hoje faz da ciência a maior inimiga da religião?

O que Cristo tem a ver com esse cristianismo, que no Brasil, a troco de civilização, escravizou os nossos antepassados com um espúrio catecismo imposto a ferro e fogo, e que hoje, com um outro nome (doutrina) ─, faz o mesmo papel?

O que Cristo tem a ver com esse cristianismo que reconstruiu os muros da intolerância entre as nações ─, e continua até hoje, através dos massacres ideológicos dos paises de primeiro mundo, contra os de segundo e terceiro mundos?

O que Cristo tem a ver com esse cristianismo que restaurou o véu do templo, para ali, tentar falar com Deus sem a intermediação do seu Filho ─, como fazem algumas seitas que não quero revelar os nomes?

O que Cristo tem a ver com esse cristianismo que faz propaganda enganosa de curas, diariamente, com horário pré-estabelecido nas emissoras de televisão?

O que Cristo tem a ver com esse cristianismo que estimula e exalta os instintos arcaicos dos indivíduos, levando-os, por fim, a uma histeria coletiva grotesca ─, que muitos acreditam ser o mesmo poder que desceu sobre os que estavam reunidos em Jesusalém no dia de Pentecostes ─ acontecimento registrado no livro de Atos dos apóstolos?

O que Cristo tem a ver com esse cristianismo que reedita a Sua crucificação ─ ao substituí-Lo por amuletos e réplicas desrespeitosas dos símbolos judaicos, numa heresia nunca vista nos últimos tempos?

O que Cristo tem a ver com esse cristianismo que leva multidões de incautos, sem sabedoria, a se reunirem para sessões de quebra de maldições em praça pública ─, invalidando o sacrifício d’Aquele que se fez maldição por nós?

O que Cristo tem a ver com esse cristianismo que deturpa o sentido dos versículos bíblicos ─, ao afirmar que, se o crente não possui tudo o que o vil deus Mamon oferece, é porque está em pecado?

O que Cristo tem a ver com esse cristianismo que faz da Bíblia o livro mais vendido no mundo ─, para simplesmente ser carregada por muitos, em procissões, como imagem de escultura?

O que Cristo tem a ver com esse cristianismo que prega e “emprega” ─, mas evita ao máximo, que as almas se disponham a comprovar através do estudo, se o que se alardeia é correto ─ como fizeram os de Beréia?

O que Cristo tem a ver com esse cristianismo que divide os crentes em duas classes ─ os de primeira classe são os que têm o dom de glossolalia, e os de segunda classe são aqueles comedidos que só falam o seu idioma pátrio?

O que Cristo tem a ver com esse cristianismo, que de forma engenhosa e sutil, continua nos nossos dias iludindo a muitos ─ com seu discurso hedonista, recheado de atraentes guloseimas que empanturram o corpo e enfraquecem o espírito?

O que Cristo tem a ver com esse cristianismo de pífios espetáculos e práticas escandalosas, cujos líderes promovem disputas engalfinhadas para se apoderar do farto comércio do “butim gospel”?


NA REALIDADE, MEU IRMÃO, CRISTO NÃO TEM NADA A VER COM ESSE SIMULACRO DE CRISTIANISMO, QUE VEM SENDO DIFUNDIDO DESDE OS TEMPOS MAIS REMOTOS ─ PELOS QUATRO CANTOS DA TERRA.



Ensaio por: Levi B. Santos
Guarabira, 11 de março de 2009





06 março 2009

DEZ REGRAS PRÁTICAS DO "AVIVAMENTO GOSPEL"


1.Ficar sempre atento à programação midiática gospel dos meios de comunicação, a fim de não faltar aos shows e congressos de avivamentos “inspirituais” programados em seu Estado. Se possível freqüente essas seções diariamente. Quanto ao estudo da Palavra, basta apenas aquela horinha na escola bíblica dominical.

2.Não quebre a cabeça com estudos bíblicos demasiados longos, principalmente àqueles que exigem uma infinidade de obras para consultar, como livros de História, de Geografia, de Filosofia Cristã, de Teologia e outras “gias”, além de enciclopédias e dicionários. Nas livrarias gospel você já encontra tudo mastigadinho para o seu crescimento espiritual, sem necessidade de forçar a mente. Lá você pode adquirir pacotes de “pague 3 e leve 4”.

3.Se tiver que decidir entre um “show de avivamento” e uma reunião de estudo bíblico, não vacile escolha o primeiro. Afinal, a nossa vida aqui é tão curta, e esse negócio de estudo pode prejudicar a saúde mental, principalmente daqueles que já ultrapassaram os 45 anos.. Veja e compare: aqueles que saem dos retetés de avivamento apresentam-se alegres e de faces radiantes, enquanto aqueles que saem do estudo das Escrituras Sagradas apresentam-se cabisbaixos, apáticos e com cenhos franzidos, como se tivessem acabado de assistir a uma sessão de tortura.

4.Nos grandes congressos e festas gospel use ao máximo, o som esfuziante das bandas de forró, axé e frevo. Não deixe a multidão “paradona”. Incentive as palmas, os gritos dos bordões evangeliquês, os pula-pulas, os cai-cai, etc.

5.Se você é o preletor oficial, nunca deixe de suar a camisa, e se possível o paletó. Nunca deixe de imprimir aquele vozeirão dramático e tonitruante. Se a platéia se mostrar fria, exerça os seus dons teatrais, como pulos, cambalhotas, sapateados e lançamentos de bíblias ou lenços, que você tão bem ensaiou.

6.Não deixe de comprar em nossas livrarias, os famosos livros de marketing sobre pregações para multidões, como os recentemente publicados: “Como Inflamar as Multidões” ─ de Flamarion Nazareno; e o best-seller: "Cem Conselhos para Incendiar as Igrejas"─ de Pinto Sette e Caio Botafogo.

7.Os organizadores dos shows de avivamento gospel, não podem em hipótese alguma, reservar muito tempo para a exposição da Palavra de Deus. Os sermões longos causam enfado e deixam as multidões sonolentas.

8. É patente e notório que, se você quiser ganhar um maior número de almas para seu rebanho, deverá pregar mais sobre Apocalipse, enfatizando com cores fortes, o terror do fim do mundo e do inferno. As pessoas temem muito o castigo final, e consequentemente, vão procurar ligeirinho, uma igreja para se congregar.

9. Não esqueça o que preconiza o marketing da “Hora do Apelo”. O mesmo deve ser executado com muito esmero. Intensa e solene dramatização, ao som de “corinhos” e de uma suave e crescente pressão dos auxiliares junto ao assustado pecador, para que “livremente”, ele se dirija ao púlpito, a fim de ser contabilizado para a honra e glória do pregador.

10.Após o término dos shows, todos deverão procurar as nossas barracas de cds, vídeos, camisetas, revistas, sandálias, toalhas, pratos, chaveiros, bolsas e bonés com versículos bíblicos e emblemas judaico-cristãos, a fim de adquirir um ou mais objetos para se guardar como recordação. OBSERVAÇÃO: levem sempre algum dinheiro na carteira, pois não aceitamos cheques ou cartões de crédito.



Por: Levi B. Santos
Guarabira,06 de março de 2009

03 março 2009

DEZ CONSELHOS DOS LEGALISTAS SOBRE "ÉTICA CRISTÃ"



1 . Muito embora Jesus tenha denominado o Rei Herodes de “raposa” ─, não convém ao crente assim proceder. Devemos dispensar o melhor tratamento às autoridades, mesmo que elas tenham, às vezes, condutas irregulares e hipócritas. Está escrito: “Toda autoridade provém de Deus”.


2 . Muito embora Jesus tenha cognominado de “sepulcros caiados”, os homens da Lei que estavam sentados na cadeira de Moisés ─, não é conveniente ao cristão assim o fazer. A boa ética manda que o crente tenha sabedoria e controle emocional, a fim de que não caia na tentação de detratar as pessoas.


3 . Muito embora Jesus não tenha encontrado onde repousar a cabeça ─, não é conveniente ao crente está falando mal das autoridades religiosas que enriqueceram graças aos seus extraordinários dons. As mansões, os carrões, as chácaras e o mar de riquezas que essas autoridades possuem, foram frutos do seu honesto trabalho. Está escrito: “Todo obreiro é digno do seu salário”.


4. Muito embora Jesus em sua missão tenha ido buscar pessoas para serem discipuladas, “extra-muros” do Templo ─, não é de boa norma, o crente organizar grupos para o ensino da palavra por aí afora. O Templo é o único local adequado para esse fim. Está escrito: “Alegrei-me quando me disseram: vamos à casa do Senhor”.


5 . Muito embora Jesus tenha entrado no templo, armado de chicote para expulsar os poderosos que faziam da Casa de Deus uma “bolsa de valores” ─ não é conveniente ao crente de forma desastrada, assim se comportar. Está escrito: “Não é por força nem por violência, mas pelo meu Espírito, diz o Senhor”.


6 . Muito embora Jesus tenha reprovado os religiosos de sua época, por adorarem os primeiros lugares no templo ─, não é ético para o cristão assim proceder. Em todas as igrejas, é de praxe, que os primeiros assentos sejam destinados às autoridades eclesiásticas. Está escrito: “A quem honra, honra”.


7 . Muito embora Jesus não tenha tomado uma atitude enérgica, quando os discípulos seus, invadiram um roçado de milho alheio, para saciar a fome num dia consagrado ao descanso ─, não convém ao crente assim proceder. Mesmo estando faminto, não ouse tirar nada de alguém, sem plena autorização. Está escrito: “Pedi e dar-se-vos-á”. Portanto, basta dobrar os seus joelhos e orar.


8 . Muito embora Jesus não tenha respondido a pergunta de Pilatos, sobre “o que era a verdade” ─, não convém ao crente, deselegantemente, silenciar diante da pergunta feita por uma autoridade. Peça a Deus sabedoria e Ele porá a palavra certa em sua boca. Está escrito: “Se estes se calarem, até as pedras clamarão”.


9 . Muito embora Jesus tenha dito de forma pública, que os escribas e fariseus, apesar de serem dizimistas, negligenciavam o mais importante, como a justiça, a misericórdia e a fé ─, é atitude reprovável e contrária à ética, o cristão expor aos quatro cantos do mundo uma simples falta (perdoável) dos seus superiores, ainda mais, se eles estiverem sentados na cadeira de Moisés. Está escrito: “E o oferecerá com a oferta sobre o altar, e assim o sacerdote fará expiação por ele, e será limpo”.


10. Muito embora Jesus tenha se posicionado contra os fariseus que enfrentavam todo tipo de obstáculos para ganhar almas, ocasião em que os denominou de duas vezes filhos do inferno ─, não é de bom alvitre o crente tomar tão irredutível atitude. Está escrito: “Mas que importa? Contanto que Cristo de qualquer modo, seja anunciado, ou por pretexto, ou por verdade... .” (Filipenses 1: 18).



CONCLUSÃO: Por esse manual legalista de "ética cristã", que todo cristão autêntico deve repudiar, Jesus teria sido reprovado com nota zero. Mas, não custa nada perguntar:

Se Cristo viesse hoje com aquele verdadeiro e contudente discurso do capítulo 23 de Mateus, seria ou não seria, rotulado de “ANTI-ÉTICO”, pelos donos do poder eclesiástico?


Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 03 de março de 2009

28 fevereiro 2009

SINFONIA DA ALMA




Não entendo a razão da música clássica ─, aquela que toca a nossa sensibilidade mais profunda e nos transmite tanta paz de espírito ─ ser considerada música triste e sem sentido pela maioria das pessoas. Comumente, só ouvimos a execução dessas melodias, pelas emissoras de rádio, como fundo musical no anúncio do falecimento de uma pessoa nobre da sociedade. É uma pena que na nossa cultura, essas sinfonias suaves e maravilhosas sejam apelidadas indevidamente de “música de enterro”.


Mas como são belos, e extraordinariamente tocantes os concertos de Brahms, Schubert, Beethoven, Bach e Chopin, entre outros notáveis autores. Ouvindo as músicas desses fenomenais compositores eu me sinto como uma ave pairando no ar e, nas poucas horas de silêncio que esse mundo agitado e hostil me oferece, sou transportado a um mundo calmo, distante do “corre-corre” tumultuado da luta cruel pela sobrevivência. Não posso deixar de dizer que, a harmonia dessa modalidade musical acalma a criança amedrontada que mora em mim. Ela põe os meus medos para dormir. E, enquanto o sono me embala, os medos e as tensões são afugentados para bem longe.


Essa categoria musical é poderosa, pela sua influência avassaladora e capacidade de despertar sentimentos mais profundos, como em nenhuma outra arte é possível. Lembro-me da minha infância quando os meus dedos mal ajeitados percorriam o teclado de um acordeom, e eu me entregava à improvisações apaixonadas. Bastavam alguns acordes dolentes tirados em “do menor” para me fazer sonhar e esquecer as agruras e dificuldades da vida real.


Será que os extraordinários maestros da música clássica, não foram tocados por uma centelha Divina, ao instrumentalizar as canções que as mães de todo o mundo inventaram para fazer seus filhos dormirem? A escuridão da noite punha medo e agitava as crianças do meu tempo. As velhas letras das cantigas de ninar, que a minha mãe com tanta sensibilidade cantava, apaziguavam a minha alma, ajudando-me a entrar de forma tranqüila no mundo escuro e tremendo da noite. No balançar de uma rede, ouvindo as modinhas infantis, eu entrava tranquilo no mundo sobrenatural dos sonhos. Talvez, a música erudita que hoje me causa tanta sensação, seja uma evocação daquelas repetitivas canções que minha mãe entoava com tanto carinho e devoção, no verdor dos meus três anos de idade.


Hoje, num mundo explosivo e barulhento, é quase impossível se obter o necessário silêncio para conciliar o sono ao embalo de uma suave e bela sonata. Caímos no sono mais pelo cansaço do labutar diário, o qual como um tribunal severo, impõe uma aspereza dissimulada em nossos corações, nos impossibilitando de degustar os sentimentos transbordantes de uma sinfonia.


Na Bíblia, há um registro emblemático sobre o poder fascinante da música: quando o salmista Davi extraiu de sua harpa uma melodia expressiva, que tocou profundamente o Rei Saul, restaurando-lhe a tranqüilidade da alma que jazia perturbada. Não creio que a música tocada por Davi, tenha qualquer relação com a barulhenta e insuportável sonoridade da maioria das bandas gospels, que ludibriam os líderes de certas igrejas, deixando-os embasbacados diante de espetaculosos “shows” estimulantes dos instintos carnais, em detrimento do que é espiritual.


O êxtase banal, vulgar, pesado e barulhento provocado por essas bandas de ritmo esfuziante, e que muitos erradamente confundem com “avivamento espiritual”, jamais pode ser comparado ao sereno contentamento que as almas experimentam ao deixar a sinfonia erudita reverberar suavemente nas cordas de seus corações. O filósofo Schopenhauer deixou escrita uma frase que resume bem o propósito desse ensaio: “A música clássica é um exercício metafísico no qual a mente não se dá conta de que está filosofando com Deus”.


Lamento, mas nada posso fazer, senão respeitar àqueles que, seguindo a tradição dos nossos antepassados, fazem dessas melodias eruditas, uma peça complementar de um ritual fúnebre.


Também não posso olvidar de que entre as gentes, possa existir alguém que, cansado das lutas renhidas dessa vida, já sinta nas profundezas do seu ser a aproximação do momento de dormir o último grande sono. E nessa hora, deseje ouvir dos anjos uma sinfonia que lhe enleve a alma, a semelhança do acalanto que, ao tanger o fantasioso pavão para bem longe ─, afastava a inquietude da criançinha, deixando-a enfim, dormir o seu sono sossegado.


Ensaio por Levi B. Santos


Guarabira, 28 de fevereiro de 2009




24 fevereiro 2009

REMEMORANDO A ESCOLA BÍBLICA DE ALEXANDRIA

.................Biblioteca de Alexandria - século I DC



A cidade de Alexandria teve a honra de haver produzido o primeiro instituto cristão de ensino superior. Foi de lá que surgiu a primeira escola bíblica de que se tem notícia. No século II ─ os cristãos veementes partidários da fé ─, eram defensores ardorosos da Bíblia como livro de revelação, e por hipótese nenhuma admitiam que o Livro Sagrado fosse alvo de estudo ou de análise, até porque analisar é examinar à luz da razão. Este deve ter sido um dos motivos que levaram à lamentável destruição de um acervo de quase 700.000 livros da maior biblioteca de todos os tempos.


Tito Flávio Clemente, filho de pais gentios, nascido em Atenas em 150 DC, converteu-se ao cristianismo e associou-se a Panteno na qualidade de professor assistente. Sofreu grande perseguição por sua postura, ao preconizar que à filosofia antiga cabia o papel de pedagogicamente, ajudar a encaminhar os gentios para Cristo. Para o crente daquela época só existia uma doutrina necessária e útil: a sua fé. Clemente viu-se constrangido a combater esta atitude, mostrando sempre que a filosofia é a serva da sabedoria. Ele dizia: "os gregos foram educados para Cristo por intermédio da filosofia, como os Judeus foram por intermédio da Lei." Todos pensadores cristãos a começar por Clemente, descobriram elementos cristãos na filosofia grega. Sabe-se, para citar dois exemplos, que Santo Agostinho cristianizou Platão e Tomás de Aquino cristianizou Aristóteles.


O prólogo do evangelho de João traz para a história do pensamento cristão, o conceito do “LOGOS”. O primeiro a usar esse termo foi o filósofo Heráclito de Éfeso, cidade onde o evangelista João, escreveu a sua epístola. Filo, filósofo judeu, também via no “logos” a ideia divina do mundo e o meio pelo qual Deus opera nele. No primeiro versículo do capitulo primeiro de João, estabeleceu-se o ponto de contato muito natural entre a doutrina platônica das idéias e a Teodicéia Cristã: “No princípio era o logos(verbo), e o logos(verbo) estava com Deus, e o logos(verbo) era Deus”.


São João nos apresenta o Logos como a luz “que ilumina todo o homem”. Clemente via na Luz a “fonte do conhecimento”. Clemente trabalhou muito para que houvesse a possibilidade de colaboração entre a fé e a razão. Ele entendia que a filosofia cristã jamais ia de encontro às verdades da fé, claramente formuladas pela igreja. A noção de que a filosofia era um obstáculo à fé, provinha mais do medo do fiel ser considerado um apóstata ao fazer da escritura sagrada objeto de estudo, ou análise humana. A sombra temerária desse pensamento, nem que seja de uma forma sutil, ainda hoje exerce influência entre nós.

Atualmente, não se está lançando livros à fogueira como aconteceu em Alexandria, mas sem que se perceba, a marginalização contra aqueles que procuram se aprofundar no estudo da escritura sagrada, continua de forma dissimulada.

Entre o apóstolo Paulo e Tiago, vislumbramos um embate emblemático entre a fé e a razão. Paulo pregava que somos justificados pela fé e não pelas obras. Tiago em seus escritos fez uma aparente oposição, quando disse: “vedes então que o homem é justificado pelas obras e não somente pela fé...". Nenhum dos dois estava errado. O que acontece, é que em nossa dialética, às vezes, somos mal entendidos, pois o que vemos e sentimos, quando passamos para a linguagem, nem sempre é compreendido pelo interlocutor, como esperávamos que fosse.


Não podemos desprezar a filosofia. Foi ela que fez do livro dos provérbios de Salomão, um corolário de pensamentos altamente edificantes para o nosso caminhar. Muito embora, o sábio Salomão nos instantes finais de sua vida, tenha se entregado à idolatria, sabemos que esse fato não invalida de maneira nenhuma o que ele deixou escrito. Ora, se tomarmos a própria palavra "filosofia"(= amigo da sabedoria), e a sua significação, iremos constatar que Davi, Salomão, Jeremias, o próprio Jesus, Paulo, entre tantos outros, extrairam das circunstâncias da vida memoráveis lições, que ainda hoje, repercutem como pilares básicos e indevassáveis do saber.


Não resta dúvida de que a fé nos faz alçar vôos altíssimos, porém é a razão que nos puxa para baixo, a fim de que possamos manter os nossos pés no chão. “Vigiai e orai[...]” ─ diz a Palavra ─ uma não pode prescindir da outra. Através da oração exercitamos a fé, ao passo que é no vigiar que colocamos a razão em ação.


Faço votos a Deus, para que este campo que Ele tem nos oferecido aqui na internet, continue como canal de diálogo sadio e frutífero, a fim de que possamos cada vez mais, como diz a Bíblia, nos trasformar pela renovação do entendimento. Nesta grande Escola da Vida, não importa a cor, ou tonalidade (denominação religiosa) que escolhemos como vestimenta de nossa fé. O que importa é que caminhemos juntos, como fazem as cores do arco-íris: todas unidas, mas cada uma conservando a sua individualidade própria.



Saudações fraternas aos irmãos e amigos da UBE

Fonte bibliográfica: História da Filosofia Cristã de Etienne Gilson e Philotheus Boehner


Guarabira, 24 de fevereiro de 2008
Levi B. Santos - http://www.levibronze.blogspot.com


18 fevereiro 2009

QUANDO SOU JOIO E QUANDO SOU TRIGO




Graças a Deus, por Ele ter me permitido mesmo tardiamente, conhecer o “porquê” do preconceito que tinha contra os que não professavam a minha fé. Preconceito este, que durante muito tempo em minha vida encharcou-me a alma com a lama e o ranço da intolerância. Agora, aos meus sessenta e dois anos de idade, fazendo um retrospecto, cheguei à conclusão de que o meu coração foi preparado e adubado desde a mais tenra infância com um único propósito: o de conceber só as sementes do trigo. No resguardado campo do minha plantação, eu só podia admitir o trigo. Quanto ao joio eu aprendera a enxergá-lo só nos outros, concepção essa reforçada diuturnamente através dos alertas de minha mãe, que em tom ríspido falava: “Olhe, meu filho! Você é um crente ouviu? Não se misture em hipótese alguma com esses moleques de rua”.


Foi por esse tempo de minha formação juvenil, que de forma inconsciente, foi semeada no campo fértil do meu coração, uma sementezinha de joio, que fazia me ver como uma pessoa privilegiada, de primeira classe. Aprendi por essa época, como olhar as pessoas de classe inferior (os incrédulos) de soslaio, como quem enxerga um animal irracional. Enfim, era considerado pela minha comunidade religiosa como o trigo da parábola. No entanto, era junto aos moleques de ruas (tidos como joio) que eu fazia às escondidas, mil estripulias. A meu ver, secretamente, eu podia fazer de tudo junto à molecada. Contanto que os meus pais de nada soubessem, em minha imaginação, estava seguro do meu lugar no panteão das moradas celestes. A semente do joio representada pelo egoísmo, pela prepotência, pela estupidez, e pela mentira já tinha germinado em minha mente de criança, sem que eu e meus pais tivéssemos consciência. A santidade que diz: “separados do mundo”, vendara os meus olhos para não enxergar o óbvio. Assim como o apóstolo Pedro queria que os gentios se comportassem como judeus, quando ele mesmo às escondidas se servia de práticas pagãs, assim eu também me comportava. Na rua era um diabinho, e em casa um santinho da mamãe e do papai.


Lembro-me bem que entre meus “amiguinhos incrédulos” havia um “moleque” desbocado e de compleição física avantajada que acusávamos sempre de ser o culpado, quando nossas ações más eram descobertas pelos adultos. Ele era o nosso “bode expiatório”. Tudo que saia errado, dizíamos: é culpa daquele ali. E mandávamos o mesmo desaparecer desabaladamente, para não ter que dar satisfações ─, numa reedição daquilo que faziam os filhos de Israel na época de Moisés, quando transferiam os seus pecados para um bode que depois era solto para desaparecer sozinho pelo deserto inóspito.


Imaginem o que seria de muita gente graúda que hoje vive tirando onda de santinho, se não fosse o tal “bode expiatório?”. Só que essa gente se ilude ao pensar que o nosso semelhante escolhido para “bode expiatório”, tem o poder de retirar o joio de seus fingidos corações, deixando o trigo intacto.


Distante mais de meio século dos tempos de minha meninice, por incrível que pareça, ainda vejo pais e mestres (que no dizer de Paulo já deveriam se alimentar de sólidos) cantando a mesma ladainha: “Nós somos trigos, os outros são o joio”. Esse pressuposto foi explorado brilhantemente por Sartre ao cunhar a célebre frase: “O inferno são os outros”.


Eu perguntaria ao nobre leitor:


Por acaso, o nosso roçado de trigo cercado com muros aparentemente indevassáveis, são realmente só de trigo?


Deus parece estar dizendo: “Oh! Que triste engano homem! O trigo é muito parecido com o joio, e ao teu débil olhar, parecem ser a mesma coisa”.


Seríamos tão mais convincentes e sinceros se admitíssemos que em nossas atitudes e racionalizações, ora somos trigos, ora somos joios. Mas algum leitor poderá contra-argumentar:


─ Sendo assim, estou diante de uma contradição, pois a Bíblia revela que de uma mesma fonte não pode jorrar água doce e água amargosa.


Se em cada pessoa só existisse um tipo de fonte ─ o leitor estaria com a razão.


Só que essa assertiva não resiste a uma boa análise, pois na realidade existem duas fontes: uma é a fonte de vida e outra a de morte ─, cada uma com seu tipo de líquido.


A história registra que alguns antigos ao reconhecerem a dualidade existencial, simbolizada pelo joio(metáfora do mal) e pelo trigo (metáfora do bem), imaginavam que o ser humano fosse possuidor de duas almas: uma boa e outra má. Assim é que Xenofonte em sua obra: “A Vida de Ciro”, sobre certo nobre persa de nome Araspe, o qual teve conduta errônea para com Pantéia, uma bela escrava, assim declamou: “Ó Ciro, estou convencido que tenho duas almas; quando a alma boa domina passo a praticar ações nobres e virtuosas; mas quando a alma má predomina sou constrangido a praticar o mal. Tudo quanto posso dizer quanto ao momento é que minha alma boa é encorajada pela tua presença, tendo assim obtido o domínio sobre minha alma má”.


Uma versão cristã análoga a de Xenofonte, foi a que Paulo proferiu diante dos Romanos (7; 21): “Acho então esta lei em mim, que mesmo querendo eu fazer o bem, o mal está comigo”.


A respeito do “trigo” ─ como metáfora do bem, e do que é verdadeiro; e do “joio” ─ como metáfora do mal e do que é falso, podemos assegurar que: quanto mais profunda for a espiritualidade do crente, maior será a sua percepção para entender esse conflito humano que fez o apóstolo Paulo num momento de arrebatadora intuição, assim se definir: “Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo dessa morte?”(Rom 7: 24).



Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 18 de fevereiro de 2008